20.11

Moradora de Goiás, bem no centro do país, universitária de 20 anos realiza um sonho.

Marcionila Teixeira (texto)
Neyrilene/Arquivo Pessoal (foto)

Neyrilene Raquel de Souza, 20 anos, segurou forte a minha mão. Para adentrar no mar, é preciso impregnar-se de coragem. Ainda mais se é a primeira vez. Neyrilene sonhou durante anos com aquele dia. E eu tive a sorte de acompanhá-la na aventura de desvendar o infinito azul. Para mim, que já sou do mar, aquela imensidão de água pareceu ainda mais estonteante. A vida exibida em prateleiras à nossa frente às vezes parece tão sem graça. Mas Neyrilene me fez voltar a pensar sobre as redescobertas. E esse é, sem dúvida, um dos milagres da vida.
Já era meio de tarde quando recebi uma mensagem dela no WhatsApp. Eu e Neyrilene estávamos no mesmo grupo de jornalistas convidados para participar do VII Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, em Fortaleza, no Ceará. Neyrilene me chamou em uma mensagem particular para irmos à praia. Não conhecia aquela carinha na tela do celular, mas topei na hora. Hospedadas no mesmo hotel em frente à Praia de Iracema, nos encontramos no calçadão minutos depois. Uma rápida apresentação e ela confessa: era a primeira vez que viajava de avião. Também era a primeira vez que estava diante do mar. Ao mesmo tempo, ela desvendava dois azuis: o do céu e o do mar.
A missão começou em um trecho de água agitada. A descoberta não seria tão fácil, pensei. Peguei firme na mão dela e enfrentei aquele universo tão conhecido para mim. As surpresas de Neyrilene vieram aos poucos, assim como ondas. Primeiro a percepção de estar mergulhada em uma água quente. Depois, a certeza de que estava definitivamente em meio a uma “saborosa” água salgada. Habituada a cachoeiras, aquela impressão, acredite, causou surpresa.
Neyrilene nasceu no interior de São Paulo, mas mora em Valparaíso, em Goiás, a 35 quilômetros de Brasília. Estuda jornalismo na Universidade de Brasília (UNB) e faz estágio no Correio Braziliense. Aceitou feliz o convite repassado pela chefia do jornal para ir ao simpósio. Seria uma grande oportunidade de fazer sua descoberta marítima. Ao longo do ano, chegou a planejar uma viagem para o Rio de Janeiro, onde conheceria o mar. Mas os planos não deram certo. Na família da estudante, formada por uma irmã mais nova, o pai, um motorista, e a mãe, uma técnica de enfermagem, somente ela conseguiu realizar até agora o sonho de desvendar o azul do mar.
Até onde a vista alcançava, Neyrilene não conseguia entender como aquele horizonte era tão infinito. “É muito azul junto. Tem uma hora que não sei distinguir o que é céu e mar”, disse, maravilhada. Da praia, ela mandou lembranças para as pessoas mais queridas. Escreveu na areia os nomes da irmã e do namorado da irmã, além dos nomes de duas amigas mais próximas. Depois, fez fotos e enviou pelo celular.
Naqueles três dias que passamos juntas, Neyrilene e sua história de amor com o mar fortaleceram em mim o desejo de fascinar-se pelo óbvio à minha frente. De repente, o mar, um velho conhecido, até ganhou um brilho incandescente inusitado. Em tempos de amizades e observações limitadas ao mundo virtual, a estudante me trouxe de volta a reflexão sobre a necessidade de viver o presente.
Percorrer um caminho diferente entre a casa e o trabalho, saborear uma refeição com atenção, conversar olhando no olho e escutar o outro podem produzir algumas pequenas descobertas diárias sobre o valor do momento presente. Um velho pensamento atribuído a Buda já dizia: “O segredo da saúde, mental e corporal, está em não se lamentar pelo passado, não se preocupar com o futuro, nem se adiantar aos problemas, mas, viver sabia e seriamente o presente.” Nesse contexto, a história de Neyrilene, a menina que viajou 2,1 mil quilômetros para encontrar o infinito azul do mar, é pura inspiração. Porque também trata-se de um convite a realizarmos nossos sonhos.