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Foto: Nando Chiappetta/DP

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Afinal de contas, todos são iguais

Alunos de escola técnica estadual desenvolvem um projeto de matemática pensando em facilitar o aprendizado dos colegas autistas

Como fazer com que estudantes autistas aprendam em uma sala de aula verdadeiramente inclusiva? A pergunta não foi feita por professores, mas por um grupo de alunos da Escola Técnica Estadual Professor Lucilo Ávila Pessoa, que desenvolveu um projeto para criar metodologias de ensino de matemática voltadas para crianças diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista.

Mesmo sem conviver com estudantes autistas, nove adolescentes com idades entre 15 e 17 anos ficaram inquietos quando descobriram que a forma como eles aprenderam a fazer contas não é indicada para crianças autistas. Para ajudar pessoas que eles sequer conheciam, o grupo estudou o autismo e passou a discutir formas de melhorar a vida de pais e professores que lidam com crianças com o distúrbio do desenvolvimento que prejudica a capacidade de se comunicar e interagir.

Depois das pesquisas, os estudantes criaram jogos matemáticos capazes de atrair a atenção de autistas. “No início do ano, pensamos em fazer um projeto e conversamos com nossos professores sobre o que fazer. Tivemos uma discussão em sala de aula sobre o autismo e decidimos que aquele seria o nosso tema. Queríamos ajudar essas pessoas a viverem melhor, principalmente no âmbito escolar”, conta a estudante Taynara Pimentel, de 16 anos.

ProfessorWanderley Lima se interessou pelos produtos - Foto: Rafael Martins/DP

ProfessorWanderley Lima se interessou pelos produtos – Foto: Rafael Martins/DP

Os alunos contaram com a supervisão do professor de matemática Alberto Sales, que orientou sobre a construção de jogos matemáticos. “É um projeto que não tem apenas conhecimento sendo aplicado. É um projeto que tem coração. O coração desses meninos e meninas”, enfatiza o professor. Como os autistas têm preferência por objetos coloridos e com texturas, os estudantes criaram um quadro com imagens de alimentos em cores vivas para possibilitar aulas que trabalhem assuntos como adição e subtração. “Eles poderão pegar os alimentos de suas respectivas ‘casinhas’ e, a partir do toque e da interação, fazer as contas”, explica Eduarda Negromonte, 15.

Fatias gigantes de pizza foram confeccionadas com isopor para ensinar fração. Figuras geométricas foram construídas com palitos de picolé para que os estudantes toquem nos objetos enquanto aprendem. “Tudo foi reciclado de outros trabalhos. Pensamos em fazer algo que não só incluísse os autistas, mas que também fosse adequado aos demais alunos de uma turma. São formas de ensinar que não excluem nenhum estudante”, pontua Katarina Fernandes, 17.

A próxima fase do projeto dos estudantes será a pesquisa de campo. Eles vão testar a aplicabilidade das ideias em escolas com alunos autistas matriculados. “Mesmo sem a parte prática concluída, esse trabalho já é um sucesso, pois gestores de escolas com autistas já vieram conhecer o projeto e vão levar os jogos para suas unidades de ensino”, destaca a professora de história Maria das Graças Carvalho.

Ferramentas simples de aceitação do diferente

O principal avaliador do projeto dos estudantes da Escola Técnica Estadual Professor Lucilo Ávila Pessoa foi o professor de língua portuguesa da unidade de ensino Wanderley Lima. Pai de Renan, de 6 anos e diagnosticado com autismo leve, o professor não se envolveu diretamente na construção dos jogos, mas se interessou pelos produtos elaborados pelos alunos. “O grande primado desse projeto é que as atividades desenvolvidas por eles incluem todos os alunos e não só os autistas. Eu consigo ver meu filho aprendendo dessa forma”, pontua.

Wanderley explicou que a questão imagética é fundamental no processo de aprendizagem do autista. “Se eu armar uma conta matemática, como nós estamos acostumados a resolver, meu filho não vai fazer, apesar de ter capacidade para isso. Com essa metodologia criada pelos estudantes, porém, ele faria com certeza”, enfatiza o professor.

Para os autistas realizarem contas com número grandes, os estudantes fizeram uma versão colorida e de isopor do “minicomputador do Papy”, uma criação do matemático belga Georges Papy, que consiste em um quadrado subdividido em outros quadrados onde é possível fazer contas de adição, subtração, multiplicação e divisão. “Nossa metodologia de ensino, e eu me incluo nisso, ainda não contempla todos os estudantes. Ver que esses meninos e meninas tiveram a iniciativa de criar uma ferramenta de inclusão é muito bom. Eles tiveram visão de futuro e de aceitação do diferente”, afirma.

[ 5 filmes sobre autismo e educação

SON-RISE: MEU FILHO, MEU MUNDO (1979)

Narra a história autobiográfica da família que, na década de 1970, fundou o método Sonrise. Polêmico, já que muitos especialistas defendem que ainda não há cura para o autismo; o filme apresenta como um casal conseguiu se aproximar do filho autista. A história e o método inspiraram trabalhos educacionais voltados para a criança autista.

MEU NOME É RÁDIO (2003)

Baseado em fatos reais, conta a história de um estudante autista que, depois de sofrer muito preconceito, acaba recebendo o apoio de um professor, também treinador do time de futebol de uma escola no interior dos Estados Unidos. A relação de confiança entre os dois modifica não só suas vidas, mas a dinâmica da comunidade.

UMA VIAGEM INESPERADA (2004)

O filme, inspirado em fatos reais, conta a história de Corine, uma mãe que enfrenta dificuldades para garantir a inclusão educacional e social dos filhos gêmeos, ambos diagnosticados com autismo. Ela precisa lidar com instituições públicas, a própria família e a comunidade para garantir respeito, dignidade e inclusão efetiva às crianças.

O NOME DELA É SABINE (2007)

No documentário, a atriz Sandrine Bonnaire fala sobre a vida da irmã autista, Sabine. A partir de depoimentos coletados por 25 anos, mostra a infeliz estadia de Sabine em hospital psiquiátrico e o reencontro com a felicidade quando passa a viver em casa com estrutura adaptada. Discute o despreparo da sociedade com o tema.

MARY E MAX (2009)

A animação Mary e Max conta a história real de Mary, uma garotinha solitária, que vira amiga de Max, um adulto, diagnosticado com Asperger e que tem dificuldades de estabelecer uma vida social. Por meio de cartas, a amizade acompanha a infância, juventude e vida adulta de Mary e o envelhecimento de Max. O filme é um convite à reflexão sobre alteridade.