06.11

Crianças da Isabel Burity pintam muro e fazem jardim em local tomado por lixo e dependentes de crack.

Marcionila Teixeira (texto)
Thalyta Tavares/esp. DP (foto)

O muro da Escola Municipal Isabel Burity, em Rio Doce, Olinda, está mais alto. O espaço na frente dele, antes tomado pelo mato e pelo lixo, ganhou um jardim. Moradores do bairro doaram mudas para embelezar o lugar. Todas foram plantadas com cuidado dentro de pneus velhos reaproveitados como jarros. Sobre os tijolos pintados de branco, as crianças lançaram cores e frases relativas ao meio ambiente. Pode parecer trivial, mas a intervenção no muro da unidade de ensino é simbólica. Significa uma pequena revolução na escola e no bairro. Explico o porquê.
Em fevereiro de 2014, dependentes de crack pulavam o tal muro para usar a droga dentro da unidade. As crianças não tinham autorização para frequentar o pátio na hora do recreio por conta da presença constante de estranhos. Na época, contei a situação dramática dos alunos na matéria Escola de Olinda se torna cracolândia. Além disso, o abandono do terreno nesse trecho de 58 metros de extensão incomodava a vizinhança e atraia ainda mais os dependentes.
Mais de três anos se passaram para as medidas contra tanto descaso começarem a surgir. No início do ano a prefeitura aumentou o muro. Mais tarde, capinou o lugar e pintou o muro com cal. Coube aos estudantes e à professora Mabel Queiroz, 50 anos, mobilizarem os moradores para ajudar no embelezamento do trecho. Deu certo. Uma pessoa motivou a outra e pouco a pouco o cenário mudou. Animada com a receptividade, a professora vai levar o projeto para os outros três muros da escola.
O projeto desenvolvido na Isabel Burity se chama Natureza renovada: plantando o futuro. Está concorrendo em um concurso promovido pela Compesa. Para participar da competição, era preciso envolver a comunidade. Isso foi fácil diante de uma situação de descaso tão antiga. Enquanto estávamos na escola fotografando as 25 crianças que participaram da ação, moradores pararam para registrar o momento. “Tem que mostrar as coisas boas que acontecem aqui também”, disse um deles, que fez questão de parar o carro para fotografar o novo muro. Uma vizinha, Gidionita Melo, 81, contou que várias vezes precisou custear a limpeza do lugar porque a prefeitura não fazia sua obrigação. Alex dos Santos, 52, dono da Escolinha de Futebol Ajax, disse que muita gente se aproximou para saber como ajudar durante a intervenção. “As pessoas começaram a se identificar com a ideia. Basta um começar e os outros seguem.” Alex até levou as crianças da escolinha para ajudarem na pintura do muro.
Margarida Cavalcanti, diretora da escola, lembra que a comunidade criticava muito a situação. Além disso, conta ela, o muro estava bambo e oferecia risco até para alunos que costumavam pulá-lo. Peço a Margarida para ver o espaço dentro da escola antes usado pelos dependentes para fumar crack. Mas o mato está tão alto que não consigo chegar ao corredor apertado nos fundos do prédio. Na época da denúncia, encontrei cachimbos de crack, colchões velhos e lixo. Nada que lembrasse um ambiente escolar. A unidade tem 374 alunos nos dois turnos, do 1° ao 5°ano, parte deles moradoras das comunidades Beira Mangue e Vila da Cohab. O muro ganhou cor, é verdade. Mas o pátio da escola não tem qualquer atrativo para as crianças, nem sequer um parque. Também carece de capinação.
Vivian da Silva, 10, conta que ajudou a trazer os pneus doados pelos moradores para a escola. Mikaely Gomes, 11, ajudou na pintura dos pneus e Kieré da Silva, 10, disse que agora está feliz porque antes muita gente estranha entrava na escola. “Agora tudo está mais bonito. E ainda vamos deixar pronto para os próximos alunos”, contou a dona de casa Rejane Silva, 37.
Para Mabel, a professora responsável pelo projeto, a escola ideal não precisaria ter muros. “Para que não houvesse barreiras e todo mundo pudesse aprender com todo mundo”, explica. Mabel tem razão. Mas enquanto a ideia não é posta em prática, ela usa o muro da Isabel Burity como instrumento de sua pequena e eficaz revolução.