Paralisação de coletivos deixa evidente falta que faz malha cicloviária com capacidade para cobrir o Recife e sua Região Metropolitana.
Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)
Greve de ônibus, outra vez. Novamente, dia de penitência para a maior parte da população que, sem outra saída, depende do sofrível transporte público do Recife. Convenhamos, se as promessas contidas no Plano de Mobilidade do município tivessem se transformado em compromisso com a criação e expansão de ciclovias, a dor de cabeça ante o número reduzido de coletivos nas ruas seria bem menor. Os carros poderiam continuar nas garagens e os donos deles não perderiam tempo para chegar ao trabalho, ganhando como bônus pelas pedaladas mais saúde e disposição. Assim raciocinam gestões modernas decididas a desatar o nó produzido por ruas cada vez mais tomadas por automóveis. Caso da prefeitura de São Paulo, que trabalha com a meta de construção de 400 quilômetros de ciclovias, em 2015.
É intrigante a dificuldade do poder público local em enxergar a importância da bicicleta como meio de transporte, quando a porção inteligente do mundo vive colocando o modal do céu para cima. Ônibus, trens e metrôs, em lugar de disputar a preferência dos usuários, somam-se a fim de facilitar a vida dos ciclistas. Funcionam como complemento às viagens. Seja em vagões ou a bordo dos coletivos, lá estão elas, em espaços especialmente criados para abrigá-las, enquanto aguardam a hora de desembarcar e ganhar as ruas, rodando em territórios próprios, com toda a segurança.
A falta de ciclovias no Recife, antes de mais nada, funciona como um estímulo a que as estatísticas de mortes de ciclistas no trânsito aumentem a cada ano. Ironicamente, o incentivo ao uso da bicicleta partiu da própria prefeitura – quando criou as ciclofaixas de lazer, em funcionamento aos domingos e feriados –, mas a medida, que poderia evoluir para utilização e benefício diários, esbarrou em velhos complicadores, até hoje pouco claros. Como explicar, por exemplo, que a Via Mangue tenha nascido sem faixa exclusiva para quem pedala? É apenas mais um sinal da falta de sintonia da mobilidade praticada aqui com as exigências de um futuro que chega a cada dia.
Colocando uma poderosa lente de aumento sobre a questão das ciclovias no Brasil e até no continente (à exceção de Bogotá/Colômbia), o caminho para alcançar grandes cidades da Europa, neste quesito, é a perder de vista. Ainda mais agora, que os europeus terão 70 mil quilômetros delas ligando 43 países. O que não faltam são sinais de que o resto do mundo entendeu a importância deste meio de transporte, enquanto nós continuamos (voluntariamente) com olhos vendados. Basta dizer que a cidade dispõe de míseros 33 quilômetros de malha cicloviária (ciclovias e ciclofaixas), embora anunciem a construção de 540 por toda a RM, até 2024. O problema é apenas que desde o início esse bonde se move à base de promessas.
Em dias como o de ontem, fica mais clara a necessidade de o Recife ter outros olhos para a bicicleta, sobretudo quando a população dá mostras de que deseja a ampliação desse território. Porém, independentemente do sufoco provocado pela falta de alternativas ao transporte público, todo santo dia sobram exemplos da preocupação do mundo em aperfeiçoar o uso do modal. Eles já seriam suficientes para tentarmos escapar de fazer parte do pior espetáculo – aquele em que estaríamos na pele da tartaruga obrigada a testar seu ritmo contra o “turbinado” coelho.