Conselheiro Rosa e Silva, o “dono” de Pernambuco

Ele comandou o Estado por duas décadas, até ser derrubado pelas tropas do general Dantas Barreto

A tradição e a modernidade pernambucanas encontraram-se no Rio de Janeiro, numa tarde de sábado do mês de junho de 1899. E uma bateu na outra, literalmente. A primeira estava representada pelo conselheiro Rosa e Silva, ex-deputado, ex-senador, ex-ministro, então vice-presidente da República, e nesta época o líder absoluto da aristocracia açucareira que mandava em Pernambuco desde o tempo das caravelas. A segunda por Delmiro Gouveia, um cearense que, na juventude, pobre e órfão, ganhara a vida como bilheteiro de trem. Mas, à custa de muita criatividade e trabalho, tornara-se um bem-sucedido empresário no ramo da exportação de couros e acabara de inaugurar o espetacular Mercado do Derby, o primeiro shopping center da América Latina.

O sucesso de Delmiro, contudo, era visto como uma ameaça ao domínio político dos antigos “senhores do baraço e do cutelo” (da corda e do facão) da região, os produtores de açúcar. E o prefeito do Recife, Esmeraldino Bandeira, pau mandado de Rosa e Silva, passou a criar dificuldades para o funcionamento do Mercado. Então, o empresário foi ao Rio reclamar diretamente com o chefe dele, e os dois homens se cruzaram, a pé, na Rua do Ouvidor, a mais chique do Brasil, na época.

Abordado por Delmiro, o conselheiro, porém, não deu nenhuma atenção aos seus reclamos e por isso levou uma chuva de bengaladas, que só teve fim quando ele se refugiou numa loja, a Chapelaria Inglesa.

Foi a primeira derrota sofrida por Rosa e Silva em toda sua vida, mas ele não se abalou. Vingou-se de Delmiro e por mais uma década manteve seu reinado em Pernambuco, elegendo sucessivamente quatro governadores, até topar com outro adversário, bem melhor armado do que o cearense…

CARREIRA EXEMPLAR

Francisco de Assis Rosa e Silva nasceu no Recife, em 1857, filho do rico comerciante português Albino José da Silva, e fez uma trajetória comum aos jovens pernambucanos “bem-nascidos” de então. Aos 16 anos entrou na Faculdade de Direito, e depois de formado passou algum tempo na Europa completando seus estudos e refinando suas maneiras. Ao voltar, estreou na política elegendo-se deputado provincial (estadual) pelo Partido Conservador, em 1882, e deputado geral (federal), de 1886 a 1889, período em que foi, ainda, ministro da Justiça, e recebeu do imperador o título de conselheiro.

Com a proclamação da República, em 1889, elegeu-se deputado à Assembleia Constituinte pelo Partido Republicano, no ano seguinte, e depois deputado federal, tendo presidido a Câmara de 1894 a 1895, quando se tornou senador. Por fim, assumiu a vice-presidência do Brasil na chapa encabeçada por Campos Sales, em 1898.

Durante esse tempo ele foi o “dono” de Pernambuco, colocando quem queria na cadeira de governador. Usando o seu prestígio nacional, também levantou recursos para abrir avenidas no Recife e ampliar do porto, além de estender a malha ferroviária pelo interior. E estava no auge do poder quando foi surrado por Delmiro no meio da rua.

MODERNIDADE TEMIDA

Delmiro Gouveia era um visionário. Inspirado pela Feira Internacional de Chicago, que visitara em 1893, ele construíra um grande mercado no Recife, no local onde hoje fica o Quartel de Polícia, no Derby. Servido pela primeira iluminação elétrica vista em Pernambuco, com lojas de todo os tipos, salas de jogos, parque de diversões etc., era uma novidade extraordinária, que nos finais de semana recebia de oito a dez mil visitantes — cerca de um décimo da população recifense, na época. Um sucesso, porém, detestado pelos lojistas do Centro, que passaram a perder clientela. E, pior ainda, execrado pelos barões do açúcar.

A economia pernambucana começava, então, a se diversificar, com a implantação de curtumes, tecelagens, fábricas de cigarros, de óleos vegetais etc., impulsionada por empreendedores como Delmiro e a família Ludgren. Em consequência, a classe média crescia, as populações migravam do campo para a cidade e os proprietários rurais perdiam o seu eleitorado. Por isso, o Mercado do Derby, o símbolo perfeito da modernidade temida por eles, não podia existir. E no dia dois de janeiro de 1900 — seis meses depois do episódio das bengaladas — foi destruído por um incêndio pelo qual a Polícia, estranhamente, acusou seu próprio dono.

