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Desde o seu surgimento, o jornal enfrenta a realidade de ser um produto descartável já no dia posterior à sua publicação. Com o avanço da internet e o acesso à informação através de outros canais com mais recursos – principalmente a televisão e internet – a ameaça da obsolescência se dá em minutos ou mesmo antes da divulgação das notícias por causa dos novos dispositivos que estabelecem uma nova relação entre as partes envolvidas no processo de comunicação. Mesmo no banheiro, não se pode escapar da “contemporaneidade”. As novas formas de divulgação da notícia trazem no seu bojo vários dilemas: o jornal de papel, como instrumento definidor de uma sociedade moderna, é agora um dispositivo arcaico? Ele se modernizando no vidro, atualizando as notícias “em tempo real”, deixa de ser o jornal como conhecemos?

Para se compreender uma sociedade e identificar os seus preconceitos, nada mais contemporâneo do que o jornal produzido no calor da hora, com todos os seus defeitos de edição, e também suas omissões. As publicações em papel vão desaparecer? Não todas, mas os que permanecerem vão se tornar peça menor de uma engrenagem de informação que vai priorizar o “tempo real”. A corrida contra o tempo para a permanência do jornal impresso não é uniforme, como destaca o jornalista espanhol Miguel Angel Bastenier, colunista do jornal madrilenho El País e autor do livro Cómo se escribe um periódico – El chip colonial y los diarios en América Latina, lançado em 2009 pela Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano, presidida por Gabriel García Márquez.

Comprei este livro em Bogotá, em 2011, e de vez em quando volto a consultá-lo. Este é um momento propício. Bastenier defende que o jornalista pode ter estilo, mas sua principal preocupação deve ser sempre a clareza de entendimento do leitor. É um alerta bastante útil nestes tempos de espaços reduzidos e profusão de notas. De forma resumida, os mandamentos dele são os seguintes:

1) Não fazer prólogos à informação

2) Quando não souber lidar com o “lead retardado”, voltar ao confiável sujeito-verbo-predicado

3) Não confundir interpretação (porque as coisas aconteceram) com opinião (o que eu gosto ou não que aconteça)

4) Dar lastro ao leitor à medida que a informação se desenvolva (não repetir a cada vez o nome completo de cada coisa, mas simplesmente se referir de forma mais sintética)

5) Fazer com que até um marciano seja capaz de entender tudo o que está escrito no jornal

6) Não deixar pontas soltas, ou expectativas não satisfeitas de informação

7) Nunca deixar de registrar quando e onde ocorreram os fatos

Bastenier considera que, em um primeiro momento, as versões eletrônicas dos jornais impressos “canibalizaram” o público leitor do papel, ao não preparar a transição para o digital de uma forma mais suave. De um momento para o outro, o consumidor de notícia passou a ter acesso a informações em outros canais, primeiro através de blogs e atualmente por redes sociais. Na América Latina, incluindo o Brasil, vive-se um fenômeno contrário do que ocorre nos Estados Unidos e na Europa: o número de leitores de publicações em papel vem crescendo, por causa da ascensão econômica das classes mais populares. Como ocorreu há mais de cem anos nos países mais ricos, ser assinante de um jornal ou revista traz status social e o universo de novos leitores advindos das camadas C, D e E não está ainda devidamente “alfabetizado” e “cooptado” pelos meios eletrônicos.

Como evitar que os antigos e novos leitores de jornal em papel não se deixem seduzir pelo digital, condenando o tradicional “dispositivo” à morte? Oferecendo conteúdo que, ao mesmo tempo, mantenha a ideia da tradição do “fechamento”, trazendo informações processadas dentro de um ciclo de tempo, e que seja atualizado ao longo do dia. Os novos celulares e tablets intensificaram a sensação de que nunca na história da humanidade se teve acesso a tanta notícia – e de forma gratuita, em algumas situações. Para permanecerem vivos e competitivos, os jornais precisarão investir mais e mais em coberturas exclusivas, o que representará mais gastos num momento em que a ordem é economizar. Ao contrário do papel, não são muitos os leitores dispostos a pagar por consumo de notícia pelo meio digital.

Nesse processo de reinvenção forçado pelas novas tecnologias e a concorrência de outros “fazedores de notícias”, os jornais mais tradicionais podem se consolidar no futuro justamente pelo poder do seu passado. No processo de “musealização” da sociedade, descrito pelo pensador alemão Andreas Huyssen no seu livro Seduzidos pela memória, os jornais têm nos seus exemplares já catalogados um acervo que vai ganhar crescente importância dentro de um universo onde a informação circula em todos os momentos. Os jornalistas do presente, os que produzirão para o consumidor dos dispositivos de vidro, serão os “arqueólogos de dados”, os habilitados a desvendar os sinais mais representativos deste mundo digital. Do papel ao vidro, do tempo linear ao fragmentado, o jornalista se tornará cada vez mais um historiador do contemporâneo. Muito ou pouco, vai ter que continuar a escrever. E bem.