24.10

Por trás da campanha para conseguir recursos para erguer quiosque, uma história de doação.

Silvia Bessa (texto)
Wagner Oliveira (foto)

No dia em que a gata malhada foi abandonada pelo dono, quase foi atropelada por um veículo ali perto da Lagoa do Araçá, no Bairro da Imbiribeira, Zona Sul do Recife. Faz um ano e meio mais ou menos e quem a salvou foi dona Odete Cordeiro da Cruz, uma senhora de 75 anos, dona de um quiosque que vende (ou vendia) coco e outros lanches. À gatinha, dona Odete deu o nome de “Vida” pelo livramento da morte naquele dia. Ontem estava dona Odete chorando diante de cada repórter que a entrevistava para falar sobre o incêndio que destruiu por completo o estabelecimento da família, uma ação, segundo ela, criminosa. “Vida estava dentro. Morreu queimada. É minha maior tristeza porque ela não merecia”, disse-me, referindo-se à gata, que, aos cuidados de dona Odete, foi vacinada e castrada, além de ser alimentada todos os dias. “O que ela acha é que os bens Deus proverá de novo. Vida, a gatinha, não voltará”, contou Aldenice de Lourdes, uma das filhas de dona Odete.
Poderia parar por aí a história da mulher que perdeu toda a fonte de seu sustento financeiro em uma noite só, que é querida por uma comunidade e que chorava pelo animal antes de se lamentar pela sua tragédia pessoal. Acontece que dona Odete não se dedicava só à Vida. Ela é cuidadora dos gatos abandonados da Lagoa do Araçá inteira. Dá ração para cerca de 60 animais, entre gatos e saguins – aqueles macaquinhos de caldas longas – que circulam por partes dos 14,2 hectares da única lagoa natural da cidade. Agora conto o como: dona Odete recebe doações espontâneas de alguns visitantes assíduos que transitam pelo quiosque dela.
“Fiz um caderninho, minha filha, e várias pessoas contribuem com dinheiro ou com a alimentação mesmo”, relatou-me enquanto estava diante daquele monte de cinzas que derrubou o quiosque dela na noite do sábado para o domingo. Aos saguins, oferece bananas. Os gatos que ficam na proximidades de dona Odete comem duas vezes por dia da ração; os que estão nas áreas mais distantes, comem à noite, quando ela sai para distribuir a comida. De tão longe que vai, a senhorinha usa até o transporte coletivo, a conhecida van linha San Martin/Boa Viagem ou ainda o transporte que funciona na própria comunidade. “Como eu não pago passagem e tenho idade, prefiro porque, senão, fico muito cansada”, explicou. Nem o incêndio deve alterar a programação dela, garante. “Morei em fazenda com meus pais e desde pequenininha era apegada aos animais”. Quando os gatos avistam ou sentem o cheiro de dona Odete, logo correm para encontrá-la.
O amor dela pelos bichos e a simpatia desta comerciante que atua há 23 anos na Lagoa do Araçá lhe trouxe o consolo de muitos amigos (alguns foram lhe abraçar no domingo) e uma campanha que surgiu na internet para ajudá-la. Seja para manter o trabalho social de acolhimento a animais abandonados ou para pagar as contas de sua família, dona Odete precisa reformar seu quiosque, alvo constante da violência. Em 2016, conta a proprietária, o estabelecimento foi arrombado quatro vezes e assaltado duas. Na última sexta-feira, relatou, houve uma tentativa de arrombamento, mas os criminosos nada conseguiram. “Sábado, saí preocupada mais tarde do quiosque, por volta das 21h30, fechei tudo, orei e fui para casa. Às 5h do domingo, recebi a notícia de algumas pessoas amigas que foram lá em casa”, explicou dona Odete, que trabalha com a filha Alzenir Cordeiro. O fogo tinha consumido eletrodomésticos e o pequeno estoque.
Dona Odete diz que não vai se abater. Pretende conseguir um toldo provisório, caixas de isopor para vender a água, o coco, refrigerantes, pipocas e bombons, que agradavam os clientes da Lagoa. “Eu já não tenho luxos, nada extra, ganho minha quantiazinha, trabalho e procuro viver bem”. Trabalha de domingo a domingo sem folga. Precisa agora de doações para reformar o quiosque enquanto não se descobre quem ateou o fogo ou se foi acidental. Só depois de ser cuidada poderá, então, poder voltar a cuidar dos 60 animais abandonados que ela dá assistência voluntariamente nas proximidades da Lagoa do Araçá.
Quem quiser ajudar, eis as informações bancárias e telefônicas: Banco Caixa Econômica, Conta Corrente 63687-0 Agência 0046 Operação 013 C.P.F 023.433.114-39. Telefones para contato: 98345-9699 ou 98662-1980. Ela também recebe doações presenciais defronte ao quiosque queimado, que fica próximo ao campo de futebol da Lagoa do Araçá.