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Professora de português, Sibele Porto usa o intervalo de suas funções administrativas para orientar estudantes - Foto: Peu Ricardo/DP

Professora de português, Sibele Porto usa o intervalo de suas funções administrativas para orientar estudantes – Foto: Peu Ricardo/DP

Quem é professor nunca perde a responsabilidade

Secretária da Escola Estadual Antônio Souto Filho, em Olinda, Sibele Porto estava afastada das salas de aulas. Mas isso não foi empecilho para ajudar um grupo com dificuldades de leitura

Durante meses Sibele Porto, a secretária da Escola Estadual Antônio Souto Filho, recebia as mesmas queixas de professores: um grupo de estudantes do 6º ano B não se comportava na sala de aula. As críticas eram recorrentes e a integrante da equipe gestora da escola localizada em Rio Doce, Olinda, começou a ficar incomodada. Queria entender por que aqueles mesmos alunos eram citados quando o assunto era mau comportamento. Depois de observá-los, Sibele percebeu que os adolescentes de 12 e 13 anos não se concentravam nas aulas porque não sabiam ler ou apresentavam problemas sérios de aprendizagem. Sem compreender as letras, os meninos não se sentiam atraídos pelo que os professores apresentavam. Restava conversar e sair da sala.

Foi quando a secretária decidiu que ela mesma iria mudar a realidade dos alunos. Mesmo não estando entre suas atribuições obrigatórias como membro da equipe gestora da escola, começou a dar aulas para os estudantes durante o intervalo. “Sou professora de português, mas, no momento, estou nessa função de secretária. Como docente, a situação deles me inquietou e decidi não só ouvir as queixas dos professores, mas fazer algo para mudar aquilo”, conta.

Há dois meses, Sibele “perde” o intervalo para ficar com os meninos na biblioteca da escola. Os estudantes também “deixaram” de ter o recreio. Depois da merenda, correm para a sala dela, chamando-a para o reforço escolar. “Eles não ligam de ‘perder’ o intervalo com os colegas. Pelo contrário. Muitas vezes estou na minha sala e eles me procuram já com os cadernos debaixo dos braços para começarmos a aula”, afirma. “Estou lendo agora. Não conseguia ler assim. Também estou fazendo caligrafia e minha letra está mais bonita. Nem ligo pro recreio. Prefiro ficar aqui”, revela Kauã Araújo, 13 anos.

Além de ensinar a ler e a interpretar textos, Sibele dá liberdade aos meninos para que eles escolham as linguagens que eles mais se identificam. Kauã gosta de histórias infanto-juvenis. Antonio Neto, 13, escuta rap e é skatista. Para ele, textos rimados que podem ser cantados como rap são mais interessantes. Ícaro Melo, 13, é sensível e gosta de poemas. Escreveu poesias e gosta de ler cartas de amor. Pedro Carmo, 12, ama xilogravuras e gosta de escrever e ler cordéis. É comesse tipo de literatura que ele estuda. Já Eric Santana, 13, é fascinado por histórias em quadrinhos. “Gosto de ler a Turma da Mônica e Turma da Mônica Jovem. A professora me deixou escrever uma HQ”, diz, mostrando o material feito em papel ofício e desenhado com lápis grafite com orgulho.

Os textos e desenhos dos alunos serão digitalizados e impressos pela professora e distribuído aos membros da escola em dezembro, na culminância do projeto. “Não houve planejamento prévio para essa ação. Ela não foi para o papel. Foi um projeto de ação e de coração. Eu não podia deixar esses meninos desassistidos. O resultado tem sido além do esperado. Eles estão mais comportados e se sentem valorizados. O potencial existia, só precisava de uma forcinha”, pontua Sibele. “Muitos deles não sabiam sequer escrever o nome. Procurei a secretaria e Sibele os transformou. Recebi novos alunos de volta. Hoje, eles me dizem que querem usar poesia na sala, mostram cordéis”, conta a professora de língua portuguesa Vera Mesquita, uma das que recorreu à secretária quando o grupo dava trabalho.

Corpo técnico aliado do aprendizado

A equipe gestora de uma escola pública funciona como um elo entre as secretarias de Educação e a comunidade escolar. Além das funções básicas administrativas, os membros da gestão – professores realocados em cargos administrativos – podem e devem participar efetivamente do dia a dia dos alunos. Manter a unidade de ensino limpa e organizada, motivar os funcionários, dialogar com os pais são alguns dos papéis assumidos pelo corpo gestor. Acima de tudo isso, porém, é tarefa dos gestores colaborar para os estudantes aprenderem.

Sair de suas salas e observar se os alunos estão aprendendo; como estão se desenvolvendo e se precisam de ajuda são atitudes que precisam ser tomadas por diretores, diretores adjuntos, secretários e técnicos que querem fazer a diferença no dia a dia escolar.

O secretário executivo de Gestão da rede estadual de ensino, João Charamba, destaca que a gestão escolar é o cerne na engrenagem da educação. “É a gestão que interage com o corpo docente, os alunos e os demais funcionárias. A atuação dos gestores está diretamente ligada ao sucesso ou não da escola e seus resultados”, pontua.

Para assumir um cargo de gestão, Charamba ressalta que não basta ter qualidades administrativas, mas também pedagógicas. “É preciso ser uma equipe formada por pessoas equilibradas, que sabem se relacionar bem, com habilidades para lidar com todo o público da escola.

Outras características são ser organizada, dinâmica e proativa. Falo no feminino porque, ainda hoje, a maior parte da equipe gestora das nossas escolas é formada por mulheres”, afirma.

“Eles não ligam de ‘perder’ o intervalo com os colegas. Pelo contrário. Muitas vezes estou na minha sala e eles me procuram”

Sibele Porto,

docente que hoje é secretária

“Muitos deles não sabiam sequer escrever o nome. Sibele os transformou. Recebi novos alunos de volta”

Vera Mesquita,

professora de língua portuguesa

Kauã Araújo, 13, é fã de literatura infanto-juvenil - Foto: Peu Ricardo/DP

Kauã Araújo, 13, é fã de literatura infanto-juvenil – Foto: Peu Ricardo/DP

[ Gestores

10 funções

  1. Administrar financeiramente a escola
  2. Prestar contas à comunidade escolar
  3. Saber a legislação e as normas da Secretaria de Educação
  4. Identificar as necessidades da instituição e buscar soluções
  5. Manter o bom relacionamento entre os membros da equipe escolar
  6. Administrar a manutenção e limpeza da escola
  7. Elaborar o projeto políticopedagógico (PPP) democraticamente
  8. Acompanhar o cotidiano da sala de aula
  9. Monitorar o avanço na aprendizagem dos alunos
  10. Manter a comunicação com os pais e atendê-los

10 diferenças

  1. Incentivar e apoiar a implantação de projetos e iniciativas inovadoras
  2. Premiar boas iniciativas dos professores
  3. Envolver-se diretamente nas atividades realizadas em sala de aula
  4. Estimular a criatividade e acreditar nas ideias dos alunos
  5. Ajudar diretamente o professor quando necessário
  6. Conhecer os estudantes pelo nome
  7. Manter uma gestão transparente e democrática
  8. Sensibilidade para se comunicar com os pais e a comunidade do entorno
  9. Pezar pela qualidade pedagógica e não só administrar recursos
  10. Saber delegar