Disputa plebiscitária forçará reagrupamento de forças e polarização PT x PSDB continuará forte.
Vandeck Santiago (texto)
Miguel Schincariol/AFP (foto)
A menos que daqui até 2018 jorre leite e mel para trabalhadores, pobres, funcionários públicos, desempregados e classe média que sonha viajar ao exterior e comprar apartamento — ou seja, que a economia melhore a um ponto em que o dinheiro torne a frequentar em maior quantidade o bolso dos brasileiros —, a menos que isso aconteça a eleição presidencial terá dois blocos: o dos que são contra e o dos que são a favor do governo Michel Temer. Se a economia não produzir este resultado, a tendência é que não tenha ninguém defendendo o governo Temer, mas claro que os adversários vão explorar o governismo dos que hoje estão aliados do morador do Palácio do Jaburu. Não à toa o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma das vozes lúcidas de nossa política, deu um ultimato para o PSDB: é preciso sair do barco do governo, pois caso contrário o partido será coadjuvante em 2018, defendeu ele, em artigo publicado domingo n”O Globo e Estadão.
A próxima disputa sucessória caminha para ser norteada por um caráter plebiscitário, um “nós contra eles” em sua versão mais radicalizada, significando não necessariamente um candidato governista (improvável) e outro oposicionista, mas candidatos de posições de forças e posições antagônicas. Nos últimos meses têm surgidos comparações com a eleição de 1989, quando houve uma pulverização de candidaturas (foram 22) e a porta ficou aberta para um outside. Mas aquela foi uma eleição “solteira” — apenas para presidente. Agora é diferente: vamos votar para deputado estadual e federal, senador, governador e presidente. Os palanques terão mais forças e a disputa estará mais capilarizada. A comparação mais exata talvez seja com a eleição de 2010, quando o PSDB tentou rejeitar o caráter plebiscitário da eleição enquanto o PT estimulava o “nós contra eles”.
Lembro bem daquela quinta-feira calorenta, de 13 de maio de 2010, eu estava lá quando o candidato tucano José Serra deu entrevista no programa Supermanhã, de Geraldo Freire (Rádio Jornal). “Lula está acima do bem e do mal”, disse ele, numa frase que imediatamente repercutiu no país inteiro. “Vamos fazer o seguinte? Lula está acima do bem e do mal, não comparo Lula com nada”, disse ele. Os repórteres ouviram o então presidente do PSDB, Sérgio Guerra (hoje falecido), e a cantiga foi a mesma: “Lula virou uma entidade. Estão aí as pesquisas, não adianta eu dizer que é ou que não é. Ele tem história, o cara saiu daqui pobre, construiu uma vida de liderança sindical, construiu um grande partido, e quando assumiu (a Presidência da República) todo mundo achou que iria desmantelar o rumo, mas ele continuou o rumo, continuou a política econômica, continuou a política social, foi buscar um cara do PSDB para presidir o Banco Central”. Não é que os dois líderes do PSDB tivessem se convertido ao lulismo; o discurso fazia parte de uma estratégia de tentar tirar Lula do palanque e garantir que a disputa se desse apenas entre os dois candidatos que polarizavam a eleição, Serra e Dilma Rousseff.
A estratégia não deu certo, enfrentou reações dentro do próprio PSDB, e a polarização ficou sendo entre os governos de FHC (1995-2000) e Lula (2003-2010). Sem entrar no mérito de qual “foi o melhor”, por não ser o objeto da discussão aqui, o fato é que esse é o tipo de “eleição plebiscitária” que os petistas adoram. Porque ela comprime o espaço de quem tenta construir uma terceira via e leva o “nós contra eles” (mesmo que não se use exatamente esses termos) ao território preferencial dos lulistas: o da população pobre que teme perder direitos adquiridos nos últimos anos, e o dos “setores emergentes”, favorecidos pelos programas sociais, que ascenderam social e economicamente, passando a ter acesso a bens fundamentais e estes emergentes estão agora “submergindo ” para estágios anteriores, em virtudes de ajustes do governo federal, de uma forma que mesmo que haja recuperação da economia provavelmente eles não serão beneficiados diretamente. É uma parcela numerosa da população, suscetível a ser sensibilizada pelo “nós contra eles”). Além do que, se levantada em 2018, pode passar como uma borracha por cima do legado Dilma (“Agora é Lula, não Dilma”, pode ser o argumento de fundo).
Há muitas variáveis a serem levadas em conta até 2018, além da própria recuperação da economia. Há aqueles que estão insatisfeitos e desacreditados da política (para onde irão?, se é que irão para algum lugar), a possiblidade de Lula ser impedido de candidatar-se (embora seja factível esperar que, neste caso, o seu substituto ganhe competitividade com o seu apoio, não será o Lula), as alianças que ainda serão feitas, a real dimensão eleitoral de uma candidatura ostensivamente de direita e por aí vai.
Em qualquer cenário, porém, há uma forte tendência encaminhando a disputa presidencial para um “nós contra eles”, um plebiscito em que o eleitor dirá “sim” ou “não” a este ou aquele governo. Por enquanto muitos partidos estão lançando, ou tentando lançar, pré-candidatos, É a fumaça que antecede um previsível reagrupamento de forças lá na frente. Se não houver alguma mudança abrupta, caminhamos para a mesma polarização dos últimos 16 anos, a de PT x PSDB.