A gaúcha Elis Regina Carvalho Costa surgiu no cenário musical nacional em 1965, aos 20 anos de idade, quando se tornou a grande revelação do festival da TV Excelsior em 1965, cantando Arrastão, de Vinicius de Moraes e Edu Lobo. A MPB ganhava uma estrela que saiu de cena de forma abrupta, em 19 de janeiro de 1982, por overdose. A importância da cantora é tema do Em Foco do Diario de domingo, por Luce Pereira.
O show inacabado de Elis Regina
Os 33 anos da morte de um dos maiores fenômenos da MPB mostram a força do mito: a Pimentinha segue conquistando fãs e vendendo discos
Luce Pereira
Não estranhe, o tempo voa mesmo e com asas tão sutis que chega a dar medo. Quem diria que Elis Regina foi embora há 33 anos, completados amanhã? Era uma terça-feira e eu ia chegando em São Paulo (de ônibus, porque avião não cabia no orçamento), quando o rádio que entretinha o motorista caminho afora disparou a notícia: “Acaba de falecer, no Hospital das Clínicas, a cantora Elis Regina…” Lembro que levei a mão à boca, depois de ficar “cor de papel”, e continuei ouvindo, perplexa, o noticiário sobre o caso. A programação do primeiro dia em Santos foi, naturalmente, assistir a todos os telejornais em busca de informações. O Brasil não acreditava naquilo.
E a incredulidade era compreensível. A MPB perdia não apenas sua maior estrela como uma mulher de personalidade estonteante, que não tinha o menor medo de se atirar no escuro, feito camicase, em busca da maior obsessão: encontrar joias musicais raras para enriquecer o repertório e a vida. Foi assim que lançou muitos dos maiores nomes da Música Popular Brasileira em todos os tempos e de alguns tornou-se inseparável, como foi o caso de Milton Nascimento.
Em longa e comovente entrevista publicada no dia 8 de abril de 2012, numa revista de circulação nacional, Bituca fez elogios rasgados à amiga. Disse que, quando compunha uma música, só a via como intérprete e que, de tão íntimos, chegou a tomar conta dos filhos pequenos, João e Pedro, enquanto ela estava no palco fazendo show da turnê Transversal do tempo (1978), um dos mais festejados de toda a carreira. Não retirou uma vírgula do que disse o irmão de Elis, Rogério Costa, depois de uma apresentação em Paris: “Minha irmã foi o grande amor de sua vida, Milton”.
Na verdade, Elis foi sempre o grande amor do Brasil apaixonado por MPB, sem desmerecimento do maravilhoso trabalho das duas concorrentes diretas, Maria Bethania e Gal Costa, que chegavam a vender dez vezes mais discos do que ela. É que a Pimentinha incendiava o palco com voz e interpretação de tirar o fôlego e fora dele era a polêmica e o destemor em pessoa. Desafiava a ditadura militar com postura política de resistência e nunca deixou de ser admirada, mesmo quando se contradizia. Na década de 1960, por exemplo, liderou passeata contra o uso de guitarras na MPB, depois passou a gravar disco com arranjos cheios delas. Ao todo foram 28 LPs e Elis parecia se superar a cada um.
Só não conseguiu ser maior do que o maior de todos os desafios: conciliar a vida agitada, o temperamento forte, a busca obsessiva pela perfeição no trabalho, a vaidade e os amores turbulentos. A causa da morte – mistura de grande dose de cocaína com álcool – pegou de surpresa o país, que a imaginava livre das drogas, mas, diante do significado da perda, não conseguiu mais do que ajudar na perpetuação do mito, cuja trajetória aparece em detalhes na biografia feita pela escritora e amiga Regina Echeverria – Furacão Elis – reeditado em 2012.
Os discos de Elis Regina Carvalho Costa, que deixou a vida com apenas 36 anos, continuam vendendo como se ela ainda fosse fazer a turnê do último LP, Trem azul (1982). E a sensação cresceu quando a filha, a também cantora Maria Rita, desistiu de resistir ao desejo de homenageá-la em show com os maiores sucessos da carreira. Quem esteve na plateia do Redescobrir, a partir de maio de 2013, por momentos fechou os olhos e foi como se ouvisse Elis outra vez. Mas, para a alegria de uma multidão, Brasil afora, Maria Rita está certa: “Minha mãe não vai morrer nunca”.