Carlos de Lima Cavalcanti, um usineiro reformista

Mesmo fazendo parte de uma classe extremamente conservadora, ele liderou a Revolução de 30 em Pernambuco

Logo após ser derrotada nas eleições de 1929, quando lançou Getúlio Vargas à Presidência da República, a Aliança Liberal começou a organizar um grande levante no Brasil. Composta por intelectuais e oficiais das forças armadas, de classe média, além de alguns dissidentes das classes altas, essa frente pretendia derrubar o presidente Washington Luís e acabar com o poder dos velhos “coronéis”, que há décadas mandavam e desmandavam no país. Esse projeto ganhou força após a comoção nacional causada pelo assassinato de João Pessoa, presidente da Paraíba e candidato à vice-presidência pela Aliança, ocorrido no Recife, no dia 26 de julho de 1930. Dois meses depois os revoltosos saíram às ruas, com os militares à frente em todos os estados — menos em Pernambuco, onde o seu líder improvável não usava farda e, além disso, era um grande produtor de açúcar…

O FIM DE UMA ERA

Carlos de Lima Cavalcanti nasceu no ano de 1892, em Amaraji, município sede da Usina Pedrosa, que pertencia à sua família. Bacharel em Direito, elegeu-se deputado estadual em 1922, em 1925, e em 1927 lançou-se no jornalismo. Ao lado do seu irmão Caio fundou o Diário da Manhã e o Diário da Tarde, no Recife, saindo em defesa de causas progressistas e combatendo o grupo então dominante no Estado, liderado por Estácio Coimbra. Aí, veio a eleição presidencial de 1929, que sacudiu o País.

Ora, o Brasil, até então, era “federalista”, ou seja, os estados gozavam de grande autonomia. Os governadores, inclusive, eram chamados de “presidentes”. E como a maioria da população ainda vivia no campo e o voto não era secreto, quem dava as cartas eram os grandes produtores rurais de cada região— e, nacionalmente, os fazendeiros de café do sudeste, responsáveis por 70% das exportações brasileiras.

A industrialização e o êxodo das populações para as cidades, porém, foram aos poucos criando um operariado e uma classe média urbana, revoltados com o atraso e as grandes injustiças sociais. E a década de vinte foi de muitos protestos, com destaque para o movimento militar apelidado de “tenentismo”. Mas, sem grande sucesso, até que, devido à crise econômica de 1929, os Estados Unidos elevaram as taxas cobradas sobre os produtos importados, inclusive o café. E os donos dos Brasil se desentenderam entre si.

O paulista Washington Luís rompeu um acordo, vigente desde o início do século, segundo o qual a Presidência da República seria ocupada alternadamente por um paulista e um mineiro — a chamada “política do café-com-leite”. Ele indicou seu conterrâneo Júlio Prestes como candidato à sucessão. E, por conta disso, Minas Gerais se uniu à Paraíba e ao Rio Grande do Sul em torno da candidatura oposicionista do gaúcho Getúlio Vargas.

Nasceu, então, a Aliança Liberal, cuja plataforma destacava a necessidade da criação uma legislação trabalhista, entre outros avanços sociais. Sua filosofia, aliás, foi bem sintetizada pelo presidente de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que implantou o voto secreto pela primeira vez no Brasil, em Belo Horizonte: “Façamos serenamente a revolução”, ele disse, “antes que o povo a faça pela violência”.

UM NOVO TEMPO

A campanha eleitoral foi relativamente calma para os padrões da época, com poucos mortos e feridos. E Júlio Prestes obteve 1.091.709 votos contra 742.797 de Getúlio Vargas, com as tradicionais acusações de fraude de ambas as partes. Mas a Aliança recusou-se a acatar o resultado e passou a tramar o golpe.

O começo não foi fácil. O capitão Luís Carlos Prestes, por exemplo, o legendário líder da coluna que percorrera o País de 1925 a 1927, invicta após dezenas de batalhas contra as tropas do governo, recusou um convite para ser o comandante militar do movimento. Para ele, que se tornara comunista, aquele projeto não atendia os anseios da classe operária.

O assassinato de João Pessoa, que fora candidato a vice na chapa de Getúlio, porém, pôs fim às vacilações. Ele serviu de estopim para deflagrar o levante, que principiou em Porto Alegre, no dia três de outubro, puxado por militares. No Recife, onde os revolucionários eram civis, na maioria, o triunfo veio após furiosos combates, que causaram mais de 150 mortes.

