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JORNALISMO | Graça Araújo

A maior porta-voz da população

Com uma vida dedicada ao jornalismo, Graça Araújo é um orgulho de Pernambuco e está eternizada na memória

Através dos televisores, Graça Araújo esteve presente nos lares dos pernambucanos por quase três décadas. Deu vida ao jornalismo em seu tom mais legítimo ao atuar como uma verdadeira porta-voz da população, sobretudo dos mais necessitados. Esse foi o seu maior diferencial: ser um símbolo da representatividade. Mulher negra, de origem humilde, que se tornou um dos maiores símbolos da imprensa pernambucana com disciplina, ética e companheirismo. No último dia 27 de novembro, venceu o Grande Prêmio Orgulho de Pernambuco na categoria Jornalismo Televisivo, que acabou servindo como uma condecoração póstuma à jornalista, falecida em 8 de setembro, por falência múltiplas de órgãos após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) enquanto praticava exercícios físicos numa academia.

O troféu foi entregue à sua irmã, Conceição Araújo, juntando-se a uma série de homenagens que a jornalista tem recebido. Neste mês, entrou em tramitação na Câmara Municipal do Recife um projeto de resolução de autoria da vereadora Ana Lúcia (PRB) para a criação de um prêmio de comunicação em homenagem a Graça.

Maria Gracilane Araújo da Silva nasceu em Itambé, município da Zona da Mata do estado, a 76 km da capital. Se mudou com a família para São Paulo ainda na adolescência, onde adquiriu seus inconfundíveis sotaque e dicção. Começou a trabalhar aos 14 anos para ajudar nas despesas de casa, onde morava com sete irmãos. Como sempre costumava comentar, sonhou em fazer medicina para ajudar as pessoas, mas conseguiu cumprir o objetivo com maestria no ramo da comunicação.

Graça se apaixonou pelo jornalismo quando trabalhou como secretária de um diretor de redação de uma revista técnica em São Paulo, tendo ingressado na Faculdade Integrada Alcântara Machado em 1987. Seu primeiro trabalho na capital pernambucana foi na Transamérica, rádio de transmissão FM e com enfoque em programação musical. Ela queria mesmo era colocar o pé na rua para ver a população de perto, algo que conseguiu ao ser repórter de rua da Rádio Clube.

“Eu era estagiário da Clube quando encontrei Graça pela primeira vez. Ela já fazia parte de uma equipe de repórteres inteiramente formada por mulheres”, recorda Carlos Moraes, atual diretor de redação da Rádio Jornal. “De primeira, senti sua retidão profissional. Existia uma exigência muito forte que ela colocava em cima de si mesma e na equipe ao seu redor.” Ao conviver com a comunicadora por pelo menos 30 anos, Moares ressalta uma característica que entrelaça tanto a faceta profissional quanto a pessoal de Graça: companheirismo. “Ela era companheira nos dois âmbitos. Nunca se negava a conversar com as pessoas, ouvir, dar sugestões ou críticas quando tinha de criticar. Era uma pessoa fácil de conversar, aquele sorriso largo o tempo todo. Parecia que ela vivia sorrindo”, conta.

“No âmbito pessoal, conheci muito o lado da Graça atleta. Ela corria e acumulava muitas medalhas. Já estava inscrita para a São Silvestre de 2018. Nunca consegui nem de perto o preparo físico que ela tinha. Uma vez, consegui correr 10 km ao lado dela e disse: ‘consegui chegar com você, que bom’. Ela respondeu: ‘Eu corri 15 km, porque vim da minha casa antes de chegar no ponto de partida’. Ela estava sempre à frente, surpreendendo”, relembra Carlos Moraes.

INÍCIO NA TV
Após o período na Rádio Clube, Graça foi para as emissoras de televisão, ramo onde seguiu carreira com passagens pela extinta TV Manchete, TV Pernambuco e TV Jornal. Nessa última, trabalhou por 26 anos. Passou um ano idealizando o telejornal TV Jornal Meio-Dia, do qual foi âncora até seus últimos momentos. Seu perfil opinativo, com discursos incisivos em defesa dos interesses dos cidadãos, tornou-se sua marca.

