08.12

Dia de subir o morro para pedir milagres, para agradecer ou simplesmente para se sentir acolhido.

Luce Pereira (texto)
Paulo Paiva (foto)

Digo-me o tempo inteiro: não tenho religião, mas religiões, e nenhuma, especificamente, apenas porque considero divino tudo o que leva ao entendimento e à paz. E compreendendo que este caminho não pode ser conhecido sem o espetáculo da fé, lembro que hoje o povo acorda disposto a subir o morro. Nossa Senhora da Conceição, não é a Padroeira do Recife, mas tem status de, pelo quanto chega a milhares como uma santa que olha para a cidade lá de cima, de um ponto da periferia sempre tão rodeado por necessidades desconhecidas de grande parte da população. Mesmo assim, até a gente bem-nascida do asfalto se rende a tanta devoção e veste azul e branco e se mistura àqueles para os quais a vida nunca é um mar de rosas; àqueles que vão buscar consolo para dores ou rogar por sonhos de sobrevivência. Neste dia, nesta hora, se misturam por razões distintas, mas unidos pelo desejo de se sentirem mais acolhidos e amparados. A psicologia, inclusive, enaltece os benefícios da fé – diz que ela fortalece o espírito, reequilibra, limpa olhos e mente. É ao menos a sensação produzida, e isso não tem preço.
Sim, a maioria sobe o morro para pedir à Virgem que lhes acuda com alguma luz na difícil travessia dos dias, mas há muita gente, também, propensa a enxergar estes santuários como lugares de reflexão e recarga espiritual. Donos de situação financeira bem menos carente de milagres, costumam incluí-los na agenda de viagens pelo Brasil e a outros países como pontos de visitação obrigatórios, especialmente em datas de maior significado para os devotos. Neste ano, por exemplo, o Santuário de Fátima (Portugal) recebeu número extraordinário de visitantes e peregrinos, por causa do centenário de aparições da Virgem. Mas nem todos estavam lá porque não sabem deixar de ir ao local professar sua devoção à santa – muitos apenas movidos pelo desejo de sentir, no ambiente tomado por expressões de fé, uma energia amorosa e reconfortante. Pelo mesmo motivo, frequentam, também, os santuários de Aparecida (São Paulo) e Lourdes (França), basílicas monumentais como a de São Pedro (Roma), o que não quer dizer que sejam católicos. São, na realidade, pessoas que buscam uma conexão com o divino em ambientes onde muitos buscam a mesma coisa. No fim das contas, o que querem é voltar para casa com a sensação de que estão mais próximas do amor. Isto é, de Deus.
Entre os que vão rogar pela abreviação ou fim dos seus martírios diários subindo o morro, hoje, lá estarão estas pessoas. E embora abertas a receber toda a boa energia que as grandes demonstrações de fé e religiosidade emanam, hão de, em algum momento, se perguntar por que um santuário da importância do de Nossa Senhora da Conceição para os devotos não recebe do poder público tratamento à altura daqueles que já viraram referência no Brasil e lá fora. Mas até a santa deve entender esta nossa eterna dificuldade em criar espaços acolhedores, independentemente de se consolidarem ou não como destinos obrigatórios para milhares de fiéis. Arriscando um palpite, sem a exigência de qualquer acerto, para Ela difícil mesmo seria aceitar que esteja há 113 anos olhando para o Recife, de cima do santuário de Casa Amarela, e a cidade seguir se ressentindo de tanta violência, como de resto, mal instalado no país inteiro. Pois que rogue por nós, vestidos ou não de azul e branco, para a fé não esmorecer diante de tamanhos desafios e para o amor nos tocar a todos bem de perto. Afinal, a vida não pode ter sentido algum sem a esperança de nos aproximarmos mais do humano. É o que somos, apesar de tudo.