Como ter um parque de diversões na cabeça
Estudantes viajam 60 quilômetros para uma aula diferente onde o desafio é aprender se divertindo
De onde vem a sensação de frio na barriga ao descer em uma montanha-russa? Para que serve a adrenalina? Como calcular o raio de uma roda-gigante? Com a missão de descobrirem as respostas para essas perguntas, estudantes de uma escola de Goiana, Mata Norte do estado, viajaram 62 quilômetros para uma aula diferente no Mirabilandia Parque, Olinda. Lá, vivenciaram na prática assuntos abordados em sala de aula.
No Megadance, brinquedo redondo onde os usuários ouvem música e tentam se segurar enquanto ele se move, os alunos da Escola de Referência em Ensino Médio Augusto Gondim aprenderam sobre movimento circular uniforme. Na roda-gigante, aplicaram conhecimentos de trigonometria. No Over Loop, brinquedo vermelho que dá giros em vários sentidos, estudaram reações biológicas e hormônios.
Mostrar que os assuntos vistos em sala de aula podem ser aplicados no cotidiano foi o objetivo do projeto Matemática no Parque, idealizado pelos professores da escola pública. O entusiasmo dos estudantes foi tão grande que, além da matemática, outras disciplinas foram abordadas durante o passeio. Em física, por exemplo, os adolescentes puderam fazer previsão do tempo e da posição de encontro de duas partículas em movimento circular ao longo de uma mesma trajetória. “Eles perceberam uma outra forma de vivenciar a matemática. Compreenderam que os conhecimentos não são apenas abstratos, mas podem ser aplicados”, observou a professora Lucidalva Coutinho.
Cerca de 150 alunos das três séries do ensino médio participaram da aula no Mirabilandia. Foram quase dez horas de atividades, mas os alunos nem sentiram o tempo passar. Exercícios foram entregues pelos professores, e os estudantes podiam usar os brinquedos para “testar” a teoria. “A maioria dos alunos presentes nunca tinha ido ao parque. Além de aprenderem, puderam brincar para observar na prática os conceitos. Eles saíram felizes e motivados”, pontuou o professor de matemática Josivaldo Nunes.
Pela primeira vez em um parque de diversões, o estudante do segundo ano do ensino médio Silas Santos, 16, descobriu que a trigonometria não era um “bicho-papão”, como pensava. “O assunto era muito abstrato, mas pudemos aplicar, na roda-gigante do parque, o que aprendemos em sala de aula. Calculamos o raio da circunferência e aprendemos de forma mais criativa”, contou. “Ver o funcionamento de máquinas enormes, como são os brinquedos dos parques, e entender as leis que as regem foi mágico”, disse a estudante Paullynne Martins, 15 anos, que deseja cursar engenharia mecatrônica. “Tive mais certeza sobre o curso que escolhi. Foi muito bom”, completou.
[ Entrevista Mariza Sposito // pedagoga especialista em capacitação pedagógica e professora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
“A cidade é viva, ela é instigante”
Como aproveitar espaços da cidade como uma sala de aula?
Penso que a primeira decisão que cabe aqui é a concepção de aula. Porque temos um “pré-conceito” no imaginário das pessoas de que a aula só poderá acontecer se for realizada dentro de quatro paredes, com cadeiras arrumadas em fileiras e um professor dissertando para um grupo de alunos. Assim, romper esta imagem e acreditar, como nos ensina o professor Marcos Masetto, que a aula é um espaço/tempo de vivência, convivência e relações pedagógicas mediatizada pelo saber escolar nos faz entender que a aula pode ocorrer em qualquer canto da cidade. Para isso, basta que sujeitos históricos (alunos e professores) que se relacionam e estão desejantes de conhecer ou compreender o mundo em que vivem, a realidade em que estão inseridos ou ainda um objeto de estudo/conteúdo escolar qualquer que estejam envolvidos e que se encontra exposto ou oculto nas ruas da cidade tomem a iniciativa. E esse um dos papéis da escola: desenvolver habilidades e competências de todos os campos conceituais e de diversas naturezas que lhes permitam agir de forma reflexiva no seu cotidiano. E onde é que ocorre esse cotidiano? As relações que ocorrem nas feiras livres, praças, igrejas, museus, estacionamentos, shoppings, galerias de arte, rios, teatros, cinemas, palácios, casarios, no trânsito são espaços de aula em que o professor articula seu plano de ensino em aprendizagem significativa para os alunos.
Qual é o caminho para que isso ocorra?
Não há uma receita pronta. O educador deve verificar a proposta pedagógica da escola para identificar onde ele encontrará nexos explicativos entre os conteúdos a serem vividos pelos alunos e os espaços que lhes permitirá pensar, associar enfim, conhecer sob o prisma da pesquisa, da investigação.
De que forma os estudantes podem aprender em espaços que vão além dos muros da escola?
Os espaços podem ser reais ou virtuais. Inicialmente, é preciso realizar coletivamente (professor e alunos) o plano de trabalho a ser desenvolvido. Dependendo do conteúdo que será explorado, “caem em campo”, pesquisando, lendo, registrando, debatendo, socializando. O uso das mídias para fazer registro fotográfico com o celular, entrevistas pelo WhatsApp, passeios virtuais por museus, leitura de imagens, estudo comparativo de paisagens em épocas distintas, análise de programas televisivos, construção de blog ou no campo real, realizando “trilhas” temáticas pela cidade, assistindo apresentações de dança ou peças teatrais, realizando oficinas. O importante é a pesquisa, o confronto com o saber anterior, a discussão do assunto em grupo, o retorno ao conteúdo enquanto síntese.
Como o professor pode facilitar a observação de mundo do aluno?
Criando situações instigantes, que despertem a curiosidade, a vontade de aprender e de resolver problemas, fornecendo desafios pedagógicos, valorizando seu saber, construindo laços de convivência e respeito ao outro, possibilitando o crescimento como pessoa e como grupo.
[ 10 lições vivenciadas no parque
1. Reconhecimento
de diferentes significados e representações dos números (naturais, inteiros, racionais ou reais) e operações.
2. Avaliação
de propostas de intervenção na realidade utilizando conhecimentos numéricos e identificação de padrões numéricos.
3. Resolução
de situações-problema que envolvam conhecimentos geométricos de espaço e forma.
4. Compreensão
das leis de Newton a partir de situações vivenciadas em um parque.
5. Cálculo e representação
de conhecimentos de dinâmica, tais como força; reação; tração; movimento.
6. Previsão do tempo
e da posição de encontro de duas partículas em movimento circular ao longo de uma mesma trajetória.
7. Identificação
de mecanismos relacionados ao Movimento Circular Uniforme (MCV) e aplicação de tecnologias associadas às ciências naturais
8. Cálculo de peso
aparente dos corpos dentro de elevadores em diversas situações (movimento uniforme e repouso).
9. Aplicação
da constante elástica de molas e deformidade sofrida por molas
10. Reconhecimento
da relação entre grandezas e relações de causa e efeito, como a distância percorrida por um carro após ser freado.
Fonte: Equipe pedagógica da Escola de Referência em Ensino Médio Augusto Gondim