A química do que se bebe e come
Projeto de alunos do ensino médio do Ginásio Pernambucano transforma o estudo da disciplina em uma atividade gostosa com lições para toda a vida
Quando o quadro de horário escolar mostrava que as aulas de química estavam se aproximando, a estudante do terceiro ano do ensino médio Carla Silva, 18, desanimava. Estudar conceitos e fenômenos químicos significava, para ela, dificuldade, tédio e pouca atratividade. A relação da aluna da Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano da Rua da Aurora com a disciplina só mudou quando ela foi convidada a participar do projeto Refri-Gerando Saberes, da professora de química Maeli Ramos. Depois de um semestre, o rendimento da estudante que pretende cursar biologia no ensino superior melhorou. Química, agora, aparece entre as matérias preferidas.
De acordo com a professora autora do projeto, o Refri-Gerando Saberes se propõe a relacionar a química aos conhecimentos do cotidiano, trabalhando-os de forma dinâmica e atrativa. “A ideia é mobilizar interdisciplinarmente aspectos históricos, sociais, econômicos e químicos dos diversos alimentos que chegam à mesa dos estudantes”, explica a professora. A primeira experiência foi no primeiro semestre de 2015. Na época, o objetivo era mostrar aos alunos os riscos do consumo excessivo de refrigerantes.
“Desde então, ele foi realizado mais duas vezes em turmas diferentes e, com o passar do tempo, tivemos a necessidade de ampliar os objetivos. Assim, nos propomos a realizar com os alunos do segundo ano os estudos sobre diversos alimentos, como refrigerantes, sucos, biscoitos e frutas, nas aulas de química”, pontua Maeli. Os encontros acontecem duas vezes por semana durante um semestre. “Comecei no projeto por causa da dificuldade na matéria e, agora, a vejo de outra forma. Consigo ver que que a química está em tudo ao nosso redor. Minhas notas na disciplina também melhoraram”, completa Carla Silva.
As aulas são organizadas em duas partes. Primeiro, os estudantes têm contato com a teoria. Depois, com a aplicação da aprendizagem. “Fazemos experimentos químicos que mostrar na prática os conhecimentos teóricos sobre os produtos estudados, problematizando toda a cadeia socioeconômica que permeia o consumo desses produtos”, afirma a profesora. Durante os encontros, surgem temas como geração de emprego, cultura, qualidade de vida e saúde. “Como culminância, os estudantes apresentam para toda a escola um experimento e fazem uma explanação sobre o que foi estudado, na tentativa de multiplicar as informações adquiridas durante o semestre”, diz Maeli.
Mudança de vida após descobertas na escola
As lições aprendidas no projeto Refri-Gerando Saberes mudaram a relação dos adolescentes não só com a disciplina, mas também quanto à alimentação. Mais conscientes sobre o que estavam consumindo, os alunos passaram a fazer “análises químicas” dos rótulos das comidas e descobriram que precisavam mudar a dieta ou corriam o risco de encarar as consequências nocivas de consumir produtos químicos prejudiciais ao organismo.
O refrigerante, por exemplo, foi um dos primeiros itens a serem cortados ou evitados pelos estudantes da Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano. Os alunos descobriram, por exemplo, que todos os refrigerantes tipo cola – seja ele normal, diet, light ou zero – contêm fosfato (ácido fosfórico), um ácido que dá sabor à bebida e aumenta o tempo de conservação do líquido. Em excesso, o ácido pode levar a problemas cardíacos e renais, perda muscular e osteoporose. “Além das propriedades químicas, trabalhamos também em sala de aula as questões sociais, econômicas e relacionadas à saúde da bebida. Depois de explorarmos os conteúdos do refrigerante, estudamos também outros alimentos, como a margarina”, afirma a professora Maeli Ramos.Ciente dos efeitos das comidas no corpo, a estudante Beriane Gomes, 17 anos, mudou radicalmente a rotina alimentar. “Meus pais são diabéticos, então fiquei muito assustada quando vi a quantidade de açúcar do refrigerante durante um experimento no laboratório de química. Esse projeto mudou minha visão sobre a química e como eu vejo os alimentos”, relata.
Ensinando química de forma interdisciplinar:
O ensino de química pode e deve ser contextualizado com outras disciplinas para se tornar mais atrativo para
os estudantes. A pedido do Diario, o professor Igor Saburo Suga, da startup de educação a distância Stoodi, comentou cinco “combinações químicas” que podem fazer sucesso em sala de aula.
Química + Biologia
“A química e a biologia se relacionam fortemente em vários aspectos.Podemos fazer paralelos com a química orgânica e o reconhecimento das funções orgânicas com biomoléculas como os aminoácidos, proteínas, carboidratos, óleos e gorduras. Ainda neste contexto das biomoléculas descritas acima, podemos relacionar com a termoquímica, onde observa-se a quantidade de energia liberada ou absorvida no metabolismo (série de reações químicas que ocorrem num organismo vivo) destes compostos. Dentre as propriedades coligativas, a osmose e pressão osmótica conversa muito bem com vários aspectos da biologia como o osmorregulação de peixes, absorção de líquidos por raízes de plantas e hidratação do organismo humano. Uma grande área que cobre esses aspectos é o estudo das soluções e os cálculos de concentração de soluções.”
Química + Física
“Química e física se interligam em muitos tópicos. Podemos considerar os cálculos estequiométricos da eletrólise e a quantidade de carga e corrente elétrica fornecidas por um gerador de corrente contínua. Estes temas se interligam por uma lei, conhecida por Lei de Faraday e a constante de Faraday onde se considera a carga de um mol de elétrons como sendo de 96,5 mil Coulombs.”
Química + História
“Podemos relacionar a química com a história nos contextos das duas grandes guerras mundiais e o desenvolvimento de armamentos e também de fertilizantes. Segundo alguns historiadores o desenvolvimento de fertilizantes químicos foi capaz de postergar o final da Segunda Guerra Mundial. O estudo histórico das doenças que acometeram o mundo e também o desenvolvimento de fármacos e indústria farmacêutica também conversam de maneira muito interessante. A industrialização e a questão que envolvem problemas ambientais também são bastante abordadas (revolução industrial e poluição atmosférica).”
Química + Matemática
“A matemática e a ferramenta fundamental dentre as exatas. Entender o fenômeno de contagem e também as ordens de grandeza são fundamentais para trabalhar com a ideia de contagem de átomos, íons e moléculas. Entender que o mol é uma unidade e também um número que relaciona uma proporção muito grande é imprescindível no estudo da química. Muitas vezes é necessário o cálculo de áreas de figuras geométricas conhecidas para se verificar a quantidade de matéria (mol) que existe dentro desta figura. Trabalhar com potencias de dez, regras de três simples e logaritmos são fundamentais.”
Química + Geografia
“O estudo do fenômeno de urbanização, saneamento básico, poluição ambiental estudados pela geografia podem ser tratados também com a química e o estudo das substâncias químicas.Aspectos da hidrosfera, litosfera e atmosfera também se relacionam muito bem, por exemplo, considerando a salinidade de um rio ou o fenômeno de salinização de solos e a composição química da atmosfera e suas divisões clássicas.”