Pelópidas Silveira, três vezes prefeito do Recife

Político hábil e técnico competente, ele uniu as esquerdas em Pernambuco e abriu o caminho para o governo Arraes

Professor de Engenharia e diretor de Viação e Obras Públicas de Pernambuco, ele era um técnico sem militância política, com apenas 30 anos de idade, quando o interventor José Domingues o convidou a assumir a Prefeitura do Recife, em fevereiro de 1946. A ditadura de Getúlio Vargas acabara no ano anterior e já houvera eleição direta para a presidência da República, vencida pelo general Eurico Gaspar Dutra, do PSD. Mas só haveria eleições para governador no ano seguinte, e os estados continuavam sob a tutela de interventores nomeados pelo presidente. Que, por sua vez, nomeavam os prefeitos dos municípios.

Sua gestão foi curta. Acusado de comunista, José Domingues, que o indicara, foi trocado pelo general Demerval Peixoto, e o jovem engenheiro também foi afastado da Prefeitura, em agosto. Seis meses, porém, bastaram para fazer sua fama. Nesse curto período ele alargou e pavimentou diversas ruas e avenidas; estimulou a construção de moradias populares; criou feiras livres; estabeleceu a semana de trabalho “inglesa”, liberando as tardes de sábado, uma antiga reivindicação dos comerciários; tabelou o preço do peixe na Semana Santa; e deu início a uma carreira de político e administrador de grande destaque na história recente de Pernambuco…

GESTOR POPULAR

Filho do professor Sizenando Elysio Silveira e de Laura de Souza Silveira, Pelópidas Silveira nasceu em 1915, no Recife. Estudou nos colégios Santa Margarida, Salesiano, Padre Felix, e formou-se em Engenharia Civil em 1935. Naquele tempo, sua cidade era mal calçada, mal iluminada, mal servida de transportes, quase sem saneamento e com uma população, na maioria, muito pobre — como ainda é, em grande parte, até os dias de hoje. E também era mal administrada, até porque o modo de escolher os gestores não ajudava. Durante a República Velha (1889/1930) os prefeitos só cuidavam dos interesses da elite, pois os analfabetos — cerca de 80% da população — não tinha direito a voto. E a partir da Revolução de 30 eles passaram a ser indicados pelos interventores estaduais, prestando satisfação apenas a quem os nomeara.

Contrariando, porém, um longo histórico de péssimos governantes, Pelópidas tornou-se tão popular que foi lançado candidato ao governo do Estado pela Esquerda Democrática (depois, Partido Socialista Brasileiro) e pelo Partido Comunista, em 1946.

Foi uma candidatura de protesto contra duas outras que representavam as oligarquias pernambucanas. E ele foi o mais votado no Recife e em sete municípios da região metropolitana, embora perdendo, no final, para Barbosa Lima Sobrinho (PSD), com os votos do interior. Então retornou à universidade e engajou-se na campanha “O petróleo é nosso”, a favor do monopólio estatal do chamado “ouro negro” (esse monopólio seria decretado em 1953, durante a segunda presidência de Vargas, mas até hoje é questionado, haja vista a polêmica em torno da questão do pré-sal). E foi novamente lançado candidato, em 1955.

Dessa vez, Pelópidas concorreu a prefeito do Recife, e venceu com cerca de 80 mil votos, contra 40 mil dos outros três candidatos, reunidos.

Das quatrocentas urnas recifenses, aliás, ele só perdeu em duas — ou seja, foi unanimidade entre o “asfalto” e a “poeira”, como os ricos e os pobres eram classificados pelo ex-interventor e governador Agamenon Magalhães. E, mais do que vitoriosa, aquela campanha foi o berço da chamada “Frente do Recife”, uma coligação progressista que levou Miguel Arraes ao governo de Pernambuco e pesou na balança política nacional durante uma década.

A FRENTE DO RECIFE

Chamada de “a noiva da revolução” pelo poeta Carlos Pena Filho, a capital pernambucana já possuía uma longa tradição em movimentos populares e democráticos, como a Revolução de 1817, a Confederação do Equador e a Revolução Praieira, entre outros, na primeira metade do século XIX, além das lutas operárias do início do século XX. E continuava rebelde. Em 1955, por exemplo, ela sediou o Congresso de Salvação do Nordeste, denunciando a miséria da região e a exigindo mudanças radicais, como a Reforma Agrária, com forte impacto na opinião pública brasileira. E a Frente do Recife foi mais um elo dessa corrente.Criada para concorrer às eleições municipais, ela reunia o PSB, o PTB e o PTN, com apoio do PCB, então na clandestinidade. E contava, ainda, com o apoio de sindicatos como os dos portuários e ferroviários, associações de bairro como as de Casa Amarela e Afogados, e de intelectuais e de setores progressistas da Igreja Católica. Pelópidas, que tinha um bom diálogo com todos esses setores, era o seu ponto de convergência.

