Por Marcionila Teixeira*

Minha fonte morreu. Foi assassinada a tiros. Antes, foi torturada. Arrancaram-lhe um dente e um dos olhos. Morreu também um pouco de minha história de jornalista. Multi me acompanhou em muitas matérias nas favelas da cidade. Principalmente em Rio Doce, em Olinda, onde viveu muitos anos sozinho em um barraco quase vazio. Sem ele, não teria entrevistado bandidos temidos ou mesmo adentrado a favela tomada de traficantes e pelo toque de recolher que tranca os moradores dentro de casa.

Multi era filho de Xangô, admirado pelas mulheres, cavalheiro. Certa vez, colocou a fotógrafa Teresa Maia no colo para que ela não molhasse os pés na comunidade do Manguinho, em Rio Doce, onde viveu. Teresa precisava fotografar as palafitas e a vida das crianças na favela que é inundada ao gosto da maré.

Multi foi enterrado ontem. No lado pobre do Cemitério de Santo Amaro. Parti do Diario às 15h, acompanhada de Teresa Maia. Queria ver o rosto de meu amigo, me despedir. Não deu. Uma burocracia no IML atrasou o velório. Dei uma força à família do meu amigo na hora da morte dele ligando para alguns conhecidos. Era o mínimo que poderia fazer depois de tanta ajuda que me deu na apuração de minhas matérias. O corpo, enfim, foi liberado. Alívio na família. Não tive coragem de fitá-lo no caixão. Outros desmaiaram ao ver o estrago causado pelo algoz.

Da última vez que Multi prestou um serviço ao Diario, ele já estava iniciando sua própria morte. Contou, sem mostrar o rosto, seu testemunho de usuário de crack. A fotógrafa Inês Campelo lembra do relato. Multi era velho conhecido de alguns colegas da redação. Por ironia do destino, a família dele somente soube de sua morte através da imprensa. A tatuagem com o nome do filho impressa no braço exposta na TV comprovava que era mesmo minha fonte. Meu amigo. Saudades eternas…

*Repórter de Vida Urbana

*Foto: Inês Campelo