Getúlio Vargas entrou vitorioso no Rio de Janeiro em 31 de outubro de 1930, e no dia seguinte, pelo rádio, anunciou a revogação da constituição de 1891 e a formação de um governo provisório, passando a administrar por meio de decretos. E para dirigir os vinte estados nomeou oficiais do Exército — à exceção de Minas Gerais, onde o civil Antonio Carlos manteve-se no comando, e Pernambuco, onde assumiu Carlos de Lima Cavalcanti.

Um governo comprometido comas causas do povo

O usineiro estreou como interventor apoiando a organização do operariado e incentivando a mobilização popular. Em 1931, enfrentou e venceu um levante anti-revolucionário do 21º Batalhão de Caçadores, que se rebelou contra o seu governo, ocupando quartéis e delegacias e sacudindo o Recife por três dias. E no ano seguinte despachou seis mil homens para São Paulo — eles foram ajudar no combate ao movimento “constitucionalista” lá deflagrado contra o governo de Vargas.

Em 1934, Carlos indicou seu conterrâneo Agamenon Magalhães para assumir o importantíssimo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado após a Revolução. E em abril de 1935 elegeu-se governador de Pernambuco, numa eleição indireta na qual votaram os deputados estaduais constituintes.

Naquele ano, porém, ele começou a afastar-se de Vargas. E estava na Europa quando eclodiu no Recife, em Natal e no Rio de Janeiro um levante contra o governo promovido pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), liderado pelos comunistas e rapidamente sufocado.

Carlos demitiu, então, alguns membros de seu secretariado envolvidos com aquele movimento, mas ele próprio foi acusado de conivência. E quando Vargas tornou-se abertamente ditador, estabelecendo o “Estado Novo”, em 1937, foi imediatamente deposto, sendo substituído pelo seu antigo aliado Agamenon Magalhães.

No ano seguinte, enfrentando dificuldades financeiras e sem ambiente político para permanecer em Pernambuco, Carlos aceitou o convite de Vargas para assumir a embaixada do Brasil na Colômbia. E em 1939 foi transferido para a embaixada do México, onde ficou até 1945, quando foi mandado para Cuba.

Com a redemocratização do Brasil, porém, ocorrida naquele ano, ele voltou e filiou-se à União Democrática Nacional (UDN), partido pelo qual se elegeu deputado à Assembleia Constituinte, em 1946, e deputado federal, em 1950. Em 1954, o presidente Café Filho o escolheu para comandar o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), e em 1956 foi eleito deputado federal, pela última vez.

Carlos de Lima Cavalcanti morreu no Rio de Janeiro, em 1967, e hoje dá nome a uma via no Recife e a uma importante avenida em Olinda.

A morte de João Pessoa

O presidente da Paraíba foi morto por uma questão de honra. Ele mandou vasculhar o escritório de João Dantas, seu adversário na política paraibana, onde foram encontrados cartas e poemas de amor trocados por Dantas e sua amante, a poetisa Anayde Beiriz, dona de “olhos de pantera dormente”, que foram divulgados publicamente. O ofendido, então, vingou-se disparando dois tiros no ofensor, com quem se encontrou na Confeitaria Glória, na Rua Nova, no Recife. Presos na Casa de Detenção. João Dantas e seu cunhado Augusto Caldas foram lá assassinados, e Anayde também morreu, envenenada, pouco tempo depois. Essa história é contada no filme Parahyba Mulher Macho, de Tizuka Yamazaki , produzido no Recife, em 1983, pois os paraibanos não quiseram que fosse filmado por lá.

Retidão e competência

Os interventores nomeados por Vargas, em 1930, eram geralmente militares sem experiência administrativa, e alguns deles fizeram governos desastrosos. Carlos de Lima, pelo contrário, dotado de grande espírito público, apoiou as instituições de ensino e pesquisa que desenvolviam trabalhos de vanguarda nos campos da agronomia, da engenharia e da saúde, em Pernambuco; cuidou dos menores abandonados; incentivou a instalação dos jardins projetados por Burle Marx nos bairros recifenses de Casa Forte e Benfica; e saiu do governo aplaudido, em 1937.

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