No dia quatro, porém, o jornal recifense A Província, de oposição, desvendou o mistério da autoria do crime, tornando público um telegrama enviado a Rosa e Silva pelo então governador Sigismundo Gonçalves, dizendo: “Mercado incendiado. Delmiro preso. Saudações, Sigismundo”. E o Conselheiro continuou dando as cartas em Pernambuco, até que a mesa do jogo foi virada pelos militares.

Uma campanha eleitoral que virou guerra

Em 1910, houve eleição para a Presidência da República, com 65 candidatos inscritos, sendo os principais o general Hermes da Fonseca e o jurista Rui Barbosa. E, entre os dois, Rosa escolheu o fardado. “Com o Rui, nem para o céu”, ele teria dito, e a sua opção foi decisiva para o resultado do pleito.

Na época, o voto não era secreto; os “coronéis” de cada região obrigavam os eleitores a votar em quem eles queriam; e dizia-se: “Quem tem Rosa tem o Norte do Brasil. Sem Rosa ninguém se elege. Contra Rosa ninguém governa”. E foi com apoio das máquinas estaduais, principalmente as de Minas e de Pernambuco — o Rio e São Paulo ficaram com Rui —, que Hermes elegeu-se presidente, com mandato até 1914.

Mas o general foi ingrato com Rosa. Em 1911, ele indicou seu ministro da Guerra, Emídio Dantas Barreto, para concorrer ao governo de Pernambuco em oposição ao conselheiro. Que, diante de tal ameaça, resolveu disputar o cargo ele mesmo. E a campanha foi praticamente uma luta armada.

De um lado, o exército, a favor de Dantas Barreto e com apoio da maioria da população recifense. Do outro, a polícia, apoiando Rosa e Silva. E os enfrentamentos se sucediam diariamente nas ruas, com muitos mortos e feridos até que, no dia cinco de novembro de 1911, Rosa ganhou a eleição com 21.613 votos contra 19.385 de Barreto.

Os recifenses, porém, não acataram aquele resultado, claramente manipulado. O Diário de Pernambuco, que pertencia ao conselheiro, foi cercado e impedido de circular. O comércio, a indústria e os transportes pararam. As tropas do exército tomaram o Palácio do Governo. E Dantas Barreto, aclamado pelo povo, tomou posse no dia 12 de novembro, com apoio da Presidência da República.

Rosa e Silva ficou, então, no ostracismo político até o fim do governo Hermes. Chegou a vender o Diário de Pernambuco, adquirido por ele em 1901, cuja publicação fora suspensa. Em 1915, porém, elegeu-se novamente senador e manteve-se no cargo até 1929, quando faleceu no Rio de Janeiro, aos 72 anos, sendo sepultado com honras de chefe de estado no Recife. Hoje dá nome a uma importante avenida desta cidade, tal como seu adversário, o general Dantas Barreto.

A saga de um empresário

Três anos após o incêndio do Mercado do Derby, Delmiro Gouveia raptou uma moça de 16 anos, filha do seu inimigo, o governador Sigismundo Gonçalves. E com ela mudou-se para Pedra (hoje, Delmiro Gouveia), um povoado de Alagoas onde teve outra ideia genial: criar uma fábrica de linhas de costura utilizando o algodão e a mão de obra do local e a energia da cachoeira de Paulo Afonso. Com apoio do governo alagoano construiu, então, a primeira hidroelétrica do Brasil, e em 1916 já vendia sua produção para toda América Latina. Em outubro de 1917, porém, foi morto a tiros no terraço da sua casa, até hoje não se sabe se por algum inimigo feito na região, devido ao seu estilo brigão e autoritário, ou a mando da sua principal concorrente no mercado de linhas, a firma inglesa Machine Cotton — que, após sua morte, comprou dos herdeiros a fábrica de Pedra, quebrou as máquinas e as lançou no rio São Francisco.

Forças armadas

Embora interviessem na política desde os tempos coloniais, as forças armadas brasileiras só se profissionalizaram e ganharam importância na Guerra do Paraguai (1864/1870). A partir daí, influenciadas pelo “positivismo” dos oficiais de classe média, proclamaram a República em 1889 e permaneceram em primeiro plano, muitas vezes enfrentando a Guarda Nacional e as polícias, que obedeciam aos senhores regionais.

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