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MÚSICA | Alceu Valença

Alceu Valença, um dos nossos maiores patrimônios culturais

Aos 72 anos, o gênio da música e múltiplo artista segue com agenda repleta de shows e disposto a inovar cada vez mais

No auge dos seus 72 anos, o múltiplo artista pernambucano Alceu Valença fez mais de 80 shows só neste ano e, ao longo da carreira, vendeu milhões de discos, ganhou prêmios importantes, dirigiu e lançou o filme A luneta do tempo – obra da qual ele se orgulha muito -, acumula inúmeras músicas de sucesso e seu público alcança diferentes gerações. Toda essa honrosa bagagem justifica a escolha do público em nomear Alceu como o vencedor da categoria Música, do Grande Prêmio Orgulho de Pernambuco, promovido pelo Diario de Pernambuco. “É uma honra e um prazer. Pernambuco está na essência da minha arte. Praticamente toda a minha obra gira em torno de temas que aprendi desde menino em Pernambuco. Minha poética e musicalidade estão diretamente ligadas a essas influências. É como sempre digo: me sinto como um espelho do meu povo. Eu me reconheço nele, ele se reconhece em mim”, poetiza.

Na infância, não havia radiola na casa onde ele morava com seus pais Décio e Adelma, em São Bento do Una, no Agreste pernambucano. O motivo era o medo que o pai tinha de que o pequeno Alceu se tornasse boêmio e, por isso, não incentivava a sua veia artística. Essa condição da época fez com que o músico escutasse poucas músicas até os dias de hoje. “A música que conheço, eu aprendi com os vaqueiros, os trios de forró, as duplas de violeiros e emboladores. Uma vez, no início da minha carreira, perguntei ao Hermeto Pascoal o que ele costumava escutar. Sabe o que ele respondeu? Nada. Para não me influenciar”, diz, aos risos.
Foi apenas em 1969 que Alceu Valença, o então jovem de 23 anos, descobriu que tinha talento para a música, durante um curso de férias para o qual foi selecionado na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Depois das aulas, ele levava seu violão para a praça e cantava xotes, baiões e martelos agalopados. “Os hippies e hare krishnas adoravam e dançavam em torno de mim”, recorda. Essas despretensiosas apresentações despertaram a curiosidade de um jornal de Massachusetts, que perguntou o que ele cantava. “Protest songs”, respondeu. Esse mesmo jornal definiu o pernambucano como o “Bob Dylan brasileiro”, quando ele nunca havia escutado uma música sequer do cantor e compositor norte-americano.

De volta ao Brasil, Alceu classificou uma música no Festival Internacional da Canção (FIC), e foi ali que ele começou a se sentir profissional. Dois anos depois, gravou o primeiro disco, Quadrafônico, em dupla com Geraldo Azevedo. “Eram poucas as horas de estúdio e gravávamos de madrugada, escondidos. Foi utilizado o sistema quadrafônico, uma novidade para a época”, relata. No início da carreira, as metáforas usadas em suas letras eram um método para driblar os censores. Em Quadrafônico, por exemplo, havia uma música chamada Talismã, com uma letra que dizia: “Joana, me dê um talismã / viajar”. A princípio, a letra não apresentava uma mensagem explícita, mas a censura alegou que “Joana é marijuana e viajar é uma referência a isso”. Por este motivo, a letra teve de ser modificada para “Diana, a caçadora”. “Troquei Joana por Diana e saí de lá com a música liberada”, relembra.

EXTERIOR
Os Estados Unidos não foram o único país do exterior em que Alceu fez morada. Ele também residiu durante um ano – e depois voltou diversas vezes – na França, lugar pelo qual nutre um carinho especial. Durante as idas a Paris, o músico compôs aquele que seria o seu primeiro grande sucesso, Coração bobo. “Escrevi em uma noite em que eu tive muita saudade de casa. Eu me sentia em uma espécie de autoexílio. E essa música acabou abrindo o caminho para que eu me tornasse um artista realmente popular”, avalia. Alceu afirma que tem a expertise de compor uma música com facilidade e agilidade. Ele tem canções que falam de amor, de lembranças, de lugares. Outras que falam do Brasil, com mais ou menos esperança, dependendo da fase que o país esteja passando. “Muitas coisas me inspiram. Como diria o filósofo Ortega y Gasset: ‘Eu sou eu e as minhas circunstâncias’. Minha música reflete isso”, diz.

Nos EUA, onde descobriu seu talento, ele já foi chamado de Bob Dylan brasileiro

Caio Ponciano
caio.ponciano@diariodepernambuco.com.br

“É como sempre digo:
me sinto como um espelho do meu povo. Eu me reconheço nele, ele se reconhece em mim”

Alceu Valença

Músico

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Advocacia

Embora seu grande talento seja na música, Alceu vem de uma família de advogados. Seu pai foi procurador do estado e o incentivou a ingressar na profissão. “Eu fiz o curso completo na Faculdade de Direito do Recife, cheguei a estagiar em um escritório de advocacia, mas desisti porque achei que o réu tinha razão na primeira causa que apareceu”, diverte-se. “O Direito me ensinou a ver sempre os dois lados, a ter uma noção mais completa do que seja cidadania. E a Filosofia, minha disciplina favorita na faculdade, me ensinou a questionar sempre”, conclui. O artista também trabalhou como jornalista na sucursal do Jornal do Brasil e nas revistas da Editora Bloch.

Projetos

Atualmente, o Maluco Beleza se prepara para o show que fará no Recife Antigo, durante o Réveillon Parador, no último dia do ano. Em janeiro, ele viaja de férias para Portugal e, no carnaval, volta à capital pernambucana para se apresentar na festa momesca, como faz quase todos os anos. Em 2019, a casa que o artista possui em Olinda será reformada e aberta ao público com exposição de fotos, discografias e figurinos de Alceu, nos quatros domingos de fevereiro que antecedem a festividade do carnaval. “A casa vai abrigar diversas atividades culturais. Será um lugar dedicado não só a mim, mas à cultura pernambucana e nordestina”, adianta. Já durante os quatros dias de carnaval, o espaço vai se transformar em camarote e casa de apoio para os foliões.