21.12

Para José Pimentel, festejos natalinos são “hipocrisia”, mas ele não deixa de desejar “bom Natal”.

Silvia Bessa (texto)
Edvaldo Rodrigues (foto)

É pela televisão, com a mulher “da vida inteira”, Aurinete, e o cachorro Van Gogh que ele assiste vez por outra à missa. Ir a uma igreja sempre foi raríssimo, visita de uma ou duas vezes por ano. “Sei que sou um católico meio relaxado. Ficarei devendo nesse ponto”. O homem de cabelos longos que viveu por 40 anos o papel de Jesus Cristo em espetáculos apoteóticos em Pernambuco, em Nova Jerusalém ou no Recife, diz que não comemora o Natal – data tradicional na qual fiéis celebram o nascimento do menino Jesus. “Acho uma grande hipocrisia. A pessoa passa o ano todinho com raiva do outro e, certo dia, abraça, beija e bebe. Não gosto”, confessa José Pimentel. Em sua residência, não há celebração: “Se me chamarem para casa de alguém, meio aborrecido, às vezes, até vou. Mas a hipocrisia me faz muito mal”. Para ele, o que importa mesmo neste período – uma filosofia, garante, que não só prega, como acredita – é a reflexão. Não a festa.
José Pimentel mora em uma casa no bairro do Arruda aos 82 anos, anda chateado com as consequências da idade e se ocupa o dia inteiro, seja lendo ou trabalhando. “A idade me incomoda; a velhice, não”. Conta que é homem de poucos amigos. “Quando todo mundo pensou que eu ia morrer, apareceu um bocado, mas os que lembro mais são os amigos da pelada”. José Pimentel, que passou por uma cirurgia, suspendeu o prazeroso futebol jogado há anos no Clube Português apenas por uns meses, mas está certo que voltará logo. Nunca teve hábito de beber muito, frisa. Nos dias em que pratica o esporte, abre exceção e toma uma ou duas doses de whisky.
Quanto à ceia, diz, não tem luxos. “Como sozinho ou acompanhado na hora que estou com vontade”, e a preferência é a do pão nosso de cada dia. Com queijo e café e está tudo resolvido. Dorme tarde, perto da meia-noite, e acorda cedo, nas proximidades das 6h. “Já dormi mais em outras épocas”. Tem sempre a companhia da mulher Aurinete (“nem sei há quanto tempo estou com ela, mas acho que mais de 50 anos), e por vezes da filha Lilian e da neta Bruna, que moram nas redondezas. E de livros. “Acho que vou morrer sem ler todos”.
Por falar em morte, ele responde à curiosidade de uma mortal: “Não temo a morte. Eu temo o momento de morrer. E como é morrer? A ideia de ficar deitado em um hospital vendo a morte chegar eu não gosto. Prefiro pensar que seja sem dor e sem gente olhando”.
Nas paredes de casa, há quadros com fotos ampliadas de Pimentel em plena atuação e também a imagem de Cristo reproduzida na internet e nas casas alheias. As semelhanças físicas, preservadas por Pimentel por anos, nunca foram questionados nem por Lilian na infância. “Era tudo natural em casa”. José Pimentel sai pouco de casa hoje em dia. Gosta de ler peças de teatro e romances.
Quando coloca os pés nas ruas, sempre há alguém que lhe aponte o dedo. Nestas quatro décadas, vê (viu) de tudo. Tiradas engraçadas e comuns, como aquela em que as pessoas lhe viam e se benziam. Outras de quem, passava pelo carro, e gritava: “Jesus”. “Eu só fazia rir e dizer: ‘Deixe disso. É bobagem’”, relata ele, que ainda está sujeito a situações como essas, uma vez que ainda mantém o cabelão dividido no meio, como aquela da foto massificada secularmente. Dos episódios, o que mais o incomodou foi aquele em que, diante dele, alguém ajoelhou-se como um penitente, misturando a ficção com a realidade. “Não gosto que se misture. Sou um ator. Uma pessoa comum, não um mito”.
Foram mais de quarenta anos encenando Cristo. Na próxima Paixão, em março, ele atuará como diretor, ficando o papel principal a cargo do ator Hemerson Moura. Pimentel tem dúvidas quanto ao que mudou nele nessa experiência de décadas, mas se arrisca: “Acho que me tornei uma pessoa melhor do que eu era. Não que eu seja excelente. Mas eu melhorei de tanto que eu repetia coisas bonitas e edificantes. Acho que aprendi mais sobre amor ao próximo”. José Pimentel não é de ficar exaltando a sua fé, suas crenças e diz não gostar de Natal.
Mas, no final da entrevista, ele fez questão da tradição: “Que você tenha um bom Natal”. E me agradeceu. “Obrigada ao senhor”, respondi. “O senhor está no céu!”, retrucou José Pimentel. Dita por ele, a frase nos fez rir.