Mundial manchado

Título gaúcho de 1979, o "maior" da carreira de Paulo Cezar Lima pelo GremioA resposta parece óbvia.

Qual é o título mais importante, o Mundial Interclubes ou o Campeonato Gaúcho?

O Mundial, na minha opinião. Na sua também? É claro que sim…

Mas não foi para o ex-ponta esquerda carioca Paulo Cezar Caju.

Campeão gaúcho em 1979 e mundial em 1983, já com 34 anos, pouco antes de encerrar a carreira.

Ele vestiu a camisa do Grêmio nas duas conquistas.

Durante o evento Toque de Classe, na noite de terça-feira, eu questionei o ex-craque sobre a denúncia feita por ele em sua biografia – lançada em 2006 -, na qual os gremistas teriam se dopado na final do Mundial, em 11 de dezembro de 1983, quando o Tricolor Gaúcho venceu o Hamburgo (ALE) por 2 x 1.

Como a denúncia acabou rendendo uma série de ameaças de processo por calúnia e difamação (dos ex-companheiros e do presidente do clube, Paulo Odone), Paulo Cezar se esquivou, mas nem por isso deixou de alfinetar o maior título do clube de Porto Alegre.

Paulo Cezar, hoje colunista, critica bastante a Seleção Brasileira atual“Eu passei duas vezes pelo Grêmio (em 1978/1979 e em 1983), e a minha maior conquista lá foi, sem dúvida, o Estadual de 79. Muito mais que o Mundial. Aliás, aquilo não era o Mundial, mas sim a Copa Toyota. Um jogo no Japão para ganhar dinheiro, sem times da África e da Ásia. No campeonato gaúcho foi diferente. Lá, a gente sofreu muito. Apanhamos muito no interior, onde é difícil demais de jogar. Torcida próxima, pressão. Aquele título me marcou. Não o Mundial”, afirmou o polêmico Paulo Cezar Lima, que ganhou o apelido por ter pintado o cabelo de acaju na década de 1970.

Abaixo, o trecho do livro autobiográfico no qual o ex-atacante denunciou o suposto doping. Depois, o trecho foi cortado pela editora, a pedido de Paulo Cezar. Confira:

“Na véspera do jogo, dois jogadores sugeriram que nós tomássemos bolinhas para aumentar o rendimento. Eu fiquei revoltado e muito triste e não admiti isso. Sempre fui limpo e não podia aceitar aquilo. Mas não adiantou e alguns jogadores tomaram a droga”.

Atualmente, Paulo Cezar Caju, de 59 anos, assina uma coluna esportiva nas terças-feiras no Jornal da Tarde (do Rio), onde começou a trabalhar em maio deste ano. Ele faz questão de dizer que aproveita todo o espaço de suas colunas para mostrar a sua indignação com o atual momento do futebol brasileiro.

“Hoje a bola está maltratada. Antes, até zagueiro era bom de bola. Jogava bonito. O jogo era mais bonito. Atualmente, não temos uma Seleção Brasileira. Temos é uma Seleção gaúcha, desde 2002. É só porrada. A bola não corre de jeito nenhum”.

Mundial de 1983. Doping? História – Paulo Cezar Lima foi um dos jogadores mais polêmicos da história do futebol brasileiro. Nascido na favela carioca da Cocheira, fincada no bairro de Botafogo, o jogador concretizou o sonho de virar profissional na Estrela Solitária. E de mudar de vida também.

Bicampeão carioca em 67 e 68, acabou indo para a Seleção. E com 21 anos, numa ascensão meteórica, foi campeão da Copa do Mundo de 1970. Alheio a esse crescimento, o jogador, ainda conhecido como “Paulo Cezar”, começava a sua fama pela noite carioca.  Carros, mulheres… e até futebol. Craque nos campos, o ponta-esquerda não abria mão do perfil “bon vivant”.

Após uma saída conturbada do Botafogo, acabou indo para o Flamengo em 1972. A partir dali, ele passou a mudar constantemente de equipe. “Sempre troquei de time por interesses profissionais”, disse Caju à revista Placar, em 1979. Um jogador com uma visão de mercado bem à frente de seu tempo.

Curiosidade – Apesar das dificuldades relatadas por Paulo Cezar, o Grêmio foi campeão estadual em 1979 com uma campanha avassaladora. Foram 52 jogos, com 42 vitórias, 9 empates e apenas 1 derrota. Você pode conferir essa campanha AQUI.

