Após registrar uma alta de 24% no número de mortes cometidas por policiais militares em 2012, o estado de São Paulo começou a implementar medidas para coibir homicídios ilegais cometidos pelos agentes da lei – de acordo com recomendações feitas por sua ouvidoria. Segundo dados da Ouvidoria da Polícia, os PMs de São Paulo mataram 506 pessoas entre janeiro e novembro de 2012 – 99 casos a mais que o registrado no mesmo período de 2011. Os dados de dezembro só devem ser divulgados pelo governo no fim deste mês.
O número também é o maior para o período registrado nos últimos cinco anos. A alta dos casos começou principalmente a partir do mês de setembro de 2012 – quando se acirrou uma onda de confrontos entre policiais militares e membros da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). O mês que mais registrou mortes foi novembro, com 79 casos – uma alta de 75% em relação ao ano anterior, segundo a Ouvidoria.
Nesse mesmo mês, o número geral de vítimas de homicídio no Estado aumentou 44% – de 340 vítimas em 2011 para 534 no ano passado. A explosão no número de mortes culminou na demissão do então secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, no fim de novembro. Seu substituto, Fernando Grella, adotou neste mês duas novas medidas para tentar acabar com o conflito.
Uma delas impede que, após tiroteios entre policiais e criminosos, os próprios PMs levem os suspeitos baleados para um hospital. O resgate passou a ser feito por socorristas da Prefeitura ou do Corpo de Bombeiros. O Ouvidor da Polícia, Luiz Gonzaga Dantas, disse à BBC Brasil que eram comuns antes da medida as denúncias ao órgão sobre resgates médicos usados para acobertar assassinatos.
“A pessoa, em confronto com a polícia, levava um tiro no braço ou na perna, era socorrida pela polícia e depois chegava no hospital já morrendo, quando não morria no trajeto”, disse. Uma fraude dessa natureza gerou grande repercussão em novembro de 2012, na zona sul de São Paulo – por ter sido filmada por um cinegrafista amador.
Ele flagrou PMs retirando o servente Paulo Batista do Nascimento, de sua casa. Ele já estava dominado e desarmado quando levou um tiro de um policial e foi colocado em um carro da corporação. Foi levado em seguida para um hospital, onde chegou morto.
Por entre as grades do Presídio de Igarassu, na Região Metropolitana do Recife, 2.690 homens se acumulam em estatísticas de liberdade cerceada e crimes. Nas celas, o que os distingue são os artigos de condenação. No entanto, a realidade das unidades superlotadas e sem condições mínimas de salubridade, apontada em denúncias ao Ministério Público de Pernambuco, não é capaz de deter a vontade de mudar. Henryton Klysthenes Ribeiro Bezerra, de 25 anos, preso por assalto desde julho passado é prova de uma ressocialização que dá certo.
O detento, nascido em Timbaúba, na Mata Norte de Pernambuco, se tornou o primeiro reeducando do Sistema Penitenciário de Pernambuco a conseguir uma vaga em universidade através do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Foi aprovado em sétimo lugar no curso de licenciatura em matemática da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) com nota 698,36. “Não me considero um criminoso. Eu cometi um erro, mas tive a oportunidade para fazer diferente e estou fazendo”, declarou o futuro calouro.
Ele fez a prova pelo programa Enem Prisional, instituído no estado há dois anos. O exame é o mesmo aplicado para os candidatos tradicionais. Por estar no regime fechado, sua matrícula será feita por meio de procuração judicial. Segundo o gerente de Educação da Secretaria de Ressocialização, Ednaldo Pereira, ele não deixará de estudar. “Faremos a matrícula e ele vai estudar. Como já cumpriu parte da pena, deverá entrar no regime aberto em abril e ficará livre para os estudos”.
Henryton Klysthenes já havia concluído o ensino médio, mas em julho, juntamente com um comparsa, assaltou uma agência dos Correios, onde trabalhava, em Aliança, também na Mata Norte. Simulou estar armado para tentar pegar dinheiro do caixa, mas foi preso em flagrante, encaminhado para o Centro de Triagem, em Abreu e Lima, e, posteriormente, levado ao Presídio de Igarassu. De acordo com o diretor da unidade, Carlos Cordeiro, é considerado um reeducando de bom comportamento. “Ele estuda e trabalha no setor administrativo. Não cria problemas e é dedicado”, contou.
