Joaquim Nunes Machado, um corajoso reformista

Ele queria reformas na paz, mas virou líder da Revolução Praieira e pagou um alto preço por isso

Os pernambucanos costumavam brilhar na Câmara dos Deputados, durante o Império, e Joaquim Nunes Machado era o que mais se destacava, em 1848. Então, em novembro daquele ano, chegou ao Rio de Janeiro a notícia de que estava prestes a rebentar mais uma revolução em Pernambuco, desta vez promovida pelo “Partido da Praia”, ou “Praieiro”, do qual ele era membro. E Joaquim, que não concordava com luta armada para resolver problemas políticos, declarou que, por enquanto, não voltaria para na sua terra. Porque, se voltasse, seria morto.

Instado, porém, pelos amigos, e ferido em seu orgulho ao ser acusado de covarde e traidor, o deputado acabou voltando, para ajudar a restabelecer a paz. Mas, logo ao desembarcar, reafirmou: “Eu anunciei que vinha para ser vítima. Pois bem, vou sê-lo”.

Pouco tempo depois, Joaquim abandonara seus propósitos pacifistas e, no dia dois de fevereiro de 1849, estava metido numa operação militar, visando derrubar o governador. Ele liderava uma coluna rebelde, vinda do interior, que atacava o Recife pelo norte, enquanto outra tropa marchava pelo sul. Mas, aí, surgiu um problema.

A coluna de lá marchava bem e já havia ocupado o bairro de São José. A dele, porém, esbarrara numa resistência inesperada, no Largo da Soledade. Então, deixando suas premonições de lado, Joaquim se pôs à frente dos homens e deu ordem de avançar a qualquer custo…

PARTIDOS DA ÉPOCA

Nascido há 39 anos numa família tradicional de Goiana — historicamente, a vila mais rebelde da província, depois do Recife —, o deputado só havia pegado em armas uma vez na vida. Em 1831, ainda estudante de Direito, em Olinda, ele se engajara no Batalhão Patriótico e combatera a “Setembrada”, um levante de soldados rasos e escravos que durou três dias. Só dezoito anos depois voltou a combater, como um dos líderes do Partido Nacional de Pernambuco, popularmente conhecido como “Praieiro”.

Fundado em 1842, esse partido era uma dissidência pernambucana do Partido Liberal, apelidado de “Luzia”, que se alternava no poder, nacionalmente, com o Partido Conservador, ou “Saquarema”. E os conservadores, aqui, eram apelidados de “guabirus” ou de “baronistas”, porque seu líder era o Barão da Boa Vista.

Enfim, “baronistas” ou “guabirus” de um lado, “praieiros” do outro. Nesses dois blocos, grosso modo, se dividia a política local. Mas ainda havia alguns conservadores que não eram guabirus e liberais que não eram praieiros, afora uns poucos “cabanos” — agitadores exaltados, como o jornalista Borges da Fonseca — e socialistas moderados como Antônio Figueiredo, editor da revista “O Progresso”, o engenheiro francês Louis Vauthier e o general Abreu e Lima.

REFORMAS NA ORDEM

Juiz de direito por profissão e político por vocação, o praieiro Joaquim Machado defendia mudanças no País para melhorar a sorte da imensa maioria que penava com o desemprego, a fome e as injustiças. Ele não aceitava que todas as manufaturas aqui consumidas fossem importadas; que o comércio estivesse em mãos de estrangeiros e os brasileiros não conseguissem sequer se empregar como caixeiros das lojas; e que os pequenos lavradores não pudessem plantar nem uma rocinha para dar de comer às suas famílias, porque todas as terras — na maior parte, improdutivas — já tinham donos.

O sistema político também carecia de grandes reparos porque, sendo este um país rural, era no campo que vivia a maioria dos eleitores. E lá mandavam e desmandavam os grandes proprietários, que elegiam quem queriam, nomeavam juízes e delegados e tinham absoluto desprezo pela Lei. Por isso explodiam rebeliões em toda parte, pelo Brasil afora.

Joaquim, porém, abominava a violência e tentava promover reformas em paz. Ele apresentara, por exemplo, um projeto — não aprovado — determinando que o comércio a retalho se tornasse privativo dos brasileiros. E, para seu desgosto, via a situação se agravando cada vez mais — principalmente na sua terra, tradicionalmente rebelde e vivendo um momento excepcional.

