Conhecimento de todos os gêneros
Escola recifense inova na criação de núcleo que discute com os alunos a diversidade sexual, construindo a cidadania e combatendo o preconceito
As reuniões do Núcleo de Estudos de Gênero Wilma Lessa, na Escola de Referência em Ensino Médio Silva Jardim, são como uma terapia para o estudante Paulo Henrique Lira, 17 anos. Lá, ele pode se expressar, ouvir experiências e aprender sobre gênero, inclusão e diversidade sexual. Graças ao núcleo, o ambiente escolar se tornou mais acolhedor quando o aluno do segundo ano do ensino médio decidiu assumir que estava namorando outro garoto.
Instalado na Escola Silva Jardim, no bairro do Monteiro, Zona Norte do Recife, desde o início do ano letivo, o núcleo tem como objetivo trabalhar temas como gênero, respeito, inclusão, cidadania, violência e direitos humanos de forma lúdica e didática com 40 estudantes inscritos. O projeto envolve toda a comunidade escolar em ações práticas para a construção da cidadania. “As ações já apresentam impacto positivo na capacidade de os alunos e as alunas refletirem por conta própria e discutir temas tão importante, tornando-se cidadãos mais sensíveis e responsáveis”, ressaltou a professora de história e uma das coordenadoras do espaço, Cristiana Cordeiro.
Para Paulo Henrique, mais do que uma oportunidade de aprender novos conceitos, o núcleo representa a chance de ser mais espontâneo e livre. “Desde o primeiro encontro, no começo do ano, os debates me ajudaram não só a ver as questões sociais com outros olhos como também a lidar melhor com minha própria vida. Graças à aceitação que tive no grupo, me senti mais à vontade para contar à minha família, que é evangélica, sobre minha orientação sexual, por exemplo”, afirmou.
Além dele, outros 39 estudantes participam da reunião semanal do grupo, que acontece sempre às segundas-feiras, das 16h10 às 17h. São 50 minutos de discussões para tentar diminuir a violência contra a mulher e para debater assuntos relacionados aos direitos humanos. “Iniciamos um projeto sobre bullying na escola e percebemos que muitos estudantes faziam ‘brincadeiras’ de cunho machista, racista e homofóbico. Decidimos então ampliar a ação com a criação do núcleo, que é um espaço para os alunos compreenderem melhor temas tão urgentes e atuais”, explicou a professora de geografia e coordenadora do núcleo, Karina Almeida.
MULTIPLICADORES
As “brincadeiras” carregadas de preconceito diminuíram consideravelmente desde que o núcleo começou a funcionar, de acordo com as professoras. “Os próprios estudantes policiam os outros e repassam lições aprendidas no grupo quando veem alguém sendo racista ou machista, por exemplo”, contou Cristiana. A estudante Maria Vittória Sales, 15, é uma das multiplicadoras do núcleo. “Nunca tivemos um espaço para debater esses assuntos. Mesmo quando eu estudava em escolas privadas, isso não existia. Considero um avanço e acho que temos que levar essas informações para o maior número de alunos, alunas, pais e professores”, disse.
Uma discussão mais do que urgente
A discussão sobre gênero nas escolas tem crescido na rede estadual. Hoje, cerca de um terço das das instituições de ensino contam com núcleos de formação em gênero. Das 329 escolas, 106 têm esses espaços, sendo 61 em escolas de nível médio, 12 nas de referência em ensino médio e 33 no ensino técnico. A criação dos núcleos é fruto de uma parceria entre as secretarias da Mulher e de Educação de Pernambuco.
“São diversos os fatores que demandam da sociedade brasileira a constituição de uma agenda educacional que, além de não negligenciar questões relativas a gênero e orientação sexual, as situe em suas prioridades”, pontuou a cientista social Mônica Ribeiro, pesquisadora da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
No Brasil, a educação inclusiva está amparada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que assegura o direito à escola a todas as pessoas, sem discriminar negativamente singularidades ou características específicas de indivíduos ou grupos humanos. A garantia das discussões sobre gênero nas escolas, no entanto, foi eliminada do Plano Nacional de Educação (PNE) no ano passado.
Por pressão, planos de educação de oito estados também excluíram total ou parcialmente as referências ao termo gênero dos documentos. Pernambuco foi um dos estados a tirar parte das menções a assuntos como diversidade e orientação sexual nos plano que traça as diretrizes educacionais até 2024. Além de Pernambuco; Acre, Tocantins, Paraíba, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul vetaram as referências aos temas nos textos.
“Iniciamos um projeto sobre bullying na escola e percebemos que muitos estudantes faziam‘brincadeiras’ de cunho machista, racista e homofóbico”
[ 5 ideias para discutir gênero nas escolas
1. Divida a turma em duas partes.
Cada grupo deve receber um molde de uma figura humana. A primeira equipe fica com a missão de retratar uma mulher, enquanto a segunda reproduz um homem. Cabe ao professor trabalhar as ideias preconcebidas sobre cada gênero.
2. Leve jornais e revistas com reportagens
sobre violência doméstica e feminicídio para a sala de aula e estimule os estudantes a fazerem uma leitura crítica do assunto, separando dados e frases que mais chamam a atenção.
3. Use o relatório “O progresso das mulheres no Brasil”,
Além de ler sobre os assuntos, exercite os conteúdos fazendo questões de simulados e, principalmente, resolvendo as edições anteriores das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
4. Promova sessões de cinema na escola
para trabalhar a diversidade sexual a partir dos conteúdos dos filmes. Filmografia indicada: Milk: a voz da igualdade (2008), Minha vida em cor-de-rosa (1996) e Hoje eu quero voltar sozinho (2014).
5. Realize palestras, cursos ou oficinas com membros de ONGs e de grupos externos.
Após as apresentações, peça que os alunos produzam relatórios ou cartazes indicando as partes mais relevantes da fala dos convidados.
Arte: Greg/DP – Fontes: Livro “Educação e sustentabilidade: princípios e valores para a formação de educadores” (Maria Alice Setubal) e Núcleo de Estudos de Gênero Wilma Lessa.