Em Foco 19.11

Deixaram de ser produtivos e foram largados nas estradas. O carinho que aparentemente todos tinham com eles não resistiu às necessidades econômicas.

Vandeck Santiago (texto)
Roberto Ramos (foto)

A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, está em missão comercial na China. Ontem em sua conta no Twitter ela disse que um investidor chinês a procurou interessado em importar um milhão de jumentos. “No seminário dos empresários chamou a atenção um investidor com um interesse que nos pareceu piada, mas não era. Ele quer importar jumentos p/ China”, escreveu a ministra. “Inacreditável mas sua demanda é de 1 milhão de jumentos ano. Morro e não vejo tudo”.
Kátia Abreu espantou-se com a demanda do investidor da China, mas o interesse não é novo. Um grupo de empresários chineses visitou os estados do Nordeste em junho de 2011, mantendo contato com fazendeiros e políticos para estabelecer um programa regular de exportação de jegues para a China. Lá o animal é utilizado na indústria de carne e de cosméticos. A meta divulgada na época era de 300 mil por ano. Houve reação das entidades defensoras de animais; o negócio não foi concretizado.
Mas, sem querer, a ministra tocou em um assunto delicado no Nordeste, sobretudo no interior. Com a expansão econômica na região, os jumentos foram substituídos pelas motocicletas como meio de transporte (que são usadas até para “cercar” gado no pasto).  De um momento para outro, perderam o valor.  Mantê-los não tem serventia nem retorno econômico, e por isso foram abandonados pelos donos.
Em todos os estados do Nordeste é comum encontrar os animais em grande número nas estradas, área em que encontram pasto disponível de um lado e outro.  Ironicamente, depois de servirem tanto tempo como meio de transporte, tornaram-se agora motivo de acidentes. Em Pernambuco, por exemplo, entre 2010 e o primeiro semestre de 2013,  dos 1.197 acidentes ocorridos com  animais a maioria foi com jegues.  A situação levou o deputado Odacy Amorim (PT) a criar em Lagoa Grande, no Sertão de Pernambuco, o Parque Ecológico de Proteção ao Jumento, destinado a abrigar os animais recolhidos nas rodovias da região.
No Rio Grande do Norte há casos de prefeitos que recolhem os jegues abandonados e os soltam em outros municípios. Em 2014, o promotor Silvio Ricardo Brito, de Apodi (371 km de Natal), chegou a realizar uma audiência pública para tratar do problema dos jumentos nas estradas – e daí teve a ideia de que os animais apreendidos poderiam ter a carne servida aos detentos do sistema penitenciário do estado. Caso a receptividade fosse boa, o promotor cogitava que a carne de jegue fosse servida também na merenda escolar e nos hospitais.  As propostas não foram adiante. Também ano passado o assunto ganhou notoriedade nacional ao ser tema de programa do jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira na Globonews, com o título “Abandono de jegues torna-se problema social”.
O jumento deixou de ser produtivo e foi largado nas estradas. O carinho que aparentemente lhe era devotado não resistiu às necessidades econômicas. Parece uma metáfora da vida.