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Estudantes da Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano utilizam laboratório da unidade. Fotos: Rafael Martins/Esp. DP

Estudantes da Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano utilizam laboratório da unidade. Fotos: Rafael Martins/Esp. DP

A química do que se bebe e come

Projeto de alunos do ensino médio do Ginásio Pernambucano transforma o estudo da disciplina em uma atividade gostosa com lições para toda a vida

Quando o quadro de horário escolar mostrava que as aulas de química estavam se aproximando, a estudante do terceiro ano do ensino médio Carla Silva, 18, desanimava. Estudar conceitos e fenômenos químicos significava, para ela, dificuldade, tédio e pouca atratividade. A relação da aluna da Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano da Rua da Aurora com a disciplina só mudou quando ela foi convidada a participar do projeto Refri-Gerando Saberes, da professora de química Maeli Ramos. Depois de um semestre, o rendimento da estudante que pretende cursar biologia no ensino superior melhorou. Química, agora, aparece entre as matérias preferidas.

De acordo com a professora autora do projeto, o Refri-Gerando Saberes se propõe a relacionar a química aos conhecimentos do cotidiano, trabalhando-os de forma dinâmica e atrativa. “A ideia é mobilizar interdisciplinarmente aspectos históricos, sociais, econômicos e químicos dos diversos alimentos que chegam à mesa dos estudantes”, explica a professora. A primeira experiência foi no primeiro semestre de 2015. Na época, o objetivo era mostrar aos alunos os riscos do consumo excessivo de refrigerantes.

“Desde então, ele foi realizado mais duas vezes em turmas diferentes e, com o passar do tempo, tivemos a necessidade de ampliar os objetivos. Assim, nos propomos a realizar com os alunos do segundo ano os estudos sobre diversos alimentos, como refrigerantes, sucos, biscoitos e frutas, nas aulas de química”, pontua Maeli. Os encontros acontecem duas vezes por semana durante um semestre. “Comecei no projeto por causa da dificuldade na matéria e, agora, a vejo de outra forma. Consigo ver que que a química está em tudo ao nosso redor. Minhas notas na disciplina também melhoraram”, completa Carla Silva.

Depois do refrigerante, outros alimentos foram alvo

Depois do refrigerante, outros alimentos foram alvo

As aulas são organizadas em duas partes. Primeiro, os estudantes têm contato com a teoria. Depois, com a aplicação da aprendizagem. “Fazemos experimentos químicos que mostrar na prática os conhecimentos teóricos sobre os produtos estudados, problematizando toda a cadeia socioeconômica que permeia o consumo desses produtos”, afirma a profesora. Durante os encontros, surgem temas como geração de emprego, cultura, qualidade de vida e saúde. “Como culminância, os estudantes apresentam para toda a escola um experimento e fazem uma explanação sobre o que foi estudado, na tentativa de multiplicar as informações adquiridas durante o semestre”, diz Maeli.

Mudança de vida após descobertas na escola

As lições aprendidas no projeto Refri-Gerando Saberes mudaram a relação dos adolescentes não só com a disciplina, mas também quanto à alimentação. Mais conscientes sobre o que estavam consumindo, os alunos passaram a fazer “análises químicas” dos rótulos das comidas e descobriram que precisavam mudar a dieta ou corriam o risco de encarar as consequências nocivas de consumir produtos químicos prejudiciais ao organismo.

Professora de química, Maeli Ramos teve ideia

Professora de química, Maeli Ramos teve ideia

O refrigerante, por exemplo, foi um dos primeiros itens a serem cortados ou evitados pelos estudantes da Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano. Os alunos descobriram, por exemplo, que todos os refrigerantes tipo cola – seja ele normal, diet, light ou zero – contêm fosfato (ácido fosfórico), um ácido que dá sabor à bebida e aumenta o tempo de conservação do líquido. Em excesso, o ácido pode levar a problemas cardíacos e renais, perda muscular e osteoporose. “Além das propriedades químicas, trabalhamos também em sala de aula as questões sociais, econômicas e relacionadas à saúde da bebida. Depois de explorarmos os conteúdos do refrigerante, estudamos também outros alimentos, como a margarina”, afirma a professora Maeli Ramos.

Ciente dos efeitos das comidas no corpo, a estudante Beriane Gomes, 17 anos, mudou radicalmente a rotina alimentar. “Meus pais são diabéticos, então fiquei muito assustada quando vi a quantidade de açúcar do refrigerante durante um experimento no laboratório de química. Esse projeto mudou minha visão sobre a química e como eu vejo os alimentos”, relata.

Ensinando química de forma interdisciplinar:

O ensino de química pode e deve ser contextualizado com outras disciplinas para se tornar mais atrativo para
os estudantes. A pedido do Diario, o professor Igor Saburo Suga, da startup de educação a distância Stoodi, comentou cinco “combinações químicas” que podem fazer sucesso em sala de aula.

Química + Biologia

“A química e a biologia se relacionam fortemente em vários aspectos.Podemos fazer paralelos com a química orgânica e o reconhecimento das funções orgânicas com biomoléculas como os aminoácidos, proteínas, carboidratos, óleos e gorduras. Ainda neste contexto das biomoléculas descritas acima, podemos relacionar com a termoquímica, onde observa-se a quantidade de energia liberada ou absorvida no metabolismo (série de reações químicas que ocorrem num organismo vivo) destes compostos. Dentre as propriedades coligativas, a osmose e pressão osmótica conversa muito bem com vários aspectos da biologia como o osmorregulação de peixes, absorção de líquidos por raízes de plantas e hidratação do organismo humano. Uma grande área que cobre esses aspectos é o estudo das soluções e os cálculos de concentração de soluções.”

Química + Física

“Química e física se interligam em muitos tópicos. Podemos considerar os cálculos estequiométricos da eletrólise e a quantidade de carga e corrente elétrica fornecidas por um gerador de corrente contínua. Estes temas se interligam por uma lei, conhecida por Lei de Faraday e a constante de Faraday onde se considera a carga de um mol de elétrons como sendo de 96,5 mil Coulombs.”

Química + História

“Podemos relacionar a química com a história nos contextos das duas grandes guerras mundiais e o desenvolvimento de armamentos e também de fertilizantes. Segundo alguns historiadores o desenvolvimento de fertilizantes químicos foi capaz de postergar o final da Segunda Guerra Mundial. O estudo histórico das doenças que acometeram o mundo e também o desenvolvimento de fármacos e indústria farmacêutica também conversam de maneira muito interessante. A industrialização e a questão que envolvem problemas ambientais também são bastante abordadas (revolução industrial e poluição atmosférica).”

Química + Matemática

“A matemática e a ferramenta fundamental dentre as exatas. Entender o fenômeno de contagem e também as ordens de grandeza são fundamentais para trabalhar com a ideia de contagem de átomos, íons e moléculas. Entender que o mol é uma unidade e também um número que relaciona uma proporção muito grande é imprescindível no estudo da química. Muitas vezes é necessário o cálculo de áreas de figuras geométricas conhecidas para se verificar a quantidade de matéria (mol) que existe dentro desta figura. Trabalhar com potencias de dez, regras de três simples e logaritmos são fundamentais.”

Química + Geografia

“O estudo do fenômeno de urbanização, saneamento básico, poluição ambiental estudados pela geografia podem ser tratados também com a química e o estudo das substâncias químicas.Aspectos da hidrosfera, litosfera e atmosfera também se relacionam muito bem, por exemplo, considerando a salinidade de um rio ou o fenômeno de salinização de solos e a composição química da atmosfera e suas divisões clássicas.”