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Alunas descobriram o poder da interpretação de um texto através do jogo de palavras em estilos diferentes - Foto: Peu Ricardo/DP

Alunas descobriram o poder da interpretação de um texto através do jogo de palavras em estilos diferentes – Foto: Peu Ricardo/DP

Quando o rap rima com cordel

Criado em 2012 em Olinda, projeto que mistura as duas expressões culturais cresceu e foi incorporado como oficina na rede estadual

“Na escola que eu estudo a arte se faz presente. Nós temos maracatu, o cordel e o repente. Teatro e também o rap para contagiar a gente.” Os versos cantados em ritmo de rap e escritos por estudantes da Escola Estadual Guedes Alcoforado são como um manifesto de um grupo de adolescentes que quer ser “visto e ouvido”. O dom musical de meninos e meninas com idades entre 14 e 19 anos veio à tona por meio do projeto Rap e Cordel nas Escolas, do professor de história e poeta Edgar Diniz.

Criado em 2012, o projeto começou na Guedes Alcoforado, em Olinda, mas fez tanto sucesso, que foi adaptado para servir à toda a rede estadual de ensino. “Comecei com o projeto Educando em Cordel, que cresceu e foi visto pela Secretaria Estadual de Educação, que me tirou da escola para que eu pudesse mediar oficinas em toda a rede”, conta o professor. Em 2015, junto ao colega de profissão Sandro Félix, que é DJ, o projeto virou o Rap e Cordel nas Escolas, que mistura as duas expressões culturais.

O objetivo do projeto é fazer os estudantes conhecerem e respeitarem a variedade linguística e cultural como expressão artística do povo além de reforçar a noção de identidade e o sentimento de pertencimento dos alunos. “Percebemos ainda que o projeto melhorou muito a autoestima dos estudantes. Eles se sentem valorizados, pois protagonizam o processo de aprendizagem”, pontua Edgar.

Apenas este ano o projeto já passou por três escolas estaduais. O primeiro momento da intervenção do professor e poeta na unidade e ensino é a formação interdisciplinar dos professores. Depois, o gestor indica uma turma para um trabalho mais focalizado. “Conversamos sobre as características da literatura de cordel, trabalhamos a interpretação de texto e encerramos com a produção coletiva de um cordel”, explica.

Importância

“Para integrar o projeto, o professor pede disciplina dos alunos envolvidos, então participar fez com que meu comportamento mudasse”, conta o aluno Bruno Ferreira, 19.

O escritor e cordelista Arievaldo Vianna ressalta que, desde que surgiram os primeiros folhetos, no século 19, a literatura de cordel tem sido uma poderosa ferramenta de alfabelização e incentivo à leitura do Nordeste. “Hoje, é preciso que haja mais apoio, mais incentivo dos governantes na aquisição de folhetos e na contratação de poetas para realizar palestras sobre esse gênero literário”, defende.

Arievaldo é autor do projeto “Acorda Cordel na Sala de Aula”, que propõe a revitalização do gênero e sua utilização como ferramenta paradidática em turmas de ensino fundamental, médio e na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

“É importante que o professor tenha mais intimidade com o assunto, para não ficar resvalando no terreno da coisa puramente folclórica. O cordel é uma arte viva, em movimento. Tem que ser respeitado como um gênero literário”, afirma.

“Segundo o idealizador, o projeto melhora a autoestima dos alunos, pois eles se sentem mais valorizados”

Edgar Diniz

Professor de história e poeta ( criou o projeto ).

Como usar a literatura de cordel em sala de aula:

1º passo

Após se preparar com um bom cordel, ou seja, com uma boa história, o professor deve fazer a mediação de leitura.

2º passo

Na sala de aula, ele lê a história, do começo ao fim, com o ritmo e as rimas exigidas, atentando tanto para a marcação dos versos quanto para as frases, que sempre devem fazer sentido.

3º passo

Em seguida, o professor pode ir explorando assuntos, com perguntas básicas do tipo “onde ocorre a história?”; “quando ocorre essa história?”;“quem está na história?”; “o que é corriqueiro nesse universo?”; “e o que altera a normalidade?”; e, assim, por diante.

4º passo

A partir de cada resposta, o professor vai construindo junto com os alunos os significados e as interpretações. Todas as respostas são úteis para reconstruir o universo do cordel e também os valores e emoções que ele carrega.

5. Descanso

A maior parte do tempo de um aluno que quer passar no vestibular deve ser estudando, principalmente se estiver no terceiro ano do ensino médio. Horários de descanso, porém, são fundamentais para relaxar e evitar a ansiedade.

Fonte: João Bosco Bezerra Bonfim

[Entrevista João Bosco Bezerra Bonfim // poeta e doutor em Análise do Discurso pela Universidade de Brasília (UnB)

“Pode-se ensinar tudo em versos”

Por que usar a literatura de cordel nas escolas?

O cordel é o gênero mais próximo da oralidade, e as crianças – e também adultos em alfabetização – já dominam bem a linguagem oral. Ao lerem cordéis, encontrarão afinidades com a modalidade oral (rimas, repetições, descontração, brincadeiras típicas de quando se conversa). Então, o cordel é uma transição do oral para o escrito, por ser um escrito para ser oralizado. Em outras palavras: o cordel é para o encantamento das histórias escritas e, depois de criarem afinidade pelo escrito, as crianças e os neoleitores terão mais fluidez ao ler (oralizar, levar do escrito para a leitura em voz alta) os outros gêneros (matemática, física etc.).

As escolas públicas brasileiras já usam o cordel como ferramenta pedagógica? Como é o cenário atual nesse sentido?

Há um grande vazio a ser preenchido nesse campo. Há um enorme desconhecimento dos professores quanto a essa matéria. Muitas vezes, quando chego a uma escola para ministrar uma oficina de cordel, os mestres se espantam: “Mas, então, o cordel é tudo isso?” Muitos se perdem, ao simplesmente considerar o cordel no mês de agosto, em que se trabalha folclore. Outros avaliam no negativamente, como se fosse arte de iletrados, e outros preconceitos semelhantes, que, até mesmo, diminuem a fonte – nordestina – do cordel, como se essa não fosse uma boa origem. Então, o que falta é formação: cada secretaria de município ou de estado deve incentivar seus educadores a aprenderem essa arte.

É possível trabalhar conceitos matemáticos ou disciplinas como química e física usando o cordel?

Sim, é possível trabalhar qualquer conteúdo com a base do cordel, que são as sextilhas (estrofes de seis versos) em redondilha maior (versos de sete sílabas poéticas). Pode-se fazer publicidade ou mesmo difundir um hábito saudável para a população escolar. Já era Aristóteles quem dizia que eu posso escrever um tratado de medicina em versos. Nem por isso, o cientista será chamado poeta. Claro que esse cordel com conteúdo de química ou física será discurso acadêmico e não poesia.

“Muitos avaliam negativamente, como se fosse arte de iletrados. Até mesmo diminuem a fonte – nordestina – do cordel, como se não fosse uma boa origem”

João Bosco Bezerra Bonfim