Em 2007, fui  convidado para cobrir a 17ª Assembleia da Organização Mundial do Turismo (OMT) em Cartagena das Índias (Colômbia). Duarante 15 dias,  visitei também Bogotá, Zipaquirá e Villa de Leyva. O resultado da viagem foram quatro páginas publicadas no Diario. O material, postado aqui no blog, inaugura a seção Passaporte, onde recordaremos matérias e fotos feitas pelo pessoal da redação em viagens e coberturas internacionais.

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Para quem ainda não é assinante, reproduzimos parte da matéria:

Cidade inspira piratas e poetas

Sérgio Miguel Buarque
Enviado especial

COLÔMBIA // Cartagena das Índias, no Caribe colombiano, resistiu aos conquistadores e serviu de cenário para histórias fantásticas

A primeira visão que se tem de Cartagena das Índias é marcante. Ainda da janela do avião é possível ver, com toda intensidade, o imenso mar multicor do Caribe emoldurando a cidade colombiana Patrimônio Histórico da Humanidade. A segunda impressão, já com os pés no chão, é a que fica para sempre: uma lendária muralha de 13 km construída pelos colonizadores espanhóis. Fortificação que nestes últimos quatrocentos anos cercou e manteve a salvo dos piratas e conquistadores estrangeiros um emaranhado colorido de casas e prédios coloniais. Muralha que parece ter feito a cidade parar no tempo. Um tempo e um lugar que serviu de inspiração para Gabriel García Márquez escrever vários de seus livros.

Essa viagem a um passado heróico, somado ao imaginário fantástico de García Márquez, à arquitetura colonial, ao sol equatorial e ao mar caribenho é a combinação responsável por tornar Cartagena das Índias o destino turístico mais procurado do país depoisda capital Bogotá. Cartagena é parte de uma Colômbia que aparece pouco na mídia. Paradisíaca e alegre, longe da guerrilha das Farc ou da violência produzida pelo narcotráfico.

Cartagena é um convite para se vestir de branco (para fugir do calor), andar pelas ruas estreitas da cidade antiga descobrindo belas histórias em cada esquina, encontrar um povo divertido e hospitaleiro e, quando o sol estiver mais forte do que nunca, tomar uma cerveja “fora de hora” no Portal dos Doces. No fim do dia, quando a brisa do Caribe começar a soprar, você vai entender o que quis dizer o poeta cartagenero Luis Carlos Lopes (1879-1950), no poema “A minha cidade nativa”: Cartagena “inspira esse carinho que se tem por seu sapato velho.

Fora das muralhas

Cartagena não é apenas a cidade cercada por muralhas. A capital do departamento de Bolívar, distante 1.026 quilômetros de Bogotá, tem cerca de um milhão de habitantes e vem procurando se modernizar. O maior símbolo da Cartagena do “presente e do futuro” é o bairro de Bocagrande, ocupado por prédios altos e modernos, além de lojas de grife, shoppings e hotéis luxuosos.

Claro que existem roteiros além das muralhas. Você pode aproveitar os arredores da cidade e os prazeres que o Caribe pode oferecer: mar belíssimo, água quentinha, peixe com arroz de coco no almoço, uma rede na sombra… Um boa opção é conhecer as ilhas do Rosário, cerca de 50 minutos de barco.Você irá se apaixonar.

O realismo fantástico de Cartagena das Índias

A Torre do Relógio, antiga entrada oficial da cidade murada, também pode ser uma espécie de portal que transporta o visitante para o universo fantástico dos livros de Grabriel García Márquez. Cartagena das Índias serviu de inspiração e cenário para várias histórias do escritor colombiano ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1982 e morador mais ilustre da cidade.
O passeio pode ter a Torre do Relógio como ponto de partida. Mas não existe um rumo certo. O bom mesmo é seguir e deixar-se surpreender. Andando pelas ruas estreitas, por entre as casa coloniais, tem-se a impressão de a qualquer momento cruzar com Firmina Daza ou Florentino Ariza e sua história de paixão que esperou mais de meio século para se consumar em “O amor nos tempos do cólera”. Ou ainda topar de cara com a marquesinha Sierva Maria de Todos los Ángeles e sua cabeleira esplêndida de 22 metros e 11 centímetros, heroína de “Do amor e outros demônios”.

