Em nome do pai, do filho, de um amor contido. Em nome da face silenciada da epidemia do zika vírus e do fenômeno dos bebês com microcefalia no Brasil, nove homens revelam como foram concebidos e nasceram de novo. Como choram, vivem, sofrem, sonham. Julgam e são julgados enquanto respiram imersos em uma tragédia familiar. Como sufocam emoções, medos e alegrias para se adequar a um papel social histórico, secundário quando se busca uma narrativa emotiva. Esta reportagem jornalística prioriza o testemunhal. Por meio de depoimentos em vídeos, expõe a nudez de pais, padrasto, avô, bisavô. Para eles, há um capítulo a ser contado. “Em nome do pai” é o retrato da geração de novos pais que precisam ficar de pé e enxergar o mundo com olhos especiais.

Reportagem: Alice De Souza e Silvia Bessa
Fotografia: Rafael Martins

Erick Klepton

Erick lembra os detalhes da roupa usada no dia em que o filho Enzo estava para nascer. Era uma bermuda e uma camisa listrada. Estava no trabalho e viveu o dilema entre conhecer o filho esperado por ele e pela mulher Vanessa ou perder o emprego. Se a vida de um pai provedor é difícil, de um pai especial seria pior – pensou. Depois de 24 horas conheceu o menino com quem sonhava jogar futebol. Erick diz que se tornou outra pessoa após a chegada de Enzo e os desafios trazidos pela condição dele, um bebê portador de microcefalia, com alterações de desenvolvimento no cérebro e na coordenação motora. Vive em lamentos, mas enfrenta com altivez o preconceito nas ruas e, com coragem, fala sobre a falta de apoio psicológico para os pais nas instituições públicas. Erick Klepton tem 25 anos e morava até pouco tempo na Comunidade do Detran, área pobre da Zona Oeste do Recife. Mudou-se. Depois da gravação deste depoimento, separou-se de Vanessa, mãe de Enzo. Perdeu o emprego de ajudante de pedreiro. É pai de uma menina e de Enzo.

Filipe Souza

Filipe não aceitou o diagnóstico da filha – reconhece. O primeiro questionamento que fez foi a Deus. Reclamou, inconformado, o destino. Quando resolveu sair da depressão na qual se encontrava, sofrido com a notícia de que a filha Graziella Vitória tinha microcefalia, fez mais não só por ele. Filipe fundou o grupo de WhatsApp União de Pais de Anjos, o Upa, para que pais possam se comunicar, trocar experiências e ajudas. Fez a diferença nas dependências hospitalares, onde homens se encontram entre uma consulta e outra de seus filhos. As reflexões de Filipe são generosas e francas. Ele dá um testemunho dramático. Não poupa detalhes de suas dúvidas e tristezas. Aos poucos, vem descobrindo alegrias junto à mulher, Inabela, e nas capacidades desenvolvidas por Graziella. Filipe tem 29 anos e é assistente de prevenção de perdas numa empresa privada. A família reside no Alto José Bonifácio, bairro da Zona Norte do Recife.

José Pedro

José Pedro é o ombro que sustenta a mulher, Érica. Chorou um único dia ao saber pela sogra que sua bebê tinha microcefalia. Depois, engoliu o choro. Para ele, homem precisa ter “casca grossa” e amparar as mulheres. Vive dia por dia com a família, desde que a sua esperança de um falso diagnóstico foi por água abaixo. A rotina dele parece feliz e cabe até uma canção abraçada com a filha no meio das tardes. A tensão, no entanto, esconde-se em cada quilômetro que separa a comunidade rural de Pacas do centro da cidade de Vitória de Santo Antão, longe 49 quilômetros do Recife. A estrada é feita de barro e só não é mais instável que a saúde de Emilly. José Pedro perdeu o emprego numa usina de cana-de-açúcar e hoje faz bicos como mototaxista. Não poderia ser diferente para ser o pai que gosta de ser, presente na rotina de viagens da menina até a capital. José Pedro tem 36 anos, é pai de Evelyn, Emilly e está determinado a ter um terceiro filho, um homem.

Waldir da Silva

Waldir trinca os dentes para falar do quanto seu casamento com Daniele mudou desde que Juan nasceu. Parece intimidado como homem, marido e pai diante da sua decisão de deixar a casa, a mulher e o filho. Juan chorava, Daniele se dedicava à criança. Waldir afirma que, para ele, ficou insuportável lidar com a suposta falta de atenção para com suas angústias. No mesmo período em que descobriu a malformação do filho, ficou desempregado. “Tudo de uma só vez”, lembra, para então dar uma das declarações mais fortes entre todas as confidências ouvidas neste especial. Waldir diz que compreende quando um homem usa medidas radicais, toma um remédio e desaparece. Poucos foram tão longe em suas revelações. Waldir, 40 anos, não cansa de declarar seu amor por Juan, o bebê que desejava para levar à frente o legado de seu sobrenome. Hoje, mora em outra cidade, Vitória de Santo Antão, e visita Juan todas as semanas.

