Escolha uma Página

ARTES PLÁSTICAS & DESIGN | Joana Lira

Vivacidade da cultura de Pernambuco na iconografia

Filha de arquitetos, a design Joana Lira expandiu sua obra para muito além do reconhecido trabalho em vários carnavais

“Tudo em nossa volta tem desenho e design”, pondera Joana Lira. A observação é uma chave para entender o seu trabalho. Aos 42 anos, a pernambucana radicada em São Paulo já realizou projetos gráficos para grandes marcas e instituições nas mais variadas formas: objetos, utensílios, estampas, ilustrações, esculturas e cenografias urbanas. Apesar da diversidade, sempre existe um ponto em comum: a vivacidade da cultura pernambucana, que aparece em sua iconografia através de seus traços e cores expressivos. Na última terça-feira, ela venceu o Grande Prêmio Orgulho de Pernambuco, promovido pelo Diario, na categoria Artes Plásticas & Design.

O arsenal iconográfico de Joana tem raízes no Recife. É filha dos arquitetos Carlos Augusto Lira, um colecionador de arte, e Bete Paes, dona de um ateliê. Ela também enveredou para a área criativa, mas optou pelo design para ter mais “liberdade”. Seu primeiro emprego foi no ateliê da mãe, onde aprendeu técnicas como pintura sobre porcelana. “Em paralelo a tudo isso, fui fazendo outras coisas”, relembra. Foi para São Paulo e conheceu o mercado de design de uma forma mais profunda. Não demorou muito para passar a residir na capital paulista, onde mantinha um cotidiano produzindo obras de pintura em porcelanato num pequeno ateliê.

Apesar de morar fora do estado, a reviravolta da carreira ocorreu justamente no Recife. Joana foi convidada para fazer um trabalho junto com o pai para o carnaval de 2001, uma missão nada modesta: “Era para intervir na cidade. Algo supergrande, com peças enormes. Mexia com questões espaciais, de efeito, luz e volume. Não tinha uma cenografia figurativa tão forte ainda, mas tive um espanto ao ver o trabalho ganhando as ruas. Também por ser um trabalho feito para a festa mais importante da minha história. Sempre fui muito foliã”, diz Joana, que enxergou a cidade como suporte e percebeu que podia trabalhar com a arte de forma maleável.

 

Lira ficou responsável pela idealização do projeto gráfico do carnaval da cidade até o ano de 2011, com exceção de 2005. Ao passar dos anos, surgiu a ideia de inserir temáticas para a festa. Esse tema viria junto com um homenageado. Na primeira edição neste modelo, o condecorado foi Ariano Suassuna, uma figura que acabou se mesclando com a identidade da obra de Joana, mesmo que indiretamente. “As pessoas sempre falavam que meu trabalho era muito armorial.” Ao mesmo tempo, os desenhos do projeto finalmente invadiram as ruas e ficaram mais elaborados a cada ano. “Víamos pessoas fotografando, se fotografando junto das peças e dos cenários. Muita gente me encontrava e brincava dizendo que ia ‘roubar’ as peças. Em 2006, a procura foi tão grande que a prefeitura promoveu um leilão.”

Em 2010, Lira viu que havia chegado a hora de “deixar” o carnaval. Era o momento de dar o espaço para outras pessoas e mergulhar em novos projetos. Ela já vinha fazendo outros trabalhos simultaneamente e a visibilidade proporcionada com uma década atuando na festa abriu muitas portas. As obras dos projetos carnavalescos continuaram sendo prestigiadas em diversas exposições dentro e fora do Brasil, incluindo Alemanha e Bélgica. “Muitas coisas foram surgindo. Comecei a ser chamada para grandes trabalhos, sobretudo de empresas de São Paulo que queriam expandir coisas para o Nordeste”. Lira idealizou desenhos para trabalhos para o Banco do Brasil (publicidade), Tok&Stok (utensílios para casa), L´Occitane (embalagem e material de divulgação de fragrâncias), Ambev (latinhas) e ONU (material de comunicação visual da Relatoria Internacional do Direito à Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos).

Emannuel Bento
Especial para o Diario
emannuelbento@gmail.com

O pavor de virar fórmula

Apesar de passar por uma “quarta-feira de cinzas” profissional, a vivacidade da cultura pernambucana ficou para sempre no estilo de Joana, mas sempre com algumas renovações estéticas proporcionadas pela experiência prática. “Minha história começou no Recife, mas outras coisas foram somando. Carrego tudo comigo, um pouco do carnaval, da cerâmica, do desenho, mas preciso de novos respiros para me renovar. Eu tenho um olhar muito crítico do meu trabalho e uma coisa que eu tenho pavor é que vire uma fórmula.”

Essa liberdade artística também desembocou em sua forma de trabalhar. Joana Lira nunca chegou a ser funcionária de uma empresa, sempre procurou clientes de forma autônoma. “Não tive experiências em escritórios, então boa parte das coisas, eu aprendi na raça. Isso fez parte de muitas crises minhas, mas acho que, no final das contas, estamos muito preocupados em chegar no final. Na verdade, o processo das coisas é tão rico. É onde a gente realmente aprende e é tão mais bonito. Hoje em dia valorizo mais o processo do que o final.”

O ritmo de trabalho é constante. Recentemente, por exemplo, Joana entregou projetos para a Uber (identidade visual para evento Uber Destino Brasil) e Google (ilustração para o Dia do Folclore 2018). São tantos ofícios que não restou muito tempo para divulgar a votação aberta do Prêmio Grande Orgulho de Pernambuco. “Me senti superhonrada. Foi uma surpresa a indicação, mas uma onda de trabalho acabou me pegando e eu meio que não me envolvi tanto quanto deveria. Quando foi semana passada, recebi a ligação de que havia ganhado. Então, foi um reconhecimento real das pessoas. Foi autêntico. Quem votou, votou naturalmente”, disse. “Eu fiquei muito feliz. Fiquei bem emocionada quando me falaram. É como um feedback das pessoas, algo que eu não tenho trabalhado tanto nesse meio. É muito gratificante ver esse retorno direto das pessoas.”