Em Foco 0206

Internautas que participaram de campanha para a localização de jovem desaparecida sentem-se no direito de saber o que aconteceu, agora que ela voltou para casa. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta terça-feira. A imagem que ilustra a página foi retirada do Facebook de Vaniela Oliveira.

Mistério em tempos de redes sociais

Vandeck Santiago (texto)

Depois das redes sociais, o desaparecimento de pessoas nunca mais foi o mesmo.
Vem sempre acompanhado de uma campanha viralizada na internet, feita por amigos e familiares, provoca uma comoção generalizada e espalha uma nuvem de mistério sobre o que realmente aconteceu. Quando o desenlace é, infelizmente, trágico, sobra a tristeza de todos; quando tudo acaba aparentemente bem (ou seja, com o encontro do desaparecido, sem maiores sequelas), fica o mistério – afinal, o que houve?
Recordo de imediato dois casos que tiveram repercussão na imprensa. O primeiro de um rapaz de 21 anos, José Arrais Maia Neto, que desapareceu e voltou para casa três dias depois, em 2012, no Ceará. O segundo, bem mais recente, da estudante de medicina veterinária da Universidade Federal de Viçosa (MG), Melina Nascimento França, foi encontrada dois dias após, em março passado. Ambos ganharam notoriedade nacional a partir das campanhas nas redes sociais. E em ambos também predominou o silêncio depois de as pessoas voltarem às suas famílias.
A sequência chega agora em Pernambuco, com a história de Vaniela Oliveira, de 25 anos, que sumiu no dia 27 de maio e foi encontrada no dia 30 sem sinais aparentes de violência. No dia 28 a delegada encarregada do caso, Gleide Ângelo, do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), colocou em sua página do Facebook um post sobre o desaparecimento dela, pedindo que compartilhassem – teve 12.946 compartilhamentos. Quando a moça foi encontrada, a delegada noticiou a boa nova com um novo post, que teve 1.909 compartilhamentos.
As redes sociais são aquele espaço onde a solidariedade é um gesto que fica à distância de um botão. Mas são também um espaço privilegiado da polêmica, na maioria das vezes recheada da contundência que costuma se manifestar quando as pessoas discutem de longe, sem olhar umas nos olhos das outras. No desaparecimento de Vaniela a solidariedade e a polêmica das redes acabaram se encontrando no final – de forma que me parece inédita em relação a outros casos de desaparecidos que também repercutiram na internet.
Aqui, o que se tem visto desde o encontro da garota é uma tendência considerável de pessoas cobrando que a história seja contada com começo, meio e fim – ou seja, que se elucide o mistério. A motivação disso (pelo menos aparentemente) é que as pessoas que participaram da “solidariedade” (compartilhando, postando) agora se sentem no direito de cobrar a elucidação do mistério. Na página do Diario no Facebook o internauta que se identificou como Alberto Correia escreveu na parte dos comentários: “Quando ela estava ‘desaparecida’ os amigos e familiares mobilizaram a galera nas redes sociais. Agora que do nada ela aparece, vêm os amigos e familiares pedirem pra não expor a menina, que ela não deve satisfação a ninguém e tal. É muita contradição.” O comentário que teve maior repercussão foi o do internauta Daniel Foka (2.387 curtidas), que afirmou: “Acredito que quando as pessoas pedem pra divulgar o motivo do desaparecimento seja, de certa maneira, além da curiosidade gratuita de muitos, um instituto de sobrevivência ou precaução. Se foi sequestro, divulgar esse fato ajudaria a prevenir novos crimes como esse. Se foi amor de Internet, com certeza deixaria muitos pais e mães mais alertas com os filhos. Assim como as redes sociais ajudaram a família a encontrar a menina, independentemente da razão do sumiço, sua divulgação seria benéfica para evitar casos semelhantes”.
Não estamos defendendo o teor desses comentários (há outros que dizem exatamente o contrário); eles são mencionados aqui apenas como reflexo da polêmica – e como sinal de outra característica das redes, que é o da supervalorização. Num ambiente em que todos podem participar, aqueles que participam querem ter a participação reconhecida – no caso específico, reivindicando como “um direito” que a história do desaparecimento seja contada por inteiro (independentemente do eventual dano que isso possa causar às pessoas envolvidas).
Nesses tempos de redes sociais, a mão que tecla o afago é a mesma que tecla o apedrejamento, como diria aquele poeta angustiado dos tempos analógicos.