Em Foco 0104

Pesquisa do fabricante mundial de GPS TomTom mede tempo que se desperdiça em trânsito e o Recife tem o mais lento do Brasil na volta para casa no período específico das 17 às 19h. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quarta-feira, por Luce Pereira. A ilustração da página foi feita por Samuca.

Estresse e quatro dias perdidos

Luce Pereira  (texto)
Samuca  (arte)

Pesquisas sobre aspectos da vida nos grandes centros urbanos deveriam servir, no mínimo, para auxiliar na elaboração de políticas públicas, já que elas apontam onde o calo mais dói. Deveriam, se os governos estivessem preparados e preocupados em dar respostas à altura das demandas, mas, há muito, esses levantamentos servem apenas para aumentar o nível de revolta dos habitantes com a inação do poder público. Ontem, mais uma, agora do fabricante mundial de GPS TomTom, dizendo que por causa de congestionamentos registrados no horário das 17h às 19h, o recifense perde quase quatro dias por ano dentro do carro. Com base apenas neste período de tempo, a cidade já ocuparia o sexto lugar em um ranking mundial liderado por Istambul (Turquia).
Enquanto você analisa o que poderia fazer ou ganhar com os quase quatro dias que desperdiça no trânsito, a raiz do problema segue sem combate e desestimula aquele surrado questionamento: a quantas andam as soluções salvadoras? Pois é, não andam – em esfera nenhuma de governo. No Recife, nem mesmo o plano cicloviário saiu do papel, para colocar a cidade entre aquelas que apostam nas bicicletas como transporte saudável e eficiente. Seria o mínimo. A indústria automobilística continua dando as cartas, como faz desde que caiu nas graças do presidente Juscelino Kubitscheck, ainda na década de 1950. O resultado o cidadão vê nas ruas e não é nada recomendável para estimular o nível de educação dos motoristas, cujo estresse em busca de uma vaga de estacionamento pode levá-los, isto sim, à máxima da lei das selvas – salve-se quem puder.
Se nem as soluções mais viáveis do pronto de vista econômico sinalizam para a promessa de que vamos viver uma década de redenção nesse quesito, o debate sobre expansão de metrô, transporte ferroviário e hidroviário acaba parecendo “conversa de marciano”, como dizem milhões de insatisfeitos quando se deparam com números sobre o setor. Na verdade, seguimos numa era de promessas, sem os bilhões anunciados em 2012. No site do Ministério do Planejamento sobre o PAC 2 estão listados 5809 empreendimentos, entre os quais 46 relativos a ferrovias e 53, a hidrovias. Em detalhes, na página da Empresa de Planejamento e Logística S.A, é possível ver, por exemplo, a ferrovia Salvador/Recife. Nem sinal, Aqui, trilho continua sendo uma palavra restrita ao metrô, que também não avança em direção nenhuma.
Naturalmente, agora que a economia anda à espera de um milagre para impedir que os brasileiros assistam ao monstro da inflação ganhando de novo o papel principal no filme, atrasos ainda maiores dispensarão explicações. E não há outra Copa do Mundo obrigando a melhorias na infraestrutura e na mobilidade urbana. O legado dela, a propósito, não foi suficiente nem para aliviar as maiores demandas neste campo, que produziu frutos mais palpáveis apenas no Rio de Janeiro, sede das próximas Olimpíadas.
Igualmente grave tornou-se o silêncio dos governos em torno de obras que, uma vez concluídas, fariam diferença substancial na qualidade de vida das pessoas. Mas, certamente, hoje não seria a melhor hora para rompê-lo, pois a data costuma colocar uma pitada a mais de acidez no humor político. O problema é que perdura, entre os mais indignados, a sensação de que todo dia é “primeiro de abril”.