Há 90 anos, tirando o Rio de Janeiro, que era a capital federal, o Recife orgulhava-se de ser a terceira maior cidade brasileira em população, com 300 mil habitantes. Vivia-se um novo momento de urbanização depois que o casario do bairro portuário foi posto abaixo para dar lugar às avenidas largas e prédios monumentais que tinham nítida influência francesa. A Zona Sul começava a ganhar impulso com a abertura da estrada asfaltada, um ano antes.
A rede de bondes cobria os principais bairros e a oferta de educação e serviços atraía as elites de outros estados nordestinos. A ordem era vestir-se bem para fazer o footing, constituir família e garantir um emprego para toda a vida. Era uma cidade digna de capa de revista, tanto que foi justamente em 1926 que surgiu a Revista da Cidade, uma publicação que apostava nas fotografias para registrar a vida social efervescente, com espaço para crônicas e poesias.
Entre os registros de festas, inaugurações e poses na praia, um fotógrafo buscava eternizar cenas curiosas de uma cidade que ainda apresentava aspectos rurais e de gente que descendia dos escravos libertados há pouco mais de 35 anos. Francisco Rebello – ou F. Rebello, como assinava – construiu um acervo importantíssimo para a cidade onde passou a viver no início da década de 1920. Nascido em Goa, possessão portuguesa na Índia, ele pertencia a uma família dona de jornal e chegou ao Rio de Janeiro de 1912. Mas foi o Recife que chamou de morada.
Como fotógrafo amador e estrangeiro, a arquitetura recifense e os tipos que frequentavam as ruas chamavam a atenção de F. Rebello. Graças a ele, temos registros de vendedores de todos os tipos, trabalhadores que comiam nas ruas, moradores de casebres em meio aos armazéns do porto e prosaicas ações como catar piolhos.
As imagens destoavam completamente do que era publicado na Revista da Cidade. Tanto que um leitor chegou a reclamar da existência de gente pobre que só denegria o Recife. Pelo menos nas 40 primeiras edições da publicação editada por Moraes, Rodrigues e Cia, F. Rebello marcou presença com uma ou mais fotos. Já no final de 1927 a editora resolveu mudar de linha editorial. Os tipos e costumes recifenses deram lugar a imagens do mundo. Tão curioso quanto, mas muito menos incômodo.