Assumir uma posição de poder demanda enfrentamentos. Para as mulheres que trabalham com o futebol, é encarar o machismo de forma mais agressiva todos os dias. Dez clubes integram o quadro da Federação Cearense de Futebol (FCF). Maria José Vieira, 41 anos, é a única mulher à frente de um deles. Dia 1º de setembro de 2017, foi nomeada presidenta do Uniclinic, time que estava no grupo de Náutico e Santa Cruz na Copa do Nordeste 2017. Administradora da Arigooll, agência que arrendou e vai gerenciar o clube por três anos, ela conta que seu nome foi lançado pelo dono da empresa, Ariclene da Silva Ferreira, jogador do Lokomotiv Moscou, e aclamado por unanimidade.
A Arigooll
A empresa nasceu com o propósito de agenciar a carreira de atletas. Partiu, recentemente, para o gerenciamento de clubes. Atualmente, o Uniclinic é o único comandado pela empresa, que arrendou o clube por três anos, com opção de compra. Antes, a Arigooll teve uma primeira experiência com o Horizonte Futebol Clube, também do Ceará.
Com poucos meses no cargo, ela já enfrentou uma série de desafios. Montagem de elenco, preparação para as competições e planejamento para a temporada são missões comuns no dia a dia de quem comanda um clube. Para Maria José, no entanto, outras questões também precisam ser contornadas. O cabelo, as roupas, tudo que faz e o que diz são monitorados.
“As pessoas até perguntam, olham para mim (e julgam) a forma como eu me visto, a forma que eu me comporto, que eu falo… Talvez esperassem um pouco mais de sensualidade por ser mulher, aquele glamour”, revela Maria, que costuma usar uma camisa do Uniclinic no dia a dia de trabalho. “Não quero que as pessoas me vejam pela aparência, mas pelas realizações, pelo que eu posso fazer.”
Formada em pedagogia e agropecuária, Maria trabalhou na área de gestão ambiental com energia solar antes de entrar no universo esportivo. As funções terminaram sendo determinantes para que ela não relutasse antes de assumir um cargo de poder numa área predominantemente masculina. “Eu sempre fiz trabalho que sempre foi dito que era para homem, então nunca tive essa diferença”, conta.
O discurso de Maria é firme. Critica o machismo presente na área e sabe do que fala. Trabalha por ao menos 12 horas por dia na sede do clube. Todas as decisões administrativas passam pela sua sala, inclusive os problemas. Quando o tempo permite, acompanha os treinos do time, comandado por Luan Carlos Neto. O respeito mútuo baliza o relacionamento com o elenco e com a comissão técnica.
“Não faço abordagens sem que um parecer técnico seja emitido. Não discordo deles sem que me provem tecnicamente a razão do que estão fazendo. Mas tem alguns ‘nãos’ que tenho que dar e eu faço isso muito seguramente quando tenho que fazer. Não tenho medo de dizer não.”
Contradição
Apesar de ser o único clube comandado por uma mulher no Ceará, o Uniclinic não conta com um time de futebol feminino. A justificativa é que o espaço físico, não só de campos, mas também vestiário e alojamentos, não comportaria. Além disso, há a alegação de que o clube está sem patrocínios, tendo desistido da Série D 2017 por dificuldades financeiras.
Levar as mulheres aos gramados poderia ser um projeto, mas para Maria ainda é muito cedo para se pensar nisso. “Precisamos de uma estrutura mais propícia, e também analisar o mercado para estas atletas, pois tudo parte como investimento. Queremos realmente formar profissionais. O custo é altíssimo, por isso tem que ter um foco”, avalia.
A leoa rubro-negra
Atualmente, não existem mulheres desempenhando cargos na diretoria executiva de futebol de Náutico, Santa Cruz ou Sport. Em Pernambuco, o cenário mais próximo dessa realidade acontece na Ilha do Retiro: a coordenadora do futebol feminino é Nira Ricardo. Na hierarquia do clube, responde ao gestor da base leonina, o coronel Genivaldo Cerqueira, departamento ao qual o time feminino está vinculado. No ano passado, montou uma equipe forte em poucos meses, contratou jogadoras com passagem pela seleção sub-20, ficando fora do mata-mata da Série A1 do Brasileiro por conta do saldo de gols. Conquistou o título do Pernambucano na temporada, impedindo o heptacampeonato do Vitória de Santo Antão.
