Em Foco 1003

Governo federal comete erro ao não distinguir os insatisfeitos “permanentes” dos “transitórios”, e não consegue encontrar a melhor resposta para fazer frente à crise política e econômica atual. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta terça-feira, por Vandeck Santiago. A foto que ilustra a página é de Dida Sampaio

Até onde vai a crise?

Vandeck Santiago  (texto)
Dida Sampaio  (foto)

Crise política não é um fim de mundo, ainda mais quando acontece distante do período das eleições. E desgaste político não é um mal irreversível. Uma e outra podem ser revertidas, e muitas vezes já o foram, com a substituição dos apupos e vaias pelas palmas. Mas nesse processo há um pré-requisito fundamental: a crise precisa ser estancada. Uma crise que não cessa dificulta cada vez mais as reações e abre um flanco atrás da outro.
O governo Dilma Rousseff encontra-se nesta situação. Reeleita após uma apertada disputa, ela não teve tempo para comemorar, e nos últimos 70 dias não consegue sair do emaranhado da agenda negativa. Chegou ao ponto de a própria presidente, ontem, pronunciar a palavra impeachment (“Eu acho que há que se caracterizar razões para um impeachment, e não um terceiro turno das eleições”, disse ela no ato que marcou a sanção da Lei do Feminicídio, em Brasília).
No domingo ela fez o pronunciamento à nação que era cobrado pelos seus próprios aliados. Durante sua fala, em pelo menos 12 capitais (segundo levantamento da Folha de SP), houve panelaço e vaias contra a presidente. Uma apuração jornalística bem feita deveria identificar quais foram os locais onde isso aconteceu, em que prédios e quem mora neles – a avaliação subjetiva é que foram lugares de classe média alta para cima e onde Dilma perdeu as eleições.
Talvez tenha sido esta fatia da população que se animou a bater as panelas e ir para as janelas xingar a presidente. Mas é um engano considerar que a insatisfação com o governo parte apenas dessas pessoas. É mais ampla, e não fica restrita aos “ricos” ou seus defensores. Não reconhecer isso é cometer um erro grave, que dificulta encontrar a melhor resposta para o problema. Insatisfação é algo momentâneo, transitório, não é sinônimo de opção política ou ideológica – não significa automaticamente que os insatisfeitos sejam “eleitores arrependidos” ou tenham se tornado da noite para o dia admiradores do candidato derrotado.
Raciocinem comigo por um instante: um período de inflação subindo, atividade econômica desacelerando, criação de empregos em queda, corte de benefícios trabalhistas, medidas antipáticas de restrição de gastos e delações de uma escandalosa corrupção, esse período gera o quê, satisfeitos ou insatisfeitos?
Diante da resposta óbvia, voltemos ao ponto anterior, aquele onde digo que rotular todo mundo que critica ou vaia o governante como “pertencente a uma elite branca e retrógrada, hostil à melhoria de vida dos pobres” é fechar os olhos à realidade e não enxergar o óbvio. Temos hoje contra o governo aqueles que estarão sempre contra ele, por diversos motivos (políticos, ideológicos, de classe etc.), e aqueles que neste momento estão contra ele. Os primeiros são permanentes; os segundos, transitórios (podendo demorar-se nessa condição e até virar permanente).
Até agora a resposta do governo tem-se dirigido essencialmente aos primeiros. É aquela que diz que a eleição acabou e que não haverá terceiro turno. Mas a resposta aos segundos, a dos insatisfeitos não por causa da eleição e sim pelo momento de crise do país, esta resposta ainda não foi dada pelo governo. Dilma tentou, no pronunciamento do último domingo. Pediu “paciência” para os “ajustes” que está fazendo. Falou quase nada sobre a corrupção. Para o grau de insatisfação que se vê nas ruas, é pouco. A impressão deixada é que ficou faltando algo mais enfaticamente propositivo. Que transmitisse esperança. Que fosse energicamente contrário a irregularidades.
O próximo desaguadouro dessa situação são os protestos do próximo dia 15. Se apenas os “insatisfeitos permanentes” forem às manifestações, elas serão somente parte da luta política comum entre governo e oposição. Mas se a estes se juntarem os “insatisfeitos transitórios” algo muito maior começará a movimentar-se nas ruas.