Capitão Suassuna, mais um pernambucano rebelde

Rico, de família aristocrática, ele arriscou tudo pela independência do seu país na chamada “Conspiração dos Suassuna”

Arte: Greg/DP

Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, mais conhecido por Capitão Suassuna, nome de um dos engenhos da sua família, corria um sério risco de vida, em fevereiro de 1802. Ainda jovem, aos 32 anos, dono de muitas propriedades, oficial do Corpo de Artilharia do Recife, comandante da freguesia do Cabo, ele estava trancafiado há nove meses no Forte das Cinco Pontas, juntamente com seu irmão Luís Francisco, ambos acusados de conspirar contra Portugal, pela independência do Brasil. E, ao final de uma grande devassa feita pelo juiz Antônio Manoel Galvão, o futuro deles passara a depender das vontades de Deus e do regente do Reino, o príncipe D. João. Tanto poderiam ser libertados quanto pendurados numa forca, tal como o mineiro Tiradentes, 26 anos atrás.

A decisão viria na próxima nau de Lisboa…

ORGULHO DE NOBRE

Francisco de Paula era membro de uma numerosa e aristocrática família surgida nos tempos da fundação de Pernambuco. E, ao lado do irmão, há alguns anos participava do “Areópago de Itambé”, uma loja maçônica fundada pelo grande cientista e filósofo paraibano, monsenhor Arruda Câmara, que estudara na Europa e vira de perto a “grande revolução” francesa. Desta associação secreta faziam parte senhores de engenho, padres, militares e advogados, os melhores dentre os poucos homens ilustrados que havia, então, em Pernambuco.

“Areópago”, aliás, significa “reunião de sábios”, em grego.

Nos encontros desse grupo, o Suassuna participava com entusiasmo das discussões sobre os aspectos práticos – militares e econômicos – da luta pela independência. Mas, quando o assunto era as obras dos filósofos franceses, o evangelho dos revolucionários daquele tempo, seu interesse era menor. Para ele, tudo aquilo, no fundo, seria apenas fantasias de letrados, que costumavam vagar e ser perder no território dos sonhos.

Liberdade? Igualdade? Fraternidade? Essas palavras não constavam das cartilhas dos senhores de engenho. Alforriar os escravos, como queria Arruda Câmara? Quem, então, lhes plantaria e colheria a cana, fabricaria o açúcar, cuidaria da casa e ainda lhes serviria de objetos sexuais? O motor da rebeldia do capitão era outro. O que o fazia conspirar, pondo a vida em risco, era a sua insatisfação de “nobre”, de descendente dos aristocratas portugueses desbravadores desta terra, cujos direitos e regalias estavam sendo frustrados pela ordem colonial portuguesa.

Ora, além de explorados pelos “mascates” lusos que, monopolizando o comércio, compravam o açúcar aqui produzido pelo preço que queriam e vendiam suas mercadorias por quanto desejavam, os “principais” da terra tinham pouca influência no governo e eram constantemente humilhados. O pai dele, por exemplo, o venerável senhor Francisco Xavier, solicitara ao rei o título de fidalgo e cavaleiro, aos 71 anos de idade, mas a honra lhe fora negada.

Portanto, se não havia outro remédio, se a corte só fazia ouvidos de mercador aos protestos dos pernambucanos ilustres, não lhes restava alternativa senão se rebelarem – como, aliás, já haviam tentado, em 1710, sem sucesso.
Só faltava uma boa oportunidade para isso.

AJUDA FRANCESA

Então, a França, sob o comando de Napoleão, entrara em guerra com a Inglaterra. E, em abril de 1801, os Suassuna receberam duas cartas de outro irmão, José Francisco, residente em Lisboa, alertando que a Espanha, aliada dos franceses, “iria sobre Portugal”, um aliado dos ingleses. A ocasião esperada, portanto, parecia estar surgindo. Ora, os norte-americanos não haviam se libertado dos britânicos com ajuda gaulesa, em 1776? Pois talvez fosse chegada a hora de os brasileiros se livrarem dos portugueses, com esse mesmo apoio.

O entusiasmo com essa nova, contudo, fizera Francisco de Paula cometer um erro. Ele mostrara as cartas ao comerciante e capitão de milícias José da Fonseca Sampaio, tentando conquistá-lo para a causa. Mas Sampaio, em vez disso, o delatara ao juiz Antônio Galvão, que agira imediatamente. Afinal, Pernambuco era estratégico. Além de rico e bem povoado, era vastíssimo, estendendo-se da vila de Goiana, ao norte, até o rio São Francisco, ao sul, incluindo Alagoas e a metade da Bahia atual. E ainda controlava, militar e administrativamente, a Paraíba, o Ceará, e o Rio Grande do Norte. Perdê-lo seria um prejuízo imenso para Portugal e um péssimo exemplo para as outras capitanias lusas.

