Nem pense em jogar nas lixeiras

Ao reaproveitar objetos cujo destino seria o descarte, artesãos pernambucanos dão novo significado a materiais sintéticos e orgânicos

Com ajuda da mulher, Conceição (ao lado), Zelão dá novo destino a fitas e lacres de plástico

Com ajuda da mulher, Conceição (ao lado), Zelão dá novo destino a fitas e lacres de plástico

A transformação de elementos da natureza em artesanato ganha sentido urgente no mundo contemporâneo, onde o uso consciente de recursos naturais se tornou prioridade. A criatividade dos artesãos pernambucanos tomou isso como estímulo para experimentar o trabalho com os mais variados materiais que anteriormente eram descartados. Isso inclui papel, plástico, sucata e até alguns inusitados, como casca de ovo, escama de peixe e o endocarpo do coco.

Para Timóteo Guimarães, artesão de Belo Jardim, no Agreste, conhecido como Zelão, o trabalho com materiais reciclados começou a partir da observação da rotina do antigo emprego, em uma empresa de móveis de madeira e metal. O morador do distrito de Vila Santa Luzia, na zona rural, percebeu uma coisa: as fitas e lacres de plástico que amarravam as folhas de fibras de madeira eram jogados fora após chegarem na fábrica. “A empresa punha fogo nos lacres e passei a achar que esse material poderia dar para algo diferente”. Ele começou a trançar as fitas e, aos poucos, conseguiu fazer baús, fruteiras, pãozeiras, bolsas e caixas.

A experimentação provou ser fundamental para o artesão após ele ser demitido. Há cinco anos, o artesanato passou a ser alternativa de sobrevivência. “Nunca vi ninguém fazer nenhum balaio, nenhum parente meu trabalhava com isso. Fui tentando e errando até acertar”. As peças de Zelão podem ser encontradas no Centro de Artesanato de Pernambuco, no Recife, e no Centro de Artesanato Tareco e Mariola, em Belo Jardim. Na Fenearte, o trabalho pode ser visto no estande do Instituto Conceição Moura.

Com a prática, ele criou um método de trabalho. De dois em dois meses, recebe as fitas de plástico de fábricas parceiras da cidade. O preço do produto final varia de acordo com o tamanho. “Não faço as coisas por beleza, faço para o uso. As peças são muito difíceis de acabar. Tenho muitas ideias, mas falta tempo para colocá-las em prática”, afirma, orgulhoso da qualidade das criações, levadas até os Estados Unidos.

MAIS RECICLAGEM

A criatividade dos artesãos para reaproveitar e ressignificar objetos abre um leque de oportunidades. O Mestre Ezequias, no município de Paulista, na Região Metropolitana do Recife, transforma o endocarpo do coco em luminárias. Também na RMR, a Associação das Mulheres Artesãs de Igarassu (Amai) trabalha com escamas de peixe e fornece vários objetos feitos com o material para o Ateliê Flor do Mar.

A ressignificação de objetos que tinham outras funções e a transformação deles em luminárias e objetos de decoração é o conceito por trás do projeto Signific, da artista plástica Marcelle Dardenne e do cenotécnico Nando Soares. Ainda em Belo Jardim, a artesã Maria Aparecida da Silva, conhecida como Cida, transforma o cascalho da casca de ovo em revestimento para objetos decorativos.

 

Quartel-general dos papangus

Zé Vassoureiro é popular pela confecção de máscaras. Foto: Blenda Souto Maior/DP

Zé Vassoureiro é popular pela confecção de máscaras. Foto: Blenda Souto Maior/DP

Na zona urbana de Bezerros, no Agreste, as placas de sinalização da BR-232 mostram a direção a tomar para chegar até Lula Vassoureiro, artesão que se tornou símbolo da cidade junto com o mestre da xilogravura J. Borges. Como muitos artesãos, a história de Amaro Arnaldo do Nascimento, de 71 anos, combina talento e necessidade. Ao longo da vida, ele continuou o trabalho do pai, o também artesão Zé Vassoureiro. “Comecei a trabalhar aos 6 anos e, aos 9, eu já era conhecido. Hoje faço só a metade do que meu pai fazia. Eu era criança quando ele morreu. Disse a mim mesmo que eu levaria tudo adiante”.

As máscaras de Lula Vassoureiro, feitas com papel reaproveitado, são parte integrante do imaginário do estado, seja com as formas dos famosos papangus, seja com os contornos dos bonecos gigantes, que ele também consegue fazer. São duas as técnicas utilizadas: papel machê (picado, batido e misturado com cola ou gesso) e papel colê, nas quais folhas de jornal são coladas umas sobre as outras, em um trabalho que consome de sete a oito toneladas de papel por ano. “A natureza agradece”, resume o artesão Lula Vassoureiro, reconhecido como Patrimônio Vivo de Pernambuco em 2013.