Prefeitura e associações de bairro juntas pela cidade

A segunda passagem do engenheiro à frente do Recife foi igualmente bem sucedida. Pela primeira vez, o povo foi convidado a participar das decisões, e a integração foi tanta que se chegou a fazer obras públicas em regime de mutirão. As associações de bairro convocavam o pessoal da área, a Prefeitura entrava com o material e orientação técnica, trabalhava-se no final de semana e na segunda-feira o serviço estava pronto.

Nessa pisada, Pelópidas concorreu a vice-governador na eleição de 1958, pela coligação UDN/PSB/PTB/PSP/PTN, com Cid Sampaio na cabeça — um usineiro, mas com alguma visão progressista —, contra as forças conservadoras do Estado. E sua chapa ganhou, mas a vitória lhe criou um problema.

O fato é que, se ele se assumisse o novo cargo, a Prefeitura seria ocupada pelo vice Vieira de Menezes, um adversário político que mudaria o rumo do seu governo, no último ano de gestão. Então, Pelópidas se recusou a sair até dezembro de 1959, após um longo processo judicial e tendo garantido a eleição do seu aliado Miguel Arraes como o novo prefeito.

Em 1962, porém, Arraes deixou a Prefeitura do Recife, candidatou-se a governador de Pernambuco e venceu. Já Pelópidas disputou um mandato de deputado federal pelo PSB, naquela eleição. Mas, desinteressado em cargos legislativos e detestando fazer discursos, não se esforçou na campanha e ficou apenas com a suplência. Voltou, então, a ocupar a secretaria de Viação do Estado, em 1963, a convite do novo governador. Que, ainda naquele ano, o lançou mais uma vez candidato à Prefeitura do Recife, pela coligação PSB/PTB.

Novamente consagrado pelos recifenses, o terceiro mandato de Pelópidas foi ainda mais curto do que o primeiro. Durou apenas três meses. Um dia após o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964 ele foi preso e teve seu mandato cassado por uma subserviente maioria de vereadores da Câmara Municipal.

Libertado no final daquele ano, o ex-prefeito passou por dificuldades financeiras até arranjar emprego. Com a anistia, em 1979, foi reintegrado à Universidade Federal de Pernambuco, mas logo se aposentou. E, após o fim da ditadura, ele viu Jarbas Vasconcelos tornar-se prefeito do Recife em 1985, pelo voto direto, após mais 22 anos sem eleições para o cargo.

Pelópidas Silveira morreu na sua cidade, em 2008, onde é lembrado como um dos seus melhores gestores, além de um grande defensor das causas populares, dando nome, hoje, a um hospital público no bairro de Curado e a um terminal integrado de ônibus no município de Paulista.
Na próxima semana, Dom Hélder Câmara.

Prefeito nota 10

Além das intervenções sociais e urbanísticas do seu primeiro mandato, Pelópidas, no segundo, reformou as avenidas Caxangá e Norte, ligou os bairros de Casa Amarela e Beberibe e abriu o canal Derby-Tacaruna. Também criou o Sítio da Trindade, aprimorou a legislação e o código tributário municipais, e fundou a Companhia de Transportes Urbanos (CTU), substituindo os antigos bondes por modernos ônibus elétricos. E para dar voz ao povo criou audiências públicas e estimulou a criação de associações
de bairro.

Barbosa Lima

Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, recifense nascido em 1897, é outro nome de relevo na história contemporânea de Pernambuco e do Brasil. Advogado e jornalista, ele foi deputado federal antes de se eleger governador em 1946, derrotando Pelópidas, com apoio de Agamenon Magalhães. Foi também presidente da Associação Brasileira de Imprensa, membro da Academia Brasileira de Letras e de inúmeras outras instituições de prestígio, nacionais e internacionais, além de presidente do Clube Náutico Capibaribe. Em 1973, candidatou-se a vice-presidente da República na chapa de Ulisses Guimarães, desafiando a ditadura. Foi o decano das campanhas pela Anistia, vitoriosa em 1979, das Diretas Já, em 1984, e do impeachment de Fernando Collor, em 1992. E, além de receber dezenas de comendas, foi tema do enredo da Escola de Samba União da Ilha do Governador, em 1999.

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