19.12

Qual foi a notícia mais surpreendente do ano?

Imagine um time capaz de vencer de goleada os melhores do mundo. Já existe. Mas em outro esporte.

Vandeck Santiago (texto)
Sony Pictores (foto)

Fim de ano é a época das listas. Um pesquisador agoniado pelo prazo me liga para enquete sobre a notícia mais surpreendente de 2017. Posso assegurar que não foi o fato de Lula continuar liderando folgadamente as pesquisas ainda que condenado em dois processos, na primeira instância; nem a queda do meu querido Santa Cruz para a terceira divisão; muito menos o Michel Temer ter conseguido manter-se no poder, apesar daquela mala abarrotada de dinheiro andar pra cima e pra baixo sem encontrar seu dono e de ele ter sido gravado em conversas um tanto quanto inadequadas.
A notícia mais surpreendente é recente, e não ganhou as manchetes de capa de nossa imprensa. Mas, acreditem, deveria. Foi o surgimento de um programa de Inteligência Artificial chamado AlphaZero, uma criação do Google DeepMind, uma divisão da empresa. Mas o que há nele de tão espantoso, numa área em que está sempre ocorrendo grandes avanços? Resposta: o Alpha Zero é diferente de tudo que existe na área. É uma máquina que aprende e evolui sozinha, como uma autodidata, até o ponto de tornar-se invencível, sem necessidade de intervenção humana e sem precisar do conhecimento humano adquirido até então. De todas essas informações que a gente costuma ver associadas ao desenvolvimento tecnológico, AlphaZero é o que mais se aproxima da ficção científica – não à toa, em matérias sobre ela na imprensa internacional é comum à alusão a cenários típicos do filme Exterminador do Futuro (foto), que ficciona o combate entre homens e máquinas.
Um exemplo prático de sua aplicação deu-se agora em dezembro, no xadrez. Programas tradicionais desse esporte são abastecidos com banco de dados de partidas jogadas entre humanos e têm capacidade para analisar milhares de posições em curtíssimo espaço de tempo. Pois bem, ao AlphaZero bastou “ensinar” as regras básicas do xadrez – a partir daí (sem ter acesso a nenhuma partida ou banco de dados) ele aprimorou o seu jogo, disputando 5 milhões de partidas contra si mesmo, num período de quatro (4) horas.
Bastou esse prazo para ela derrotar o atual campeão mundial dos programas de computadores, o Stockfish 8, criado há 10 anos para jogar um xadrez perfeito, capaz de sempre encontrar o lance preciso depois de calcular milhões de posições. Nenhum humano é capaz de bater o Stockfish, nem mesmo o campeão mundial. Nos campeonatos mundiais de programas de computador (sim, existem), onde as vitórias são raras (é máquina jogando contra máquina, e a tendência é de jogos equilibrados), ele reinava tranquilo, sem qualquer ameaça a sua hegemonia. Pois bem, aí chegou o AlphaZero e o humilhou, conseguindo 28 vitórias e não sofrendo nenhuma derrota.
O resultado, por si só, já seria avassalador. Mas causou perplexidade também os lances e o alto nível de jogo. Um site especializado em xadrez afirmou que nem se colocássemos juntos todos os enxadristas da história seria possível vencê-lo. Ele não joga como humano nem como máquina – é como se fosse uma terceira “espécie”, desconhecida de todos até agora. Numa analogia com o futebol, é como se um time descesse de uma nave espacial e, fazendo jogadas inesperadas, ganhasse sem esforço e de goleada do Barcelona, do Real Madrid, do Santa Cruz… “Eu sempre me perguntei como seria se uma raça superior pousasse na Terra e nos mostrasse como eles jogam xadrez. Agora eu sei”, disse o Grande Mestre Pete Heine Nielsen, analista do campeão mundial Magnus Carlsen.
Por enquanto o AlphaZero foi aplicado só em três jogos de tabuleiro: um japonês (Shogi), um chinês (Go) e o xadrez. No futuro, entretanto, seu desenvolvimento poderá auxiliar na resolução “de todo tipo de problemas do mundo real”, em áreas diversas, como química e física, afirmou Demis Hassabis, da Google DeepMind. Seus criadores publicaram artigo na edição de outubro passado da prestigiada revista científica Nature (“Mastering the game of Go without human knowledge”). A grande imprensa internacional tem dado espaço privilegiado ao tema. “Alpha Zero, el programa que revoluciona el ajedrez y puede cambiar el mundo”, destacou o La Vanguardia (Barcelona), semana passada.
A chegada abrupta do AlphaZero relançou luzes sobre as ideias do matemático britânico Irving John Good. Em 1965 ele disse que no dia em que conseguíssemos fazer uma máquina capaz de “reproduzir-se”, seria a última invenção da humanidade. “Admitamos que uma máquina ultrainteligente é uma máquina muito mais inteligente do que qualquer humano”, diz ele, na citação original. “Uma vez que o projeto de máquinas inteligentes é uma das atividades em que essa máquina será melhor do que qualquer humano, uma máquina ultrainteligente poderia projetar novas máquinas, ainda mais inteligentes. Teria lugar, necessariamente, uma explosão de inteligência, e a inteligência do homem ficaria rapidamente para trás. Portanto, a primeira máquina ultrainteligente será última invenção que terá de ser feita pelo homem, desde que essa máquina seja suficientemente dócil para nos dizer como a podemos manter sob controle”.
A notícia mais surpreendente do ano não é desse mundo. É de outro.