26.12

História das eleições mostra que eleitores são tolerantes com alianças entre ex-adversários.

Vandeck Santiago (texto)
Evaristo Sá/AFP (foto)

Se você se surpreende quando antigos adversários de repente se tornam aliados e começam a trocar juras de amor, precisa saber que em política nem a sepultura da mãe é obstáculo forte o suficiente para impedir reconciliações – quanto mais um discurso mais duro ou o voto desfavorável num impeachment. Vou contar mais adiante esta história da sepultura da mãe, mas antes permitam-me contar outra, bem mais recente e pertinente, porque aconteceu agora em dezembro e tem a ver com a aproximação que está ocorrendo em alguns estados entre o PT e o PMDB, partido cuja movimentação foi decisiva para a queda da presidente Dilma Rousseff.
A história recente saiu na Folha de S. Paulo e em O Povo (CE). Ao participar de ato de entrega de 495 novas unidades do Minha Casa, Minha Vida, em Canindé (CE), o presidente do Senado, Eunício Oliveira, fez entusiasmados elogios ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não mencionou nenhuma vez o nome do presidente Michel Temer. A cerimônia destinava-se à entrega de imóveis, mas Eunício aproveitou para falar de outra obra. “Se não fosse um pernambucano sofrido, se não fosse esse nordestino chamado Luiz Inácio Lula da Silva, não teríamos a transposição das águas do rio São Francisco”, disse o senador. Em resposta prévia a eventuais reações diante do fato de um destacado líder do PMDB estar elogiando o líder petista, Eunício arrematou: “Para qualquer nordestino, o Lula não é questão política ou eleitoral, é de reconhecimento. É um nordestino que criou uma das maiores redes de garantia social do mundo”.
Dois detalhes importantes da história: 1) Eunício é um destacado integrante da base aliada do governo Temer, o não-mencionado: 2) o ato de entrega das casas era promovido pelo governo Temer. Na verdade, são três detalhes importantes, o terceiro é este: Eunício está de olho na reeleição e sua vontade ficará mais fácil de virar realidade numa eventual aliança com o governador do Ceará, Camilo Santana, que é do PT, aquele PT alinhado com os irmãos Ciro e Cid Gomes. Em cada estado haverá duas vagas para o Senado. A oposição ao governo tem carência de nomes; Tasso Jereissatti (PSDB), que poderia ser um dos nomes oposicionistas, já informou que não será candidato ao governo do estado.
Antes de apedrejar as tratativas do senador Eunício e do governador Camilo, vejamos agora a primeira história que prometi contar, a da sepultura da mãe. Esta, na verdade, foi contada por Ulysses Guimarães. “Em política nunca se deve proferir as palavras irreparáveis, irretratáveis”, ensinava ele, dando como exemplo o caso ocorrido com um senador de São Paulo, César Lacerda Vergueiro. “Ele tinha sido um grande amigo do Adhemar de Barros, mas teve com este uma desavença séria. E passou a dizer horrores do Adhemar, até da vida pessoal. As pessoas iam aconselhá-lo, lembrando que um dia eles poderiam reconciliar-se e que aquilo ficaria mal. Ele respondia: “Nunca. Entre mim e o Adhemar está o túmulo da minha mãe”. Porque ele atribuía a morte da mãe, velhinha, às perseguições que o Adhemar lhe impusera. Mas a política dá voltas: o Adhemar convida o César para ser seu secretário de Justiça, e ele aceita. Como você vê, nas coisas da política, nem o túmulo da mãe é algo intransponível”.
O que vai acontecer com Eunício eu não sei, mas César e Adhemar ganharam outras eleições após a aliança por cima do túmulo da mãe do primeiro. Por que há um fator relevante que a história das eleições nos mostra: na hora de votar o eleitor brasileiro demonstra tolerância em relação a esse tipo de alianças, não vendo nelas motivos para rejeição – em muitos casos, ocorre exatamente o contrário: apoio em vez de rejeição. Lula, por exemplo, celebrou aliança com Paulo Maluf e daí saiu a vitória de Fernando Haddad para prefeito de São Paulo, em 2012.
As alianças entre ex-desafetos provocam muitos discursos indignados e gera crescimento do cordão de dissidentes – continua, porém, como uma prática usada por todos. Estes acordos têm uma lógica, são manobras realizadas para enfrentar vulnerabilidades ou conquistar hegemonia, salvando mandatos e criando chances reais de chegada ao poder. Com as alianças vêm o tempo na TV, as bases municipais, a oportunidade de fazer maiores bancadas. Nem sempre atingem o fim desejado, e podem às vezes quebrar a lógica do discurso, mas – sob o ponto de vista do pragmatismo – pior é ficar isolado. Tem sido assim até hoje. Apesar de tudo que tem acontecido no país nos últimos meses, não há razões para supor que em 2018 seja diferente.