Mas nem sempre foi assim. Nira chegou ao Rubro-negro ainda em 1981, há 36 anos, como jogadora. Deixou os gramados depois de uma cirurgia no joelho e, quando voltou, tomou à frente da equipe que estava abandonada. Não era tratada como “diretora”. “Tomava conta do time”, é assim que ela se refere à sua função na época.
Nira segurou as pontas. Ao menos até quando a sustentação do time feminino dependia ‘somente’ dela. Em 2015, durante o mandato do presidente João Humberto Martorelli, a equipe foi desativada.
Depois que deixou o Sport, Nira trabalhou por três meses no futebol feminino do Santa Cruz – que funcionava por meio de um projeto oferecido por terceiros – e organizando viagens para o Vitória. Mas, somente na Ilha do Retiro, teve direito a um trabalho devidamente regulamentado. “Só no Sport que tive carteira assinada. Durante os 33 anos que trabalhei lá e agora quando voltei também”, disse.
Apesar de uma primeira passagem marcada pelas dificuldades estruturais, a coordenadora conta que, em termos de administração, nunca enfrentou problemas com as diretorias. A relação era bastante salutar. “Mesmo na época que eles não tinham nada, sempre fui muito bem tratada. Isso com todos os presidentes. Eu ia diretamente na sala deles quando precisava de algo.”
O recomeço
Com Martorelli, o time permaneceu desativado por quase dois anos, quando, em fevereiro de 2017, apareceu como uma das metas da gestão do mandatário Arnaldo Barros. As atividades foram retomadas. Com um histórico de anos na Ilha do Retiro, Nira foi convidada para colocar a meta em prática e montar uma equipe do zero para a temporada. “Como o Sport sabia que eu já tinha trabalhado com isso, foi muito mais cômodo colocar alguém que já sabia de tudo do futebol feminino do que colocar um homem”, avalia.
Nira assumiu e conseguiu vencer um sério obstáculo para os times do futebol feminino: a falta de um calendário regular. Em virtude disso, é comum que durante o segundo semestre as equipes paralisem suas atividades até a temporada seguinte. Não no Sport. Desde o último jogo oficial disputado, a final do Estadual ainda em julho de 2017, o Rubro-negro fez novas contratações. Seguiu sua rotina de treinos e disputou ao menos três amistosos, contra Botafogo-PB, Cruzeiro-RN e Atlético Piranhas-RN. E segue em campo. Muito graças a Nira Ricardo.
As mulheres no futebol brasileiro
NO PRESENTE
Leila Pereira – Dona da Crefisa, patrocinadora do Palmeiras
Em âmbito nacional, atualmente, a figura que primeiro se destaca ao falar em posições de poder no futebol não exerce um cargo na diretoria executiva do clube em que atua. A empresária Leila Pereira, de 52 anos, foi a responsável por bancar a maior parte dos mais de R$ 100 milhões em investimentos nas contratações do Palmeiras na temporada passada. Dona e atual presidente da Crefisa, empresa de crédito pessoal que patrocina o clube desde 2015, Leila foi eleita conselheira em um pleito que sofreu até ameaças de impugnação.
Com poder financeiro dentro do clube, Leila dá toda independência à gestão do futebol, mas desde que chegou ao Palestra Itália, a empresária sofre com forças de resistência, chegando a ser classificada como uma pessoa “difícil e explosiva”. O caso, inclusive, remete ao problema de como a figura do feminino está frequentemente associada à fragilidade e suas ações e reações são vistas como uma exaltação desnecessária.
“Quando o homem grita, se impõe, ele está mostrando poder. Mas quando acontece o mesmo com uma mulher, é porque ela é histérica.”
Luiza Estevão – Diretora de futebol do Brasiliense
Mais jovem cartola do futebol brasileiro, Luiza Estevão atua como diretora de futebol do Brasiliense desde 2016, mesma época em que seu pai e dono do clube, o ex-senador Luís Estevão, foi preso por desvio de verbas – cumpre pena na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Uma das responsáveis pela montagem do elenco para a temporada 2017, ajudou a levar o time ao título do Estadual, numa quebra de quatro anos de jejum, garantindo vaga para a Copa do Brasil e a Série D do Brasileirão de 2018.
