Estrutura de apoio às famílias de bebês com má-formação ainda é insuficiente e longe do ideal.
Silvia Bessa (texto)
Vinicius Danadai (foto)
Para quem vê de fora, parece que foi ontem que o Brasil acompanhou chocado o anúncio do Ministério da Saúde decretando um estado de emergência de saúde pública inesperado. O zika vírus, então considerado espécie de primo pobre da dengue sem nenhum potencial ofensivo na visão de cientistas, passou a ter status. O alerta dizia que ele era causador de um surto de microcefalia, uma má-formação cerebral que atingia bebês em fase de desenvolvimento fetal. Amanhã, 11 de novembro, faz um ano da portaria oficial do governo federal.
Até então são 2.079 bebês com diagnóstico de microcefalia confirmado e outros 3.077 sob análise. Para quem deles cuida, para quem vive na intimidade com as crianças e as leva no colo, os dias foram mais longos, a rotina passou de forma lenta, nem se contam as visitas a centros de saúde e as dificuldades para enfrentar as sequelas da má-formação congênita do zika. Tudo se junta na maioria das vezes à ausência de recursos e piora com a falta de estrutura ideal oferecida pelo governo. Que o diga Jaqueline Oliveira e José Maria, moradores de Santos (SP) e pais dos gêmeos Laura e Lucas. Laura é portadora de microcefalia, como mostrou o Diario de Pernambuco no especial “Zika Vírus – Uma ameaça mundial”, publicado no dia 29 de fevereiro deste ano.
Às vésperas do primeiro ano dos filhos, Jaqueline se lamenta por não ter sequer conseguido o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para crianças com deficiência. Jaqueline é dona de casa e o marido gesseiro. A negação da ajuda teria base no rendimento de R$ 2 mil que serve para sustentar Jaqueline, o marido, os gêmeos e mais dois filhos mais velhos – que seria um pouco superior ao que determina o programa. Na casa deles, este é apenas um dos problemas. Vale ressaltar que este não se trata de mais um caso: Laura e Lucas são considerados referência para estudos médicos e científicos no que diz respeito ao zika. Há quem diga até que são a chave para desvendar alguns dos mistérios do zika pode estar no sangue deles. Se é assim com eles, sempre no foco da imprensa, imagine como é para os que moram na zona rural do interior nordestino?
O que se conclui ao ouvir aqueles que convivem com os choros e atrasos dos bebês vítimas do zika é que um ano depois da portaria de emergência nacional a rede de assistência de saúde continua insuficiente em todo o país. Restam muitas dúvidas sobre contaminação do zika e não existem vacinas para conter o vírus, seja ele transmitido por um mosquito ou por ato sexual. Hoje, o saldo é este: a Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que 67 países foram alvo de surto em 2015. Prevê risco de endemia em pelo menos sete deles.
Para se falar de Brasil, duas questões são merecedoras de destaque neste aniversário de um ano: 1 – Existe a possibilidade de subnotificação de microcefalia, uma vez que começam a surgir bebês com características de tamanho de cabeça dentro do padrão, mas que tardiamente apresentam danos cerebrais causados pelo zika; 2 – Números indicam um suposto aumento de casos confirmados e investigados de microcefalia em São Paulo e no Rio de Janeiro. O Ministério da Saúde nega e diz que, considerando a média mensal, as taxas estão dentro do padrão.
Há um ano, quando o surto estava ainda sendo dimensionado, ouvimos de um dos maiores epidemiologistas do país, Artur Timerman, que a “onda epidêmica do zika estava só começando”. Dizia que ela iria crescer e ganharia “corpo em dois ou três anos”, quando atingiria os principais centros populacionais, como São Paulo. Só o tempo dirá se a previsão se confirmará. Por hoje, no entanto, pode-se afirmar que o zika se fortaleceu e se consolidou como uma ameaça à saúde pública do mundo.