Na mesma noite, Francisco de Paula e Luís Francisco foram presos. E no dia seguinte abriu-se uma grande devassa.

Agraciado e condecorado, porém, patriota

Os irmãos Suassuna, contudo, souberam se esquivar dos laços armados pelo inquisidor. Negaram tudo, juraram amar seu soberano e afirmaram estar sendo incriminados injustamente. Acareado com José Sampaio, Francisco de Paula acusara o delator de ser maluco, ou de estar sendo pago para fazer aquilo, por algum inimigo seu. Ou, talvez, tudo se devesse aos ciúmes que Sampaio tinha de certa moça, com ele…

A riqueza e as conexões políticas dos Cavalcanti de Albuquerque também trabalharam a seu favor. Foram ouvidos 84 depoentes e nada se apurara. Para todos os arrolados, os Suassuna eram homens bons e tementes a Deus e ao rei. E, para completar o desapontamento do juiz Galvão, o escrivão José Francisco Monteiro aparecera certo dia em sua casa, quase aos prantos, para lhe comunicar que uma carta encontrada na casa de Luís Francisco, a única evidência material contra os réus, até então sob a custódia dele, desaparecera misteriosamente…

Na corte, vozes também se ouviram a favor dos irmãos. E, ao final, o rei não só os libertou e levantou o sequestro dos seus bens como ordenou “que fosse posto perpétuo silêncio sobre todo esse negócio”. A guerra entre Portugal e Espanha, por sua vez, durou apenas 18 dias, terminando com um acordo firmado em Badajoz.

Solto, Luiz Francisco conseguiu o posto de coronel do Regimento de Infantaria de Olinda e Francisco de Paula retomou o comando da freguesia do Cabo. Em 1804, este último também se tornou capitão de ordenanças de Jaboatão e cavaleiro da Ordem de Cristo, pela contribuição de cinco contos de réis para despesas extraordinárias da coroa. No ano seguinte, foi nomeado capitão de Olinda, e, três anos depois, elevado a cavaleiro da Casa Real, como seu pai tentara e não conseguira.

Porém, mesmo portando tantos títulos concedidos pelo rei, Francisco de Paula se rebelou novamente, na Revolução de 1817, assim como seu irmão Luís Francisco. Com o posto de general, ele comandou as tropas pernambucanas nas batalhas do Engenho Utinga, da qual saiu vitorioso, e do Engenho Trapiche, na qual foi derrotado. Em consequência, penou mais quatro anos nas masmorras de Salvador, até ser libertado outra vez, pela anistia de 1821. Doente e abatido pelas condições da prisão, porém, morreu oito dias depois de voltar para Pernambuco.

Os Cavalcanti de Albuquerque

Esta família teve início com Jerônimo d’Albuquerque, irmão de D. Brites, esposa de Duarte Coelho, o primeiro donatário de Pernambuco. Derrotado e aprisionado num combate travado contra os índios tabajaras, no qual perdeu um olho, vazado por uma flecha, Jerônimo foi salvo por Tabira, a filha do cacique, que rogou ao pai pela sua vida, e com ela teve oito filhos, entre os quais uma Catarina. Que, por sua vez, casou-se com Felippe Cavalcanti, um florentino que veio para cá fugindo dos poderosos Médici, senhores da sua cidade. E os descendentes desse casal tiveram grande influência na vida política de Pernambuco, nos séculos seguintes.

Ideias francesas

Os pensadores políticos discutidos no Areópago de Itambé eram quase todos franceses e proibidíssimos no reino português. Além dos famosos Rousseau, Voltaire e Montesquieu, havia Corneille e Moliére, com suas sátiras à aristocracia; Diderot e D’Alembert, com a “Enciclopédia”; e Erasmo, com o “Elogio à Loucura”; além de Volney, Raynal, Genovese, Locke, Benjamin Costant, Blackstone, Grócio, Puffendorf, Marmontel, Mably, Fontenelle, Helvetius e o abade Pluquet. As principais obras científicas eram as de Bacon, Descartes, Leibniz, Lineu, Buffon e Lavoisier, e na economia reinava o inglês Adam Smith.

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