Agora, os planos do jovem condenado a cinco anos pelo artigo 157 do Código Penal envolvem outros números. “Minha matéria preferida sempre foi matemática. Informalmente, dava aula para os meus amigos. Sempre fui muito bom, mas nunca pensei em me formar. Até me inscrevi no vestibular, mas não fiz a prova. Quando cheguei aqui e soube do Enem, montei um grupo de estudo aprofundado com outros detentos e deu certo”, comemorou.
Enem Prisional
Há dois anos, os reeducandos do estado ganharam uma ferramenta a mais para transformar suas realidades dentro e fora das unidades carcerárias: o programa Enem Prisional, que aplica as provas do Exame Nacional do Ensino Médio dentro dos presídios e penitenciárias. A expectativa é que, neste ano, o número de detentos inscritos em Pernambuco chegue a 300.
Quando instituído, em 2011, apenas a Colônia Penal Feminina do Recife, o Complexo Prisional Professor Aníbal Bruno e a Penitenciária Barreto Campelo participaram do programa. Só 81 detentos fizeram a prova. Não houve aprovações. No último ano, o número de unidades participantes dobrou, a Penitenciária Agroindustrial São João, o Presídio de Limoeiro e o Presídio de Igarasssu foram inseridos e 247 detentos fizeram o exame. A previsão é que mais duas outras unidades realizem o exame em 2013.
“O trabalho de ressocialização engloba todos os setores. Temos atualmente 20 unidades prisionais em todo o estado, somente o Cotel não tem escola. São 7,3 mil reeducandos estudando, seja no Educação de Jovens e Adultos, no Projeto Travessia, similar ao supletivo, ou nos curso preparatório para o Enem, como fez o Henryton”, detalhou o gerente Ednaldo Pereira. “Muitos reeducandos tiveram boas notas, mas não conseguiram vaga devido à concorrência”, completou.
As escolas nos presídios são mantidas através de um convênio entre a Secretaria de Educação e a de Ressocialização. A cada 12 horas de estudos, equivalentes a três dias de aula, os detentos reduzem um dia da pena. “Não é fácil estudar. O poder público deveria investir mais e nos dar subsídios para realmente mudarmos, mas os presos também têm que querer. Eu lutei muito e sei que quando eu sair daqui, tudo vai ser diferente”, concluiu Henryton Klysthenes.
ENTREVISTA// Henryton Klysthenes, primeiro reeducando aprovado em universidade através do Enem Prisional
Por que você foi preso?
Eu fui preso por um assalto em julho na agência dos Correios em que eu trabalhava. Não conseguimos efetuar o roubo e ainda fui preso em flagrante. A gente estava fingindo usar armas, mas nem tinha. Desde então, passei pelo Cotel e estou aqui. Cumpro pena no regime fechado, mas estou no semiaberto. Só falta a sentença transitar e julgar. Em abril, passo para o aberto e poderei estudar.
Como foi a preparação para o exame?
Eu concluí os estudos em 2004, mas nunca tive interesse em fazer faculdade. Até me inscrevi em alguns vestibulares, mas nunca fiz prova. Estudava só para concursos e trabalhava. Nem sabia que podia fazer Enem estando preso, mas, quando descobri, percebi que era a minha chance. Tive incentivo da direção do presídio e do pessoal da escola para montar um grupo de estudo avançado focado na prova. Temos uma biblioteca boa e conseguiram até videoaula. Caí de cabeça nisso e dei meu máximo. Consegui.
Na sua opinião, o que falta para que outros reeducandos consigam o mesmo?
Não foi fácil. O poder público precisa investir mais. A remissão de pena estimula os detentos, mas faltam livros, fardamentos, professores. Falta qualidade no ensino. É preciso dar subsídios para estimular os presos a estudar. Muitos querem um futuro bom fora daqui.
Qual sua expectativa para o início das aulas?
Quando eu fui preso, meus pais ficaram muito decepcionados. Agora eles estão radiantes. Eu nunca fui criminoso, não me considero assim. Quando eu sair daqui, espero obter sucesso na minha carreira, me graduar, fazer um mestrado e, muito em breve, dar entrevistas como especialista.