Você pode não encontrar os personagens de García Márquez em carne e osso. Mas o cenário, ascasas, praças e prédios das histórias estão lá. Como o Portal dos Doces, “uma galeria de arcadas” onde as “doceiras anunciavam aos berros por cima da bulha as cocadas de pinhas para as mocinhas, de cocos para os loucos, de panela para micaela”. Foi lá que Firmina Daza disse não a Florentino Ariza.

Alguns metros adiante, quebrando à direita, chega-se à bela Catedral de Cartagena. Onde Florentino teve a alegria de olhar pela primeira vez nos olhos de Firmina e a tristeza, anos mais tarde, de vê-la casar com Juvenal Urbino. Errando pelo labirinto de ruas, não vai tardar para se chegar ao antigo convento de Santa Clara, hoje um luxuoso hotel, que serviu de cenário para a prisão e suplício de Sierva Maria e do apaixonado padre Caetano Delaura. Tudo igual como descrito no livro.

Mas é preciso estar atento a tudo. Entre um encontro e outro com as histórias de García Márquez existem dezenas de lugares reais e fantásticos. Lugares que o viajante irá descobrir e criar a própria história. No fim, os caminhos sempre darão para o mar do Caribe. De um imenso e infinito azul, que fez o então garoto Gabriel, ainda na década de 30 do século passado, perguntar ao avô Papalelo:
– O que há do outro lado?
– O mundo, respondeu o avô.


Tem uma metrópole no caminho

Para se chegar a Cartagena das Índias de avião, não tem jeito: é preciso fazer uma conexão em Bogotá. Mas isso não é ruim. Vale à pena aproveitar a oportunidade para conhecer a capital da Colômbia e, principalmente, algumas cidades encantadoras pela região do altiplano andino. Para isso, reserve pelo menos três dias. Não pode esquecer roupa de frio também. Diferente da litorânea Cartagena, que tem uma temperatura média superior aos 30 graus, Bogotá está a 2.640 metros acima do nível do mar. Isso faz com que a temperatura fique em torno de 15 graus na maior parte do ano.
Bogotá é uma cidade gigante. São mais de sete milhões de habitantes e todos os problemas de uma metrópole da América Latina. O trânsito é caótico e exige paciência. Em compensação, o táxi é mais barato do que no Brasil. Pegue um e vá até o centro histórico. Peça para descer na Catedral, na praça Bolívar. Depois é só seguir a pé. Nas redondezas você encontrará museus (o de Botero é o melhor), bibliotecas, prédios históricos e alguns bons cafés. Também tem lugar para fazer compras. Você não pode deixar de subir (ainda mais!) até o santuário de Monserrate. Tem um teleférico bem legal e uma vista impagável.

Mas a grande atração encontra-se a 50 km de Bogotá, numa cidade chamada Zipaquirá. A Catedral de Sal é indescritível. Os colombianos a chamam de oitava maravilha do mundo. Talvez seja mesmo. Trata-se de uma construção esculpida 180 metros abaixo da superfície, nas pedras de uma antiga mina de sal. A nave principal, com uma cruz de 16 metros de altura por 10 de largura, tem missa todo domingo, com lugar para oito mil fiéis. Além de única, é bela e emocionante. Só vendo.

Uma outra boa opção de passeio é conhecer Villa de Leyva, uma cidade colonial a 90 km de Bogotá, famosa também por seus fósseis de animais pré-históricos. Há uns 600 milhões de anos, o vale onde hoje se encontra Villa de Leyva, 2.114 metros acima do nível do mar, era o próprio mar. Os fósseis estão lá para provar.