A alquimia da consciência ambiental

Produção de barras de sabão em escola pública em Boa Viagem deixa um legado mais profundo do que a simples economia com produtos de limpeza

No laboratório de ciências da Escola Estadual Professor Fernando Mota, em Boa Viagem, a “mágica” acontece. Orquestrados pela professora de química Dilvanice Macedo, os alunos se sentem verdadeiros magos da sustentabilidade ao transformarem óleo de cozinha em sabão. Além de ajudarem a escola a economizar com itens de limpeza, a produção das barras de sabão tem deixado um legado mais profundo para os estudantes: a consciência ambiental.

O que começou como uma diversão para os alunos se tornou assunto sério. “É divertido estar no laboratório e fazer as misturas para produzir o sabão, mas, além disso, sabemos da importância do que estamos fazendo”, conta o estudante do 9º ano (antiga 8ª série) Alysson Reis, 14. “O óleo que usamos iria para o solo e para os rios. Ao reciclar, estamos dando um novo uso e diminuindo a poluição”, completa o colega de classe de Alysson, Rafael Luís da Silva, 14.

Também integrante do projeto, o estudante do 3º ano do ensino médio João Pedro Martins, 17, contou que a ação não fica apenas dentro da escola. “Já falei para minha mãe e vizinhos guardarem o óleo de cozinha e não jogarem no esgoto, pois pode entupir os canos. Eles juntam, me dão, faço o sabão e distribuo pela rua. Meus vizinhos só usam meu sabão”, revela, orgulhoso. Para produzir o sabão, os alunos tiram os resíduos do óleo, misturam com água, soda cáustica e álcool. Tudo sob a supervisão da professora. Depois de 10 dias de descanso, estão prontos para uso.

O sucesso do projeto de reciclagem do óleo de cozinha fez a turma pensar em outras ações sustentáveis para a escola. O próximo passo é a criação de uma horta vertical em um corredor na área externa da unidade de ensino. Para tirar a ideia do papel, porém, alunos e professora necessitam de doações. “Temos o espaço, já limpamos a área. Agora, só precisamos de incentivo financeiro para fazer acontecer”, diz a estudante Letícia Machado, 16 anos.

Eles precisam comprar vasos, mangueira, adubo e mudas de planta. O orçamento é de R$ 1.154. Para conseguir a verba, inscreveram a iniciativa no site de financiamento coletivo de projetos de professores da rede pública Somos Professores. Por meio da plataforma online, é possível arrecadar recursos para custear a ação. Dos R$ 1.154 necessários, a turma já conseguiu arrecadar, por doações voluntárias, cerca de R$ 780.

“Temos 90 dias para chegar ao valor total e esperamos conseguir, pois os alunos estão muito empolgados com a possibilidade de ver  mais um projeto sustentável sair do papel”, afirma a professora. Para ajudar os estudantes da Escola Fernando Mota, basta acessar o site www.somosprofessores.org e fazer uma doação – de qualquer valor – clicando no projeto da horta vertical.

[ Entenda os conceitos de sustenatabilidade para desenvolver projetos

Sustentabilidade ambiental
Pautada pela conservação da biodiversidade, das vegetações e florestas dos diferentes biomas, assim como de seus habitats.

Sustentabilidade social
Amplia o conceito de necessidades básicas para considerar a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas e dos territórios.

Sustentabilidade econômica
Traduz não apenas uma concepção de economia verde como também o desenvolvimento de novos parâmetros sobre recursos naturais, os ciclos de vida e o consumo consciente.

Sustentabilidade política
Busca o fortalecimento da democracia, da resolução de conflitos, da paz e da cidadania. Envolve ainda transparência e participação inclusiva.

Sustentabilidade cultural
Além do diálogo, abarca o respeito à diversidade cultural e ao pluralismo, a defesa de um ambiente natural e social que garanta a dignidade humana.

INTEGRAÇÃO DE CONCEITOS, RESULTADOS ÚNICOS

Educar para atender as demandas do século 21 passa por discutir temas relacionados ao meio ambiente. Essas questões ganharam força nas últimas décadas e é papel do professor levar os temas ambientais para a sala de aula. Outro desafio da educação hoje é integrar conceitos, princípios e ações em um mundo que exige uma visão holística e um pensamento sistêmico e transversal para a construção colaborativa do conhecimento.

“A educação deve preocupar-se com a inserção das crianças e jovens na sociedade, especialmente nos espaços coletivos e, ao mesmo tempo, preservar os costumes e o legado da humanidade, ressignificando-os”, pontua a cientista social e doutora em psicologia da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Maria Alice Setúbal, autora do livro Educação e sustentabilidade: princípios e valores para a formação de educadores.

Água, energia, clima e consumo são alguns dos temas que podem ser abordados em várias disciplinas, como biologia, química, física, sociologia e redação. Mais do que transmitir informações, porém, é importante estimular o pensamento crítico dos estudantes sobre os assuntos tratados em sala. “Hoje, a escola estuda muito o passado, mas pouco se renova no sentido de pensar e contribuir para planejar o futuro, tendo em vista o desenvolvimento da sociedade sob outros moldes. É preciso lançar um olhar sistêmico sobre a sustentabilidade”, ressalta Maria Alice.