“Ela quebrou barreiras sociais para conseguir a consagração. Fez, da profissão, algo útil para pessoas que buscam igualdade democrática. Encontrou na televisão um ambiente perfeito para cobrança responsável e para denúncia opinativa, o que agigantou o jornalismo. Foi uma honra aprender com ela que a força editorial pode mudar vidas e melhorar a realidade de tantos que encontram no jornalismo o instrumento de avanços para quem mais precisa”, diz Beatriz Ivo, diretora de jornalismo da TV e Rádio Jornal.

Em 2001, Graça voltou ao rádio com o programa Rádio Livre, na Rádio Jornal, também marcado pelo perfil opinativo. Foi nessa atração que existiu o famoso quadro Consultório de Graça, que reunia diariamente profissionais da saúde para abordar diferentes temas relacionados à área. Nesse ano, um programa sobre o câncer de cérebro conquistou o primeiro lugar na categoria Rádio no Prêmio SBN de Jornalismo, da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. “Tive a sorte de fazer o Rádio Livre ao lado da Graça a partir de 2016. Foi a maior honra profissional que eu poderia ter”, diz o jornalista Rafael Souza, que esteve próximo da homenageada nos últimos anos. “Do lado profissional, ela sempre foi muito concentrada e disciplinada. Estudava muito os assuntos que estavam em voga, a exemplo da crise política. Ela se esforçava para saber tudo e, com o seu olhar, levá-los para para o povo. Por ser uma mulher negra, de origem humilde, ela tinha esse local de fala. Ela sabia que o pobre enfrenta. Falava para pessoas que não tinham espaço. Comprava briga com o poder público. Também era uma exímia entrevistadora. Nunca tinha uma pergunta só, poderia tirar mil informações da fonte”, diz Rafael.

Emannuel Bento
Especial para o Diario
emannuelbento@gmail.com

Companheira de todas as horas

TV Jornal/Reprodução

Dentro do Sistema de Comunicação Jornal do Commercio, Graça também angariava amizades com os profissionais fora da área jornalística. É o exemplo de Jeison Wallace, humorista que dá vida à personagem Cinderela. Foi ele que criou a Engraçadinha Araújo, uma paródia bem-humorada da jornalista. “Aquele sotaque que ela adquiriu quando morou e estudou em São Paulo me fascinava. Como prefiro perder a piada ao invés do amigo, logo falei para ela a minha ideia da paródia. Ela aprovou na hora e disse que eu ficasse à vontade”, relembra Jeison.

“Éramos parecidos no tipo físico, na estatura, um pouco na cor de pele. Então ficou surpreendente a caracterização. Até hoje é um dos personagens mais lembrados que eu fiz. A própria Graça me disse que, às vezes, as pessoas a chamavam de Engraçadinha. E falava disso sorrindo. Ela sabia que só um ícone, um ídolo, que pode ser imitado. Eu tinha a preocupação de consultá-la, para saber se eu podia dar continuidade, se eu havia exagerado na dose, ela dizia: ‘que nada, eu adoro’.”

A maquiadora Joane Silva era a responsável por caracterizar Graça Araújo para o TV Jornal Meio Dia nos últimos dez anos. Passavam cerca de duas horas diária no camarim. “Tivemos uma convivência muito intensa. Tudo o que se passava na minha vida eu contava para ela, e vice-versa. Eu a definiria como uma profissional perfeita. Aprendia com ela todo o dia, mesmo não estando no jornalismo. Graça tinha seus momentos de irritação, mas que também ensinavam. Ela me ensinou muito. Até o último momento”.

No dia 8 de setembro, Joana ficou encarregada de uma tarefa simultaneamente desafiadora e inusitada: maquiar o rosto de Graça Araújo para o velório. Algo que apenas ela, tão acostumada com as feições da jornalista, poderia fazer. “Fui maquiando e conversando com Graça. Pedia para ela levantar, sair dali para ver quantas pessoas que ainda queriam vê-la. Até hoje, sempre que dá 9h, eu espero Graça entrar no camarim”, desabafa a maquiadora, que ficou com a bancada em que a jornalista apresentava o TV Jornal Meio-Dia. “Ela costumava dizer o seguinte: no dia que eu morrer, essa bancada vai ter valor. Dito e feito”. Joana guarda a bancada de Graça na sala de estar da sua casa, como uma lembrança da mulher forte, que outrora adentrava naquele mesmo espaço pela tela da TV.