Em Foco 1011

Estudo mostra que violência contra a mulher continua em alta no Brasil, e que jovens negras e pobres são as maiores vítimas.

Vandeck Santiago (texto)
Helder Tavares (foto)

São espantosos os dados divulgados ontem pelo “Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil”. Um deles é que o total de negras assassinadas aumentou 54,2% no período de 10 anos (2003 a 2013). Já o de mulheres brancas, no mesmo período, caiu 9,8%. Outro é que o domicílio é um espaço de risco para muitas mulheres: 27,1% dos assassinatos delas ocorrem na própria casa (o percentual de homens mortos em casa é de 10%). Quando se pega os dados mais recentes, de 2013, a constatação é de que a maior taxa de homicídios atinge as mulheres de 18 anos. Com base nesses números é possível traçar um perfil comum das que são vítimas de violência no Brasil: têm 18 anos, são negras e sofrem o ataque fatal dentro de casa. O resultado geral coloca o Brasil como o quinto país do mundo em que mais se mata mulheres, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.
Quando vi estes números a primeira coisa que pensei foi: E a Lei Maria da Penha, que prevê penas duras contra quem comete violência contra a mulher, que é motivo de tantas notícias, debates e campanhas, qual o seu efeito neste quadro? A constatação que se pode fazer dos números do Mapa da Violência é que, apesar de todos os seus méritos, a Lei Maria da Penha não conseguiu conter o aumento do número de homicídios. “Se num primeiro momento, em 2007, registrou-se uma queda expressiva nas taxas, de 4,2 para 3,9 por 100 mil mulheres, rapidamente a violência homicida recuperou sua escalada, ultrapassando a taxa de 2006”, afirma trecho do Mapa.
As vítimas na faixa de 18 anos são aquelas que atingiram a maioridade já na vigência da Lei, e os números sugerem que elas não estão sendo beneficiadas pela proteção trazida pela nova legislação. “A Lei Maria da Penha é um marco importante, especialmente porque facilitou a forma de se denunciar abusos e transferiu o ônus da prova para o agressor”, disse à BBC o autor do Mapa, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz. “Mas ela precisa ser implementada de forma apropriada, e o caminho é longo. Estamos falando de questões como o estabelecimento de centros de proteção para as vítimas e mesmo um sistema judiciário que aja com mais eficiência na punição e apuração dos crimes, bem como a mudança de uma mentalidade machista no país de uma forma geral”. Os centros de proteção a que ele se refere seriam casas de acolhimento para as quais as mulheres agredidas poderiam ir, após fazer a denúncia do agressor. Também há reclamações de entidades das mulheres sobre a determinação de distância mínima que deveria ser mantida entre a vítima e o agressor, medida que não é posta em prática como deveria.
O Mapa não é o primeiro levantamento a constatar as limitações da Lei. Em 2013 estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) sobre feminicídio apontou que a Maria da Penha não teve efeito sobre a quantidade de mulheres assassinadas (“feminicídio” é o assassinato de mulheres provocado por conflitos de gênero). A conclusão do instituto destacava a necessidade de que, diante das limitações da Lei e do aumento do número de casos, outras medidas fossem adotadas para combater a violência contra as mulheres, reduzir as desigualdades de gênero e proteger as vítimas. (Há quem ache que o fato de a Lei Maria da Penha não ter conseguido impedir o crescimento dos homicídios é indicativo de que “endurecer” as leis, tornando as penas mais rigorosas, não resolve problemas, mas isso é uma variável muito específica, que exige conhecimento especializado, e que não vamos explorar aqui.)
Faça-se a ressalva, porém,  que este quadro não é uniforme em todo o Brasil. Segundo o Mapa da Violência 2015, em cinco estados houve redução das taxas de mortalidade: Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Rondônia (em todos os demais estados, as taxas cresceram).
Independentemente de uma variação aqui outra acolá, o fato é que a persistência da tendência demonstrada pelos números aponta para a constatação de uma lei apenas não será suficiente para eliminar uma agressão de raízes tão profundas. Além do machismo, há que se considerar também variáveis como pobreza, cor da pele e, como ressalta Julio Jacobo Waiselfisz, a impunidade, que se verifica não só contra as mulheres. “Pesquisas especializadas mostram que o índice de elucidação dos crimes de homicídios é baixíssimo no Brasil, variando entre 5 e 8%. Apenas nos EUA, ele é de 65%”, afirma ele. “Se a impunidade prevalece amplamente nos homicídios em geral, ela deve ser norma também nos casos de homicídios de mulheres”.