O maior prêmio para quem sempre estudou direito

Primeira da família a ingressar em uma universidade, Juliana quer ser advogada. Poderia também ser até engenheira

Quando chegou ao prédio histórico onde funciona a Faculdade de Direito do Recife, na área central da capital pernambucana, para o primeiro dia de aula; a universitária Juliana Medeiros, 17, passou 20 minutos parada, contemplando a grandiosidade e os detalhes arquitetônicos do imóvel tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Acabou entrando atrasada para o primeiro dia de aula, no anfiteatro do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A segunda reportagem da série Educar PE, que o Diario publica sempre às segundas-feiras, conta a história de Juliana, a primeira da família a ingressar no ensino superior.

Naquele primeiro dia de aula, Juliana assistiu à aula inaugural de direito sem acreditar na aprovação em direito na universidade pública mais disputada do estado e terceira instituição mais procurada no país pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2016. Sentar em uma das cadeiras da faculdade onde estudaram Castro Alves, Ariano Suassuna, Paulo Freire e João Cabral de Melo Neto representou a realização de um sonho gestado por toda a família durante anos.

“Às vezes, fico pensando se estou em uma cadeira onde um deles sentou ou se eles tocaram no corrimão que seguro para descer as escadas”, conta. A universitária, que concluiu o ensino médio na Escola Técnica Estadual Professor Lucilo Ávila Pessoa, no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife, também foi aprovada em engenharia civil na Universidade de Pernambuco (UPE). Acabou optando por cursar direito.

Para ir às aulas do ensino médio, Juliana costumava sair por volta das 6h do bairro do Curado, onde mora. Passava dois turnos na escola. “Meu horário era integral, então eu passava o dia inteiro em aula. Como meus pais não tinham condições de pagar cursinho, minha base para o Enem veio das aulas e de simulados da internet. Tentei extrair ao máximo o que os professores podiam oferecer”, diz. O pai de Juliana, Geraldo Andrade, 58, trabalhava como mecânico de elevadores, mas está desempregado há três anos. A mãe, Sandra Ferreira, 41, é dona de casa.

“Infelizmente, meus pais não estudaram muito. Meu pai, por exemplo, só fez até a sétima série. Eles me incentivavam a entrar na universidade para ter uma vida melhor que a que temos hoje.” A renda média mensal por pessoa no bairro do Curado é de R$ 1.216,36. Não chega a ser o caso da família de Juliana, que ingressou na faculdade como aluna cotista por renda familiar per capita de até um salário mínimo (R$ 880). “(O curso de direito) é elitizado e muito diferente da minha realidade, mas não fico pensando nisso. Eu me sinto igual a qualquer um da minha sala.” A única estudante do bairro do Curado a ingressar na Faculdade de Direito do Recife este ano é Juliana. Os bairros com mais alunos ingressantes são Boa Viagem (13), Imbiribeira (6), Várzea (4), Torre (3) e Cohab (3).

INSTITUIÇÕES PÚBLICAS REDUZEM DIFERENÇA

A diferença entre as notas de corte dos candidatos cotistas e dos não cotistas (ampla concorrência) nos cursos oferecidos no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), em 2016, foi de, no máximo, 4% nos dez cursos mais concorridos do país. Os cotistas representaram 80% dos candidatos, e a nota de corte é a mínima necessária para o estudante ter a chance de ficar entre os potencialmente selecionados para o curso. Os dados indicam que o desempenho dos estudantes de escolas públicas é muito próximo ao dos que concluíram o ensino médio em instituições particulares.