Maria Graham, a inglesa que retratou Pernambuco

Ela descreveu o povo, a natureza e os costumes locais, e acompanhou de perto duas grandes rebeliões

Lady Maria Dundas Graham arribou aqui pela primeira vez em 21 de setembro de 1821, a bordo da fragata Doris. Era um dia de muito vento, mar agitado, e a turbulência entrava pela terra adentro, pois o Recife estava cercado por pernambucanos que queriam tirar o governador português Luís do Rego do seu posto.

Na verdade, todo o Reino de Portugal, Brasil e Algarves andava, então, sobressaltado. Um levante iniciado na cidade do Porto, em 1820, com apoio das forças armadas, obrigara o rei D. João VI a jurar uma constituição e a voltar para Lisboa, deixando o Rio de Janeiro, onde vivia desde 1808. E nas províncias brasileiras formavam-se juntas para substituir os governadores nomeados por ele. Mas, em Pernambuco, como Luís do Rego não queria sair estavam tentando derrubá-lo, quando a lady chegou.

Esta senhora de 36 anos era famosa na Inglaterra como autora de livros infantis e de viagem, além de notável pintora e ilustradora. Casada com Sir Thomas Graham, já vivera com o marido na Itália e na Índia, países sobre os quais publicara livros. E nos anos seguintes também faria registros sobre o povo, a natureza e os costumes do Brasil, em geral, e de Pernambuco, em particular, onde também testemunhou o Movimento Constitucionalista de 1821 e a Confederação do Equador, em 1824.

CIDADE SITIADA

A primeira coisa que chamou a atenção da inglesa foi os arrecifes ao longo do litoral, “certamente, uma das maravilhas do mundo”. E, em seguida, as jangadas, um tipo de embarcação como ela nunca vira antes, mesmo já tendo percorrido metade dos mares do planeta. Já o Recife lhe pareceu bem adequado para o comércio, pois possuía um excelente porto e era rodeado de rios de águas cristalinas, que serviam tanto para o transporte quanto para a defesa da praça.

Apesar do cerco promovido pelas tropas do interior, na capital não havia fome, pois não faltavam farinha de mandioca, carne seca e peixe salgado, trazidos pelo mar; mas os sitiadores impediam a entrada de leite, frutas e verduras, por terra. Todas as lojas estavam fechadas e os objetos de valor eram encaixotados e guardados nas casas dos comerciantes ingleses, que às vezes também abrigavam famílias inteiras. E “tudo estava em alarme e incerteza, com canhões e soldados por toda parte”.

Maria Graham teve diversos encontros sociais com Luís do Rego e sua esposa, mas também esteve com os nativos rebeldes. Um grupo de tripulantes da Doris foi negociar com eles o fornecimento de alimentos frescos e a lady, ousadamente, conseguiu se encaixar nessa comitiva.

A JUNTA DE 1821

O quartel-general dos insurgentes fora instalado num casarão “com ares de palácio”, a poucas milhas do Recife, em torno do qual estavam acampados “uns duzentos homens de aparência selvagem, com trajos e armas de inúmeras qualidades e de todos os tons de cores, desde o pálido europeu ao ébano africano”. Lá, Lady Graham foi apresentada aos membros da junta que pretendia assumir o governo e ouviu um longo discurso sobre as injustiças praticadas na província por Luís do Rego. Eles alegavam defender uma causa justa e não se consideravam rebeldes, pois marchavam sob a bandeira de Portugal. Aquela fala lembrou à viajante “alguns dos mais bem escritos manifestos dos revolucionários da Itália”, e “havia qualquer coisa no ar, nos modos e na cena, parecida com os comícios que eu assistira naquele país europeu”.

Os brasileiros quiseram saber se a Inglaterra tomaria partido num eventual conflito do seu país com Portugal. E os ingleses, diplomaticamente, responderam que a posição britânica era de neutralidade. Por fim, foi liberado o fornecimento de provisões frescas tanto para a Doris quanto para as outras naus estrangeiras. Inclusive, a venda de novilhos por dez dólares a cabeça — no Recife sitiado negociados por um preço quatro vezes maior.

Naquela ocasião, Lady Graham conheceu Manoel de Carvalho, um revolucionário de 1817 que se asilara nos Estados Unidos, falava inglês muito bem e lhe pareceu ser um homem notável. Três nos depois eles se reencontrariam, também em circunstâncias extraordinárias.

