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Millitante dos direitos das pessoas LGBTs, a trans e cadeirante Leandrinha Du Art não quer piedade.

Marcionila Teixeira (texto)
Gabriel Melo (foto)

Leandrinha Du Art, aos 22 anos, não gosta de ser alvo de olhares piedosos. Muito menos de textos sensacionalistas sobre sua história. Em seu processo de autoconhecimento e valorização pessoal, passou a buscar somente olhares de admiração, de desejo. Leandrinha nasceu com a Síndrome de Larsen. A doença afetou o desenvolvimento dos ossos e lhe colocou em uma cadeira de rodas. Sua condição física terminava atraindo olhares indesejáveis. O ponto de virada em sua vida aconteceu quando descobriu-se como mulher trans. Politicamente falando, Leandrinha é uma personagem praticamente única. Ganhou fama e respeito em um campo pouco explorado: o da militância pelos direitos das pessoas LGBTs com deficiência. “Quantas pessoas como eu você conhece? Eu conheço apenas uma outra trans cadeirante. Ela vive em um abrigo, em São Paulo.”
No início do mês, Leandrinha esteve pela primeira vez no Recife, a convite da Secretaria Municipal da Mulher. Apresentou a palestra Mergulhe no seumeamo, participou de uma roda de diálogos Mulheres TRANSformando o mundo, no Centro da Mulher Metropolitana Júlia Santiago, em Brasília Teimosa, e do VII Encontro de Mulheres com Deficiência do Recife, em Santo Amaro. Nos dois eventos, trocou ideias sobre preconceito, sexualidade da mulher com deficiência, autoestima, ouviu desabafos, fez selfies e beijou um fã na boca. “Muitas pessoas acham que não se encaixam, não são bem-vindas. Mas é preciso fazer valer, se encaixar”, ensina.
Antes de identificar-se como mulher trans, aos 17 anos, e assumir a vaidade em cabelos longos e coloridos, saltos, tatuagens e piercings, Leandrinha escondia o corpo sob roupas largas. “Aqueles olhares de pena ou de estranhamento me dilaceravam por dentro. Nossa, como eu me sentia pequena, humilhada. Aceitar meu corpo foi um passo difícil, pois eu olhava para os lados e não via em quem me espelhar. Novamente me via única, me via responsável de liderar um legado com todas as minhas diferenças. Bastou olhar pra dentro de mim mesma para que eu pudesse me libertar dessas redes e desbravar o oceano sem medo”, disse a ativista em uma publicação na sua página do Facebook, curtida por mais de 55 mil pessoas.
Leandrinha é natural de Minas Gerais. Ainda criança, passou por mais de vinte cirurgias que lhe dariam a capacidade de andar. Aos sete anos, avisou: não iria mais viver sobre uma cama, seja porque estava em cirurgia ou em recuperação da intervenção. A forma de se olhar no espelho mudou definitivamente quando beijou o menino mais bonito da escola, aos 14 anos. “Hoje, faço questão de ser olhada, ser ouvida. Tenho uma história que ninguém tem. Me olham buscando algo. As coisas mudaram”, reflete.
Assim como outras mulheres trans, a ativista não precisou partir para a prostituição para sobreviver. Sempre teve apoio dos avós, com quem viveu. Concluiu o Ensino Médio, mas não pensa em fazer faculdade. “Sei que sou privilegiada. Sempre tive sorte.” Além de militante, atua como fotógrafa, produtora, blogueira e colunista do Mídia Ninja. A agenda de palestras e participações em shows de Leandrinha aumenta a cada dia. Em algumas semanas, participa de até quatro eventos. “Quando ocupamos esse lugar de fala a gente incomoda. Porque não é considerado o lugar de uma mulher trans cadeirante”, reflete.
Para quem passou a infância na batalha mais árdua, a da luta para manter-se viva, o olhar enviesado e os ataques nas redes sociais chegam hoje com uma força bem menor. Leandrinha optou por se amar e ser amada em sua condição única. Uma luta tão rara quanto a Síndrome de Larsen.