Ora, quando os saquaremas (conservadores) foram apeados do poder no País, nas eleições de 1845, e os luzias (liberais) assumiram, o deputado baiano Antônio Chichorro da Gama fora nomeado presidente de Pernambuco. E começara, então, o tempo de ouro da Praia.

A opressão uniu praieiros “novos” e “velhos”

Juízes, delegados e outros funcionários guabirus foram substituídos por praieiros, naquela província. A polícia pôde entrar nos engenhos para prender criminosos lá acoitados, numa verdadeira afronta aos “direitos” seculares dos proprietários. E a imprensa agitou como nunca, exigindo mudanças profundas. Em consequência, aumentaram os conflitos entre ricos e pobres, alarmando muita gente em todo o País — inclusive, os liberais moderados, como Joaquim.

Três anos depois, contudo, o Partido Liberal perdeu as eleições. Então, o pernambucano Pedro de Araújo Lima, futuro Marquês de Olinda, muitíssimo conservador, assumiu o comando do ministério e nomeou para a presidência de Pernambuco um deputado paraense, Herculano Ferreira Pena. E quando o novo presidente começou a perseguir os adversários e a sacá-los dos seus postos no governo, a encrenca começou, pois a volta da antiga ordem era inaceitável para os praieiros.

Para piorar as coisas, Herculano Pena foi trocado pelo baiano Manuel Vieira Tosta, Marquês de Muritiba, ainda mais despótico que o antecessor, em dezembro de 1848. E os praieiros, até aí divididos em novos (exaltados) e velhos (moderados), se uniram e montaram um governo alternativo, com sede em Água Preta. De lá partiu a tropa que tentou tomar o Recife de assalto, para depor o governador, no dia dois de fevereiro de 1849. E já estava perto de atingir seu objetivo quando a previsão de Joaquim se cumpriu, no Largo da Soledade.

A bala de mosquete atingiu a cabeça do deputado “na região temporal direita”, segundo o médico que o autopsiou, “interessando o músculo e o osso respectivos e a massa cerebral, com profundidade de seis polegadas”, e não “lhe resultou imediatamente na morte”, apenas. Os combates, até aí muito violentos, foram suspensos quando ele tombou. E o ataque frustrado consolidou o governo de Vieira Tosta, determinando o fim da revolução, após alguns meses de resistência no interior.

O corpo de Joaquim foi deixado pela tropa em retirada na Igreja de Belém, na Encruzilhada. E no dia seguinte o chefe de polícia, Jerônimo Figueira de Melo, foi buscá-lo, acompanhado por um grande cortejo popular, silencioso e triste.

“Muitos cidadãos se arrojavam à rede em que vinha para o reconhecerem e se lastimarem”, escreveu Figueira, anos depois. E “o retrato de Nunes Machado multiplicou-se em milhares de cópias ou de estampas, e ainda hoje se vê conservado em muitas casas, principalmente sob o teto modesto ou pobre de gente do povo”.

Luzias e saquaremas

Os conservadores foram apelidados de “saquaremas” porque o Visconde de Itaboraí possuía uma fazenda nas margens da Lagoa de Saquarema, no Rio de Janeiro, onde os líderes do seu partido costumavam se reunir. Em 1842, eles perderam a maioria das vagas de deputados nacionais nas chamadas “eleições do cacete”, mas conseguiram anular o pleito. Então, os liberais mineiros e paulistas se revoltaram e marcharam em armas para o Rio, sendo detidos pelo Barão de Caxias numa batalha travada em Santa Luzia do Rio das Velhas, em Minas Gerais. Aí ganharam o apelido de “santa luzias” ou, simplesmente, “luzias”.

Praieiros e guabirus

O apelido “praieiro” provinha do fato de o “Diário Novo”, principal porta-voz do Partido Nacional de Pernambuco, ter sua sede na Rua da Praia, no bairro de São José, no Recife. Este jornal, por sua vez, ganhara este nome porque surgira para fazer contraponto ao “Diário Velho”, o Diario de Pernambuco, fundado em 1825 e porta-voz dos conservadores. Na Rua da Praia também havia lojinhas que vendiam miudezas para a gente pobre; assim, “praieiro” significava, ainda, “um membro do clube dos mulambos”, numa expressão da época. Já os conservadores pernambucanos, famosos pelos desvios de dinheiro público, eram chamados de “guabirus” porque seriam como ratos, “ladrões sorrateiros dos cofres governamentais”.

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