Em Foco 1511

A festa dos 190 anos do jornal mais antigo em circulação na América Latina será no palco e na plateia de um dos teatros mais antigos e belos do Brasil.

Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (ilustração)

Era uma segunda-feira, melhor dia para se inaugurar um jornal. Na casa de número 256 da Rua Direita, um tipógrafo imprimia, em apenas uma folha, a primeira edição daquele que viria a ser, 190 anos depois, o mais antigo em circulação na América Latina. Era um sábado, melhor dia para se inaugurar um teatro. Na Praça da República, um (futuro) conde entregava à cidade aquele que, 165 anos depois, viria a se destacar no país como um dos melhores e mais belos.
Separados por lapsos de tempo e ofícios, o conde (Francisco do Rego Barros) e o tipógrafo (Antonino José de Miranda Falcão), entraram juntos para a História do estado ao legar ao Recife patrimônios com lugar cativo no coração dos pernambucanos – o Diario de Pernambuco e o Santa Isabel.
A força das tintas que realçam o conteúdo do jornal parece a mesma que mantém o vigor da arte abrigada pelo teatro – e também nisto os dois seguem juntos. Espectadores das transformações políticas e sociais, acabaram absorvendo-as e traduzindo-as com uma sabedoria somente possível a instituições seculares. Afinal, o que seria da informação e da cultura sem a experiência para interpretá-las com a verdade e a coragem necessárias? Resumem, enfim, símbolos de resistência, pois amplificaram vozes poderosas na defesa dos interesses do país, a exemplo de expoentes do abolicionismo e da República. Nada mais justo, então, que estejam, os dois, juntos na festa da próxima terça-feira.
Naturalmente, uma festa com a “cara” de Pernambuco. Em lugar da orquestra e seu repertório clássico, uma banda que, pelas raízes do trabalho, também vingou como expressão do orgulho recifense. O Quinteto Violado já percorre uma estrada que tem quase meio século (1970) e foi convidado a dar o tom da comemoração porque vem de longa e profícua relação com o aniversariante. Em 45 anos de existência esteve inúmeras vezes nas páginas do Diario, que buscava exaltar a importância de um trabalho cada vez mais reconhecido país afora, sobretudo a partir de 1974 quando a banda recebeu o troféu Noel Rosa de Melhor Grupo Instrumental do Brasil, concedido pela Associação de Críticos de Artes de São Paulo.
O repertório, que guarda profunda identidade com a cultura local, deverá refletir, também, o espírito do prêmio Orgulho de Pernambuco, concedido anualmente a empresas, instituições e personalidades de destaque no estado. Diferentemente dos anos anteriores, a premiação não acontecerá em evento exclusivo e os agraciados sairão de escolha feita por jornalistas da casa. Respira-se democracia. Agora parte do Grupo R2, que tem Alexandre e Maurício Rands no comando, o Diario vai experimentar novas linguagens e voos, como fazem meninos naturalmente inquietos e curiosos. Sem dúvida, o conde e o tipógrafo aprovariam, visto que, cercados por limitações de toda ordem, ousaram ir muito além do sonho.
A hora é mesmo de festa, embora os legados de Antonino e Francisco resistam em um ambiente de incertezas e temores. Mas, se décadas a fio enfrentram e venceram as provas mais duras, significa que não devem parecer velhos tão cedo. Têm a eternidade até chegar a isso.