Muito amor pela liberdade e pouca educação

O movimento de 1821 acabou vitorioso, mas Maria Graham partiu antes disso. Ela foi para o Chile, onde ficou viúva e morou por algum tempo. Voltando para a Inglaterra, fez escala no Rio de Janeiro e lá foi contratada para servir como preceptora da princesa Maria da Glória, filha do imperador D. Pedro I e de D. Leopoldina. Antes de assumir o posto, contudo, ela foi a Londres, cuidar da publicação dos seus livros. No retorno, passou novamente por Pernambuco, em agosto de 1824. E mais uma vez encontrou o povo daqui, “que se distinguia pelo espírito republicano e estava sempre renovando suas forças”, de armas na mão.

Era a Confederação do Equador, um levante contra o autoritarismo de D. Pedro I liderado por Manoel de Carvalho, o distinto cavalheiro a quem ela fora apresentada da vez anterior.

Àquela altura, o porto do Recife estava bloqueado por uma esquadra comandada por um inglês, o almirante Thomas Cochrane, a serviço do imperador. E Lady Graham foi incumbida por este seu compatriota de convencer Carvalho a ser render, com todas as honras e proteção especial para sua família. O pernambucano a recebeu gentilmente, mas recusou a proposta, e ela se foi daqui lamentando a perda de vidas que se aproximava e lhe parecia inútil. E a Confederação acabou, de fato, derrotada, semanas depois.

EDUCAÇÃO NO BRASIL

Adiante, nos seus escritos, Maria Graham, que era muito culta, criticou a falta de refinamento das classes altas no País. “Encontrei dois ou três homens bem informados e algumas mulheres vivamente conversáveis”, ela anotou, “mas ninguém que me lembrasse as pessoas bem educadas da Europa”. Também qualificou o estado geral da educação de baixíssimo e foi até gentil (ou irônica?) ao anotar que “a quota de leitura de livros é escassa”.

No Pernambuco de 1821, a lady observou que o Seminário de Olinda e sua biblioteca estavam em decadência, após a derrota da Revolução de 1817. E que em toda capitania não havia um só livreiro e circulava apenas um jornal, o “Aurora Pernambucana”, patrocinado pelo governador Luís do Rego. “Toleravelmente bem escrito”, ele tinha como epígrafe uma estrofe de Camões: “Depois de procelosa tempestade / Noturna sombra e sibilante vento / Traz a manhã serena claridade / Esperança de porto e salvamento”.

Mas ela também não poupou seus conterrâneos. Sobre alguns comerciantes ingleses estabelecidos na Bahia, escreveu: “Nenhum sabia o nome das plantas que cercam a própria porta. Nenhum conhecia nada dez léguas além de Salvador. Fiquei desesperada com esses fazedores de dinheiro destituídos de curiosidade”.

Lady Graham morreu na Inglaterra, em 1842, deixando um importante e saboroso testemunho de como era nossa terra, naquele tempo, no seu “Diário de uma viagem ao Brasil”.

Recife sitiado

O cerco de 1821, visando a deposição do governador Luís do Rego, foi o quinto imposto ao Recife por tropas pernambucanas vindas do interior. O primeiro durou de 1630 a 1632, com a vila ocupada pelos holandeses que haviam invadido a capitania. Sem sucesso. O segundo, semelhante ao anterior, se estendeu de 1645 a 1654 (Restauração) e foi bem sucedido. O terceiro, no início da “guerra dos mascates”, em 1710, visava depor o governador Sebastião de Castro e também foi vitorioso, após alguns dias. Já o quarto, em 1711, na mesma guerra, contra os portugueses que haviam assumido o controle da vila, durou alguns meses e terminou sem perdedores nem vitoriosos.

Beleza perdida

As descrições das paisagens pernambucanas feitas por Lady Graham dão uma ideia do que perdemos. “Todas as vezes que passo por um bosque vejo plantas e flores novas, e uma riqueza de vegetação que parece inexaurível”, ela anotou. “Hoje vi flores de maracujá de cores que antes nunca observara: verdes, róseas, escarlates e azuis. Vi ananases de belo carmesim e púrpura, chá selvagem ainda mais belo do que o elegante arbusto chinês, palmeiras de brejo e inúmeras plantas aquáticas novas para mim. E, em cada lagoazinha, vi patos selvagens, frangos d´água e muitas variedades de marrecos nadando com gracioso orgulho”.

A bela terra de conflitos e escravidão

Texto: Paulo Goethe | Arte: Jarbas

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