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Como Thalison, de 12 anos, Cristiane é aluna da Escola Estadual Antônio Souto Filho e troca informações sobre as disciplinas estudadas - Foto: Ricardo Fernandes/DP

Como Thalison, de 12 anos, Cristiane é aluna da Escola Estadual Antônio Souto Filho e troca informações sobre as disciplinas estudadas – Foto: Ricardo Fernandes/DP

A lição de vida de quem voltou para a escola

Ambulante retomou os estudos depois de 12 anos e agora descobre um novo mundo com os filhos

A rotina exaustiva de uma ambulante que passa 10 horas diárias sob o sol escaldante das praias de Olinda não é empecilho para Cristiane Maria da Silva, 42, estudar. Todos os dias, a agenda da estudante da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Estadual Antônio Souto Filho é a mesma: acordar às 4h, preparar o café da manhã dos filhos, andar 40 minutos de Rio Doce até a praia de Bairro Novo, passar 10 horas trabalhando, tomar banho e seguir para a escola. Depois das aulas, faz todas as tarefas do dia, porque “não gosta de acumular assunto”. Dorme duas horas por noite até tudo voltar a se repetir.

Na mesma escola estudam os filhos Bruna Mariah, 16 anos, e Thalison Felipe, 12. Em casa, quando consegue encontrá-los acordados, a mãe troca informações com os filhos sobre as disciplinas estudadas. Eles se ajudam a fazer os exercícios e trabalhos. “A disposição vem da vontade de mudar de vida, de sair do meu trabalho pesado. Quando olho para os meus filhos, essa vontade só aumenta. Quero vê-los passar no vestibular. Também quero fazer faculdade”, conta Cristiane, que sonha em cursar gastronomia.

A ambulante deixou os estudos há 12 anos. Recém-casada e com filhos pequenos, deixou a escola depois de concluir o ensino fundamental. Em junho do ano passado, voltou a sentar-se em uma banca escolar para cursar o ensino médio. Como o ano letivo é acelerado na Educação de Jovens e Adultos (cada ano regular é cursado em um semestre na EJA), está no terceiro ano do ensino médio. “Cheguei a tentar voltar a estudar antes, mas meu ex-marido era muito ciumento e ia atrás de mim na escola. Eu não conseguia me concentrar e desisti”, relata.

Já separada e obrigada a encarar uma rotina cansativa de trabalho, decidiu retomar os estudos. “Minha motivação veio depois que vi uma reportagem sobre um senhor de 78 anos, que tinha acabado de se formar na faculdade. Pensei: ‘se ele conseguiu por que eu não vou conseguir?’”, lembra. A decisão, porém, não foi fácil. No início das aulas, Cristiane fraquejou. “É muito difícil voltar a estudar depois de tanto tempo sem exercitar a mente. O processo foi demorado, mas, agora, estou conseguindo”, orgulha-se.

Além da necessidade de adaptação ao hábito de estudar, a estudante encontrou outro obstáculo no início das aulas. Com a matrícula feita e faltando apenas três meses para voltar a frequentar a escola, Cristiane recebeu a notícia de que o filho mais novo estava com câncer. Linfoma, dizia o diagnóstico. “Quando o tratamento começou, estavam começando as aulas. Ele fez a cirurgia e eu levava os materiais e livros para estudar enquanto ele estava se recuperando”, conta. Thalison fala com orgulho sobre a luta diária da mãe. “Ela trabalha o dia todo, acorda às 4h e ainda encontra motivação para estudar à noite. Já estou muito feliz porque ela parou de estudar e voltou. Isso me incentiva também a correr atrás dos meus sonhos”, diz o adolescente, recuperado da doença e de volta à rotina escolar. (colaborou Alice Souza)

A realidade através de Paulo Freire

A educação de jovens e adultos teve início no Brasil na década de 1930, e um pernambucano teve papel fundamental no desenvolvimento da alfabetização de pessoas com mais de 18 anos. A pedagogia de Paulo Freire inspirou os principais programas de educação popular no início dos anos 1960, quando a Educação de Jovens e Adultos foi ampliada no país.

Em 1964 foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que previa a disseminação em todo o Brasil dos programas orientados pela proposta de Paulo Freire. “A preparação do plano, com forte engajamento de estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela efervescência política da época, seria interrompida alguns meses depois pelo golpe militar”, relata Vera Maria Ribeiro, coordenadora da Proposta Curricular da Educação para Jovens e Adultos (EJA), publicada pelo Ministério da Educação (MEC).

A proposta de Paulo Freire – adotada até os dias de hoje – buscava uma alfabetização de adultos conscientizadora, cujo princípio básico é “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. O método do educador pernambucano previa uma etapa reparatória, quando o alfabetizador deveria fazer uma pesquisa sobre a realidade do grupo junto ao qual iria atuar.

Em Pernambuco, a modalidade EJA é oferecida atualmente em 532 escolas, atendendo a um total de 81.461 estudantes, em 2.597 turmas distribuídas nas 16 regionais de educação. De acordo com a Secretaria Estadual de Educação, a EJA é ofertada em unidades escolares municipais e estaduais e perpassa todos os níveis da educação básica, do ensino fundamental ao ensino médio.

“Vi reportagem sobre um senhor de 78 anos, que tinha acabado de se formar na faculdade. Pensei: “se ele conseguiu por que eu não vou conseguir?”

Cristiane Maria da Silva

estudante do EJA

Cristiane Maria da Silva

Cristiane Maria da Silva

que quer cursar gastronomia

“É muito difícil voltar a estudar depois de tanto tempo sem exercitar a mente. O processo foi demorado, mas, agora, estou conseguindo”

[ Sonho possível

10 formas de tornar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) mais proveitosa

1.

O planejamento da aula deve ter princípios da ação educativa: que tipo de pessoa e de sociedade deseja formar?

2.

Conheça as expectativas, a cultura, os problemas do entorno e das necessidades de aprendizagem do aluno

3.

Não trate os alunos como “crianças crescidas”. Esse é um dos motivos que mais afastam os alunos da EJA

4.

Ajude o estudante a perceber o mundo que o cerca e a ampliar o repertório para solucionar os problemas do dia a dia

5.

Promova rodas de conversa em que os alunos tenham a oportunidade de expressar sua linguagem e saberes

6.

Chame os alunos para analisar, comparar, elaborar em vez de repetir, memorizar, reproduzir

7.

Solidarize-se com os estudantes, colocandose à disposição e se mostrando confiante na capacidade deles

8.

Estimule a autonomia do aluno, estimulando o a avaliar constantemente seus progressos e suas carências

9.

Favoreça o acesso dos estudantes a materiais educativos, como livros, jornais, revistas, cartazes, textos, apostilas, vídeos, etc.

10.

O processo educativo não se encerra no período da aula e promova eventos, debates e torneios extraclasse

Fonte: Proposta curricular para EJA/Ministério da Educação