Laurinaldo Júnior

Laurinaldo Nascimento é do tipo de pai bem-humorado. Seu empenho como acompanhante assíduo da mulher, Jemina, às consultas e terapias de Luana chama a atenção de quem vive em unidades hospitalares, no universo de bebês com a síndrome congênita do zika. Em três palavras dele, duas é família. Laurinaldo, conhecido como Júnior, dedica-se com empenho à rotina de Lucas, o filho mais velho, e Luana, bebê que nasceu com malformação. Júnior foi a aceitação em forma de pai e teve clareza de como agiria diante da surpresa. Um dia, quando cogitaram fazer um exame intrauterino para constatar uma síndrome ou qualquer outra falha no desenvolvimento da sua bebê, deu um “não” aos médicos. Se havia risco de perdê-la, não permitiria tal invasão ao corpo de Jemina e a Luana, ainda em formação. De médico, Júnior tem o que falar. Nesta entrevista, ele narra como foi difícil lidar com um profissional “sem coração”, portador de uma notícia que mudaria a vida de todos. Júnior tem 32 anos, é um profissional da área de refrigeração, mas há pouco ficou desempregado.

Paulo Andrade

Paulo é meio avô, meio pai, meio mãe. Por se identificar com os cuidados maternos, em tempo integral, é o único participante do sexo masculino do grupo de mães do WhatsApp – um aplicativo de celular que permite mensagens instantâneas. Paulo é avô de Letícia Vitória, filha de sua jovem filha. Pintor desempregado, não viu outra alternativa para a criança e assumiu de corpo, alma e coração quem ele chama de “princesinha da casa”. Com Letícia, todos os adjetivos são diminutivos. Paulo cuida de Letícia, do cachorro da casa, das panelas da cozinha, da limpeza do chão. Para a menina, canta músicas infantis e evangélicas. O colo dele é mais quente que todos. Dia e noite os dois se abraçam em um colchão instalado na sala da casa simples dele e da família, no município de São Lourenço da Mata, Região Metropolitana do Recife. “O fundamento do amor é amar”, sintetizou ele. Paulo crê na força de Deus e usa a religião para se confortar: “Se ele nos mandou ela assim, é porque sabe que temos força para cuidar”, diz este, um homem de 45 anos e muitas histórias para contar.

Luiz Gustavo Teixeira

Gustavo abraçou Eduarda como opção de vida. Sabia que ela tinha microcefalia, sofreu por vezes quando a garotinha estava em uma Unidade de Terapia Intensiva de um hospital e foi aprendendo a amá-la como extensão da mulher com quem pretendia casar, Elaine. Gustavo é padrasto. Faz questão, no entanto, de que socialmente seja conhecido como “o pai de Dudinha”, porque é assim que ele sente. Elaine garante que, depois que ele foi morar com a filha mais velha dela, Ellen, e Eduarda, a bebê passou a ser mais sorridente e a responder a estímulos. Gustavo concorda e parece orgulhoso das conquistas da sua menina, como a simples autonomia ao coçar sozinha as próprias costas. A medicina não detectou a causa da microcefalia de Eduarda, hoje com 5 anos. Mas os recentes casos de microcefalia por zika passaram a fazer parte desta família. Gustavo é experiência e dá conselho aos que o procuram. “Dificuldades todo mundo tem, mas se supera”, diz. Gustavo tem 38 anos e trabalha como líder técnico em uma indústria. Mora com Elaine em Olinda, Região Metropolitana do Recife.

Fábio Bezerra

Fábio Bezerra disse que desejava muito um filho com sua mulher, Juliana. Santiago, o bebê deles, chegou como um presente. O surto de zika e microcefalia trazia expectativa maior, mas nenhum exame apontava que Santiago seria uma vítima. Ele programou o parto de Juliana em um dos melhores hospitais do Recife, brigou com o plano de saúde particular que havia negado o direito de cobertura ao nascimento e ganhou. No parto, os olhares dos médicos denunciavam algo novo. Ele desconfiou. Exames, medições e três dias depois o diagnóstico foi anunciado. O que ele e a mulher viveram a partir dali foi uma montanha-russa: um mês sem saber lidar com choros e apoios institucionais, até que um agente de saúde do governo os ajudou. Os conflitos em casa não contaram com a mesma sorte. Fábio e Juliana se separaram. Hoje Fábio mora com a mãe no bairro do Arruda, Zona Norte do Recife, e tem as praças próximas de onde a criança reside com a família materna e os hospitais como ponto de encontro. Garante que não vai desistir de reconquistar a mãe do filho. “Sinto muita falta dos dois”. Fábio tem 28 anos e está desempregado. Trabalhava como colaborador de uma agência de publicidade do pai dele.

Wilson de Araújo

Wilson é um senhor de 77 anos. Pai de uma jovem com Síndrome de Down e agora bisavô de um menino com microcefalia. Neste depoimento dele, é possível notar o quanto o ângulo de visão muda a perspectiva do quadro vivido por este homem. Seu Wilson usa uma linguagem simples, até crua, mas o amor que ele dedica ao bisneto que sequer sabe o nome parece ser visceral. Doente, após ter passado 17 dias hospitalizado com problemas respiratórios, Wilson concedeu essa entrevista determinado a dar sua contribuição para quem está só começando como referência paternal de uma vida especial. Aqui, ele foi enfático em seu sonho maior: ver seu bisneto entrar em sua casa andando para lhe pedir a bênção, como todos os outros. Ex-cobrador de ônibus aposentado, seu Wilson mora numa rua sem saída, no bairro de Apipucos. Só bisnetos, tem 14.

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Expediente

Publicado em 10 de agosto de 2016

Diretora de redação: Vera Ogando
Reportagem: Alice De Souza e Silvia Bessa
Fotografia: Rafael Martins
Produção: Alice de Souza
Roteiro e edição de texto: Silvia Bessa
Editora-chefe de multimídia: Jaíne Cintra
Edição de Imagens: Rafael Marinho
Abertura e finalização: Jaíne Cintra
Web: Bosco