Do Diario de Pernambuco
Durante seus breves 17 anos de vida, ele sempre lutou contra o destino. Filho de uma família pobre, nunca usou sua condição social como argumento para deixar de correr atrás do sonho que vinha construindo desde a infância. Na escola, sempre estava na biblioteca, mergulhado nos livros. A paixão pela leitura e a admiração por aqueles que lhe ensinaram a reconhecer as primeiras palavras despertaram nele a vontade de ser professor.
Era para isso que lutava até que, na sexta-feira, a batalha foi perdida. Enquanto se preparava para ir dar aula, dois homens arrombaram a porta da casa. Estavam à procura de seu irmão mais novo, de 16 anos, envolvido com drogas. Como não o encontraram, não deixaram a “visita” por menos.
Dispararam vários tiros contra o adolescente, que ainda clamou para não morrer, e um outro contra a mãe dele, por ter tentado defender o filho. O crime aconteceu no Morro da Conceição, Zona Norte do Recife. Na manhã de ontem, no cemitério de Casa Amarela, parentes e amigos despediram-se do “filho querido” e “aluno exemplar”. Sob forte comoção, cobravam justiça pela morte de mais um inocente que teve seu futuro roubado pela violência.
O assassinato aconteceu por volta das 19h da última sexta-feira. Segundo um familiar da vítima, os dois homens, conhecidos como Júlio César e Júnior Eta, bateram na porta da avó do rival, que fica na mesma rua, à procura dele. Como não o encontraram, foram até a casa da mãe do adolescente, onde ele vive com mais quatro irmãos. Chegando lá, arrombaram a porta e foram logo perguntando pelo desafeto.
A mãe dele, que estava com o neto de três anos no braço, implorou para que deixassem a família em paz, mas foi em vão. Foi quando o filho de 17 anos, que tinha acabado de sair do banho e ia se arrumar para sair para dar aula, chegou na sala, perguntou o que estava acontecendo e foi baleado. “Os dois bandidos são daqui do Morro mesmo e já o conheciam, sabiam que o negócio não era com ele. Mas por maldade atiraram assim mesmo para não perder a viagem. São dois covardes”, desabafou um familiar.
Ao vê-lo baleado, a mãe correu para a frente do filho. Sem piedade, os bandidos atiraram no peito da mulher que acabou derrubando a criança no chão. Insatisfeitos, eles ainda continuaram atirando no rapaz. “Foram muitos tiros, uma verdadeira execução”, resumiu o delegado Humberto Ramos, da Força Tarefa da capital, que fez a ocorrência.
Segundo a polícia, os dois suspeitos são ex-presidiários e haviam recebido indulto da Justiça um dia antes. A mãe do rapaz foi levada para o Hospital Otávio de Freitas, onde passou por cirurgia. Seu quadro de saúde é estável.
O pai da vítima estava inconsolável. Ele contou que, na semana passada, os dois tiveram seu último encontro. “Ele me pediu um sapato para ir à escola. Era o orgulho da gente. Por causa do mais novo, que não vale nada, foi embora desse jeito. Ele não merecia morrer e muito menos assim”, desabafou. Por conta do envolvimento do caçula com drogas, toda a família vinha sendo ameaçada pelos traficantes, o que continuou depois do crime. Amigos contaram que a vítima queria se mudar com a mãe, mas não estava conseguindo dinheiro para o aluguel.
O jovem morto cursava o primeiro ano do magistério numa escola estadual no Centro do Recife. Pela manhã e à noite, dava aulas de reforço voluntário, sem receber remuneração, no programa de Educação de Jovens e Adultos numa escola municipal na Macaxeira, Zona Norte, onde estudou desde criança. Os suspeitos estão foragidos, e o caso será investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).