Daniella e Giulia se aproximaram pelo destino, mas o amor fez uma escolher a outra como mãe e filha.
Silvia Bessa (texto)
Arquivo pessoal (foto)
Em cima da mesa do casal que acabara de chegar da lua de mel, tinha um bilhete. “Desculpem a invasão, mas acho que é por bom motivo. A casa está limpa, tem comida, cerveja na geladeira e muito amor também. Beijos”, com a assinatura da mãe da noiva. Uma semana antes do casamento, no último dia 4 de novembro, ela começou a ouvir em casa a música que escolheu e com a qual entraria no cortejo da cerimônia da filha. “Pra você guardei o amor/ que sempre quis mostrar/ o amor que em mim vem visitar/ sorrir, vem colorir solar/ vem esquentar e permitir”, dizia a canção de Nando Reis. De nada adiantou a estratégia. Chorou do mesmo jeito.
Naquele entardecer, houve ameaça de chuva. Daniella Brito Alves, a mãe, disse que, no desespero, olhou para cima e pensou: “Elisete, pelo amor de Deus, me ajude nesse momento”. Então, veio o que pareceu um sinal: “Três pombas pararam defronte à porta da igreja e, quando a noiva já estava no altar, não se via mais chuva”. Elisete foi a mãe biológica da noiva, Giulia Cipolla. Quando Giulia tinha menos de três anos e a família morava em São Paulo, Elisete morreu vítima de um câncer. Giulia foi morar com a avó Birene. Quando tinha sete anos, conheceu Daniella, a futura madrasta. Hoje esta história só é lembrada por quem a viveu de perto. Daniella e o pai de Giulia se separaram, ele voltou para São Paulo. A menina ficou. Giulia com a mãe que escolheu; Daniella com a filha que escolheu.
Giulia entrou de branco, com um vestido rendado lindíssimo e com um buquê de flores. “Eu costurei vários terços dentro do buquê”, conta, rindo dos seus exageros. A mãe Daniella diz que sentiu uma “coisa” inexplicável e espiritual naquele momento. Era uma data importantíssima, um arremate na vida delas. A solenidade estava perfeita. Daniella tratou da última degustação da festa, conseguiu convencer o casal Giulia e Augusto a optar por um bolo meio termo: com um andar de chocolate e outro de frutas, como manda a tradição pernambucana. “Claro que guardei um pedaço para eles comemorarem conosco com um ano de casados”. A mãe de noiva agiu como o estereótipo. “Toda mãe da noiva é surtada e eu também tive arranca-rabo com ela, mas ajudou demais”, conta Giulia.
A passarela rumo ao altar foi o segundo grande encontro de Giulia e Daniella. No primeiro, Giulia tinha 7 anos e Daniella 26 anos. Daniella avistou Giulia em um aeroporto de São Paulo. Levou chocolates para conquistar a enteada. “O olhar para baixo se completava com a mão bem agarradinha junto ao pai”, relata Daniella, lembrando que sorriu para a garota e agarrou na outra mão dela. A vida deu uma guinada. Dona Birene, a avó materna, faleceu. “Essas crianças (Giulia tem um irmão um ano mais novo) precisam de um pai. Ou você traz elas para o Recife ou o tempo vai passar”, disse Dani. Com um bebê em casa, recebeu o caminhão com os objetos de São Paulo.
“Eu não queria vir. Tanto que passamos mal no caminho do aeroporto”, narra Giulia, relatando a mudança brusca quando nem dez anos tinha completado. Daniella tratou de agir como mãe. Matriculou numa das melhores escolas particulares do Recife. Cuidou das lições. Dona Dione, matriarca dos Brito Alves e conhecida pelas suas belas festas com tortas de todo tipo, acolheu a nova neta. As crianças da família, idem. As férias em Itamaracá são lembradas até hoje. Riam e brigavam, como em toda família. “Giulia sempre me chamava de tia até então”
Um dia, ao sair do mar, Giulia, sempre tímida, tomou coragem. “Tenho um negócio para te perguntar”. Daniella, brincalhona, garante que só pensou que Giulia tinha pego piolho dos primos. “Posso te chamar de mamis?”, indagou a menina. “Foi uma surpresa. Eu quis dar um ar de normalidade, mas me emocionou tanto…”, recorda Daniella. É tratada por “mamis” até hoje. Foi assim em cada momento, na crisma, em eventos escolares em que chorava e os amigos de Giulia brincavam: “Não é hora de chorar ainda, não”.
As duas têm as mesmas teimosias, há quem diga até que se parecem fisicamente, repetem as mesmas expressões e em caras e bocas. Em personalidades, são diferentes. No período de Carnaval, uma gosta de assistir ao desfile da Pitombeira; outra filmes da Netflix. Como em toda família. “E é o que aprendi: Família não tem relação com DNA. O que define é o laço afetivo”, resume Daniella.
No Facebook, há alguns dias Daniella Brito Alves fez o relato desta entrega que acompanhei de perto por mais de uma década. Nele, revelou o segredo que uma mãe de noiva sempre diz – em gestos e palavras – a uma filha que casa: “Quero pedir que você nunca esqueça que vou continuar sempre aqui, Giu, segurando a sua mão”.