O Mundial de 1983 foi conquistado na prorrogação. Naquela final, Paulo Cezar foi substituído por Caio. Veja ficha da partida AQUI.

Cerveja, futebol, medicina e política

Sócrates defende a profissionalização dos dirigentesSócrates nunca negou que gosta de uma boa cerveja gelada. Aos 54 anos, ele admite que gostaria de parar de fumar, mas ainda não conseguiu largar o vício. Carismático, o ex-craque do Corinthians e da Seleção Brasileira roubou a cena ontem à noite, durante o evento Toque de Classe, que aconteceu nos Aflitos, e que também contou com a participação dos ex-craques Paulo Cezar Caju, Nelinho e Raul Plassmann. Zé do Carmo e Lúcio Surubim foram os convidados especiais.

Bastava um dos amigos começar a falar na palestra para “Magrão”, como o doutor também era conhecido nos gramados, começar a provocar, com muito bom humor.

Paulo Cezar Caju, organizador do evento, abriu a palestra, após um vídeo com grandes momentos de sua carreira, no futebol carioca.

“Essa idéia surgiu quando eu estava no Rio de Janeiro, lançando a minha biografia”, dizia PC, até que…

“Mas você está gordo, hein?!”, gritou Sócrates, que ainda não havia sequer sentado à mesa de debate. O ex-meia aproveitava os últimos instantes para pedir mais uma cerveja no balcão.

Paulo Cezar tentou conter o riso e seguiu falando. Passou a apresentar os demais integrantes do Toque de Classe.

"Eles são meus amigos!? Mais ou menos...", brincou SócratesTranquilão, Sócrates finalmente subiu no palco armado no bar Spirit Hall.

Olhou para a platéia (mesas lotadas), e comentou de leve:

“Mas só tem homem aqui… Não tem jeito. As mulheres gostam mesmo é do Raí”, numa clara referência ao irmão mais novo, ídolo do São Paulo nos anos 90.

Quando Zé do Carmo brincou com a fama de boêmio de Paulo Cezar Caju (“Ele era o negão das louras”), Sócrates completou: “Eu adoro uma loura também. Gelada”.

Entre um chope e outro, Sócrates relembrou alguns ‘causos’ que marcaram a sua carreira. Em um deles, contou sobre a excursão do Timão ao México, na década de 1980, com a companhia de Paulo Cezar Caju, já veterano na época.

Ídolo diz que o futebol evoluiu apenas fisicamente “Numa folga lá, fomos para um bar e começamos a beber cerveja. Paulo chegou falando francês e pediu champanhe. Olhei desconfiado, mas a diversão do grupo seguiu. Depois, ele pediu mais uma taça. Minutos depois, Paulo foi para o banheiro. E nunca mais voltou. Estava sem dinheiro. Os outros jogadores tiveram que pagar a conta dele. E ali nascia a ‘Democracia Corintiana’”, disse Sócrates, contextualizando o episódio com o movimento que entrou para a história do clube paulista, no qual todas as ações eram decididas no voto, entre todos os funcionários.

Apesar das brincadeiras, também houve espaço para seriedade, como no momento em que falou sobre o jogador brasileiro.

“O jogador brasileiro é uma criança, e é fácil de ser manipulado. Um jogador só deveria se profissionalizar se tivesse pelo menos o ensino fundamental. Mas não… O cara nasce na favela e quer sair do buraco jogando bola, como o ídolo dele, que nunca estudou também. Ele precisa estudar, porque se não der certo no futebol, já teria um caminho para conseguir outra formação”.

Depois, criticou o modelo de gestão da maioria dos clubes brasileiros (após ser questionado sobre a situação do Santa Cruz).

“Não existe um modelo padrão para comandar um clube. O que existe é uma boa gestão. Não tem mais espaço para aquele dirigente cego pelo time, que faz tudo pelo seu clube do coração, mas que não é preparado para a função. O dirigente precisa ser profissional e responsável. A legislação precisa passar a punir de vez os responsáveis pelas grandes crises nos times”.

Finalizou comentando sobre o gol mais bonito. A resposta foi curiosa…

“Não lembro de um gol mais bonito. O que eu tinha mais prazer mesmo era dar o passe para o gol. E aí, todos foram bonitos”.

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de OliveiraHISTÓRIA – Revelado pelo Botafogo de Ribeirão Preto, em 1973, Sócrates teve um início de carreira bem incomum no futebol. Craque, logo chamou a atenção de grandes clubes. No entanto, Sócrates só deixou o Botafogo após concluir o curso de medicina, em 78.

