Por dentro do reino das almas

No alto de uma das colinas de Triunfo, no Sertão do Pajeú, uma grande muralha de pedra crua rodeia uma torre, quartos, um casarão e até um cemitério em estilo bizantino. Acima do portão, o local assume o nome pelo qual a vizinhança popularmente o chamava: Casa das Almas. No interior da propriedade, com parte dela já em território paraibano, uma centenária residência divide espaço com a estrutura de um castelo ainda em processo de construção, uma continuidade da mais profunda vontade do “desembargador do sertão”, que não viveu tempo suficiente para vê-lo concluído.

 

Ex-delegado de polícia, o juiz aposentado Francisco de Assis Timóteo Rodrigues era um admirador confesso de castelos em todo o mundo. Era dos poucos pernambucanos a conhecer todos os projetos do gênero no estado, além de vários fora dele. O sonho de ter um imóvel desses para si veio ainda da infância, repleta de histórias fantásticas contadas no andar térreo da residência rica em madeira em que sua família se revezou a tomar tempo e oportunidade de escrever um pouco da história da pequena cidade de 15 mil habitantes.

Quando chegou sua vez, sem filhos, Francisco adotou para si a missão de tirar dos papéis de escola os rabiscos, que transformou em projeto e obra. Tudo desenhado por ele, conforme mandava a imaginação – o que, segundo familiares, contrariava o jeito simples do homem sempre visto de bengala, botas e chapéu de construção, enquanto verificava cada detalhe do mais significativo bem de seu inventário.

Quem abre as portas é a bacharela em direito Consuelo Maria Timóteo Bernardo, 48, sobrinha e viúva do “menino de sonhos medievais”. Caminha pela área de meio hectare que vem sendo repaginada desde 2010 e supervisiona as pouco mais de 10 pessoas envolvidas na obra. “Meu objetivo é concluir o sonho dele. Foi o compromisso que assumi. Falta a parte elétrica e desenvolver mais a parte interna, que tem capela, salão e outros quartos e banheiros”, afirma.

Próximo à torre principal, um amplo quarto, com banheiro e uma pequena janela dão o tom de como Francisco tinha planejado passar seus últimos dias. Duas espadas, em estilo medieval, também foram adquiridas para ornar a parede na qual será encostada a cama. Ainda longe da conclusão, a construção já consumiu pouco mais de meio milhão de reais. Eventos e locação como estúdio fotográfico ou para festivais de cinema vão auxiliando o orçamento. “O cemitério privado, onde está toda a família, é aberto para o Festival de Cinema de Triunfo, para exibição de filmes de terror e sempre tem gente por aqui querendo conhecer o castelo”, acrescenta Consuelo.

A curiosidade tem razão de ser. Muito antes da morte do idealizador do castelo”, que sucumbiu, aos 70 anos, a um câncer metastático no fígado, em agosto de 2014, o imóvel estimulava o imaginário popular: de ter supostamente sido esconderijo onde Lampião passava dias jogando cartas antes de se refugiar em terras paraibanas, fora da área de atuação da polícia pernambucana, até histórias de assombração, com direito a televisores desligando sozinhos e “presenças” inexplicáveis. As enormes fotos e pinturas retratando os “galhos” da família, roupas arrumadas em cima de camas e o ranger da madeira dos assoalhos completam o ar de mistério que faz muitos evitarem a colina da Casa das Almas. Há quem diga que o dono não abandona seu castelo até que esteja pronto. “Eu acredito que ele ainda esteja aqui”, asserta Consuelo, sem titubear ou temer reações – e, desconfio, não se referia ao conteúdo no interior do arco de pedra do jardim bizantino…

 

Distância do Recife

Início da construção

Casa e castelo se misturam em cenário cinematográfico

Castelo de pedra circunda não apenas a residëncia marcada por decoração única, mas um cemitério em estilo bizantino que recebeu gerações das famílias Timóteo e Rodrigues e hoje servem de locação para gravação e exibição de filmes de terror

Clique e confira as dependências do castelo em 360º

Memória de juiz visionário continua preservada

Num dos quartos do imóvel, fardamento e acessórios queridos pelo falecido Francisco de Assis ficam permanentemente em exibição

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