Em tempo de páscoa, a via crucis da Paixão de Cristo é reproduzida em cada recanto do país nesse mês de abril. Já a via crucis do segurado do INSS é o ano todo para fazer valer seus direitos previdenciários. E, parece, que quanto menos assistido, mais espinhos brotam no caminho. Um deles é o enquadramento técnico do acidente ou doença profissional, que pode ser feito com a CAT. Prevista na Lei n.º 5.316/67, a sigla significa Comunicação de Acidente de Trabalho e foi consagrada pela Lei n.º 8.213/91 que em seu artigo 22 diz que todo acidente do trabalho ou doença profissional deverá ser comunicado pela empresa ao INSS, sob pena de multa em caso de omissão.

Assim, ocorrendo morte do trabalhador, doença de latência tardia (mais comum nos casos de doenças ocupacionais), acidente, lesão parcial ou doença profissional equiparável à acidente de trabalhado, o empregador deverá emitir o formulário com a ocorrência do infortúnio. De posse dela, o acidentado (ou seus dependentes) poderá requerer benefício acidentário: auxílio-doença (espécie 91), auxílio-acidente (espécie 94) ou aposentadoria por invalidez (espécie 92).

A CAT corresponde, então, a uma confissão do empregador. O grande problema é que o registro relatado na CAT pode ser fato gerador de inúmeras consequências jurídicas, não só em face do INSS, mas contra o próprio empregador.

O acidente do trabalho pode ensejar estabilidade provisória acidentária (12 meses de vínculo do empregado na empresa), necessidade do empregador depositar o FGTS enquanto perdurar o afastamento, processo criminal, indenização por responsabilidade civil (danos material, moral e estético), suspensão do contrato de trabalho, fiscalização e multas do Ministério do Trabalho, indisposição com o sindicato de classe, ação regressiva do INSS contra o empregador, entre outras repercussões.

Diante disso tudo, não é raro o empregador dificultar a entregar ou sonegar esse documento, engrossando o número de subnotificações de ocorrências de natureza acidentária. Contudo, existem mecanismos legais para coibir essa omissão, como multas e a possibilidade de terceiros emitirem o documento, como: o médico que atendeu o trabalhador, o sindicato, qualquer autoridade pública (inclusive a autoridade policial) e o próprio acidentado ou seus dependentes.

Mesmo assim, a solução legal nem sempre surte muito efeito na prática. O calvário daqueles que necessitam obter o documento é grande. O médico do trabalho, que tem maior proximidade com o funcionário no ambiente profissional, fica entre a ‘cruz e a espada’ em produzir prova contra aquele que garante seu salário e, normalmente, ratifica a postura do patrão em omitir o imbróglio. Médicos do SUS ou particulares, não raro, são recalcitrantes em ‘descer o verbo’ nesse documento de tantas implicações jurídicas. Se o sindicato for do tipo ‘pelego’, então jamais o segurado saberá a cor da comunicação. A autoridade pública redunda quase sempre no escrivão de polícia, que muitas vezes enxota o trabalhador da delegacia sob o argumento de que isso foge de suas atribuições.

Outra hipótese é o próprio trabalhador emitir o documento. Partindo do pressuposto que ele seja alfabetizado e possua computador, basta fazer o download do ‘Manual de Instruções’ do sítio da Previdência e terá toda a orientação nas 22 páginas do material, que também demanda conhecimentos técnicos. Se quiser cadastrar a CAT diretamente no INSS, faz um download para copiar o programa de instalação do CAT via internet para o computador. Superando tais detalhes, cabe fazer perguntas pertinentes ao assunto: sinceramente, será que esse documento emitido pelo trabalhador possui o mesmo peso de um emitido pelo patrão ? O empregado vai usar essa prova, que ele mesmo produziu e assinou, para fundamentar uma ação de responsabilidade civil contra o empregador?

Como autoridade pública, o setor de perícia médica do INSS também tem competência para reconhecer o nexo entre o acidente/doença e o trabalho exercido, podendo se valer da ouvida de testemunha, fazer diligências ou mesmo vistoriar o ambiente do local do trabalho. Na prática, esses profissionais, mau remunerados e assoberbados de serviço, não se empenham tanto na investigação da origem do problema e nem sempre enxergam o liame da doença e o tipo da atividade profissional.

Com efeito, o segurado receberá um benefício previdenciário, como auxílio-doença comum (espécie 31) ou aposentadoria por invalidez (espécie 32), além de ser tolhido das demais consequências que um acidente de trabalho pode causar.

Nesses casos de não reconhecimento do acidente de trabalho por ausência de CAT, o trabalhador terá de enfrentar outra via crucis na esfera judicial para corrigir essas distorções. Boa páscoa e até a próxima.