Consciente de que a carreira no futebol é curta, o então jovem estudante queria garantir um emprego após pendurar as chuteiras. Como não poderia deixar de ser, ganhou o apelido de “Doutor Sócrates” no mundo da bola. Quando começou a se destacar no Paulistão de 1976 (no qual foi o artilheiro, com 15 gols), Sócrates estava no 3º ano da faculdade. Mal tinha tempo para treinar.

Estudava a semana inteira e se “dedicava” ao futebol nos finais de semana. Mesmo assim, conseguiu mostrar o seu potencial, com toques refinados, gols de falta… E também de calcanhar.

"Cerveja boa é cerveja gelada"Líder nato onde jogou, Sócrates sempre foi ligado aos temas políticos. Com a ajuda dos companheiros no Corinthians, ele idealizou a Democracia Corintiana, movimento de “autogestão” nos 80. “Vivemos num país melhor do que há 20 anos, mas muito longe do ideal. Sou apaixonado por essa nação, e não aceito uma estrutura social tão falha”.

Depois, participou das “Diretas Já”, em 1984, quando foi garoto-propaganda da campanha que pedia a volta das eleições diretas para presidente no país. Ele discursou em comícios.

O irmão Raí foi campeão do mundo com a Seleção em 1994. Sócrates não teve o mesmo prazer. No entanto, integrou a grande Seleção de 1982, que brilhou no Mundial da Espanha. O meia marcou dois belos gols na competição, um contra a União Soviética e outro contra a Itália, no fatídico jogo em que Paolo Rossi fez todos os gols da Azzurra na vitória por 3 x 2, que acabou mandando o Brasil para casa. Mais cedo do que devia… Hoje em dia, além da medicina, Sócrates também é articulista da revista Carta Capital.

Ficha técnia

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira
Naturalidade: Belém/PA
Nascimento: 19 de fevereiro de 1954
Atuou como meia

Sócrates brilhou na Seleção Brasileira de 1982Carreira
1973/1978 – Botafogo (SP)
1978/1984 – Corinthians
1984/1985 – Fiorentina (Itália)
1986/1987 – Flamengo
1988 – Santos
1988 – Botafogo (SP)

Títulos
Campeonato Paulista – 1979, 1982 e 1983
Campeonato Carioca – 1986
Na Seleção Brasileira: 60 jogos (23 gols)
Participou das Copas do Mundo de 1982 e 1986

Fotos: Alexandre Gondim/DP

Histórias da bola

Quatro craques do passado. Quatro histórias que se cruzaram pelos gramados em grandes clássicos do futebol brasileiro.

O "Doutor Sócrates". Política, medicina e futebol, muito futebolPonta-esquerda nato, Paulo César Caju infernizava as defesas. À noite, curtia a glória em alto estilo...Um foi médico, ativista político e craque. O nome dele? Curtinho: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira. Dos gols de calcanhar pelo Timão até a luta pela democracia no país, em 1984. Dos estudos em Ribeirão Preto até os excelentes artigos na Carta Capital.

O segundo comandou as noites cariocas nos anos 70. De cabelo pintado de acaju, idéias avançadas para a economia do futebol da época e sempre polêmico. E isso tudo sem deixar de jogar muito bola. Paulo César Caju era o cara.

Nelinho, o Canhão do MineirãoNo início, as camisas de goleiro com as cores azul ou amarelo eram motivo de chacota. Mas o padrão virou a marca registrada de Raul. E que hoje está na modaJá o terceiro era o dono do lado direito do Mineirão. Não importava a camisa. Azul e estrelada, como a do Cruzeiro, ou alvinegra, como a do Atlético. Bola parada era sinônimo de míssil. Certeiro. Nelinho cansou de marcar golaços que faziam o Mineirão balançar.

O último defendeu o quanto pôde a camisa do clube mais popular do país. O Flamengo, a partir de sua chegada, coincidentemente, decolou. Decolou até Tóquio. Onde ganhou o mundo. O goleiro Raul Plassmann evitou a alegria de muitas torcidas.

Sócrates, hoje com 54 anos, Paulo César Caju, 59, Nelinho, 58, e Raul, 64, estarão reunidos a noite desta terça-feira na Spirit Music Hall, nos Aflitos, onde participarão da mesa debates Toque de Classe, com futebol, cerveja e boas histórias.