Cristiane Gambaré – Diretora de futebol feminino do Corinthians
A equipe retornou à atividade em 2016, numa parceria com o Audax, que emprestou 26 atletas ao Corinthians para jogar o Paulista e o Brasileiro, compartilhando os custos com a infraestrutura, alimentação e salário das jogadoras. A parceria terminou no fim de 2017. Neste ano, o Corinthians terá um departamento de futebol feminino próprio, comandado por Gambaré.
Aline Pellegrino – Coordenadora de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol
Ex-zagueira que defendeu a seleção brasileira, hoje aos 35 anos de idade, exerce a função de coordenadora do departamento de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol desde junho de 2016. Mas o seu trabalho em cargos de liderança no futebol começou antes . Depois de se aposentar dos gramados, em 2013, trabalhou como técnica do Vitória de Santo Antão, de Pernambuco, onde foi campeã pernambucana numa campanha histórica. Depois disso ainda foi coordenadora do Departamento de Futebol do Esporte Clube Sírio (SP) e supervisora do Corinthians/Audax.
NO PASSADO
Patrícia Amorim – Ex-presidente do Flamengo
Ocupou o cargo no triênio de 2010 a 2012. Foi uma passagem conturbada pelo clube, uma gestão marcada por má administração, crise no departamento de futebol, demissões e problemas com o técnico Vanderlei Luxemburgo e o meia Ronaldinho Gaúcho. Tentou se reeleger, mas foi desbancada por Eduardo Bandeira Mello. Ainda sente nas ruas o efeito das acusações feitas pelo grupo político que a derrotou e não voltou a assumir nenhum cargo no clube. No ano passado, trabalhando como subsecretária municipal de Esportes e Lazer do Rio, foi a principal responsável por tornar realidade o sonho do Flamengo de construir a Ilha do Urubu.
Marlene Matheus – Presidente do Corinthians 1991-1993
Viúva de Vicente Matheus, um dos mais folclóricos dirigentes do Corinthians, Marlene foi a primeira mulher à presidir um grande clube brasileiro. Em termos de conquistas, obteve apenas dois vice-campeonatos paulistas. Ao fim do triênio, Alberto Dualib, na época presidente do Conselho Deliberativo do clube, organizou um golpe para afastar Marlene e o seu marido do comando. No ano seguinte, Dualib promoveu uma mudança estatutária que impedia a realização de eleições no clube, permanecendo no comando até 2007, quando renunciou ao cargo. No ano seguinte, Marlene assumiria o posto de vice-presidente social na gestão de Andrés Sanchez.
Adriana Branco – Ex-diretora executiva do Atlético-MG
Até janeiro de 2017, Adriana Branco Cerqueira ocupava o cargo de diretora executiva do Atlético-MG – desde a saída de Bebeto de Freitas em 2009 -, no primeiro ano do mandato de Alexandre Kalil. Antes, entre 2001 e 2006, trabalhou também como diretora de comunicação e relações públicas do Galo, na gestão Ricardo Guimarães. Após oito anos, Adriana deixou o clube para se dedicar exclusivamente à Secretaria de Assuntos Institucionais e Comunicação Social da prefeitura de Belo Horizonte, nomeada pelo prefeito Alexandre Kalil.
NA EUROPA
Kathleen Krüger – setor administrativo do Bayern de Munique
Definida como o “coração do Bayern”, aos 31 anos, está no clube desde 2009, trabalhando durante o comando de técnicos como Jupp Heynckes, Pep Guardiola e Carlo Ancelotti. Atua nos bastidores e, por isso, raramente é notada. Krüger é responsável por todas as questões administrativas do clube bávaro, incluindo cuidar da estrutura dos atletas (homens e mulheres) e das obrigações com patrocinadores. É a única gerente de futebol da Bundesliga – principal liga nacional da Alemanha.
Helena Costa – Olheira do Eintracht Frankfurt
Representa o clube em Portugal, na busca por novos jogadores. Antes disso, trabalhou na mesma função no Celtic, na Escócia, por quatro anos. Mas o seu pioneirismo poderia ter acontecido três anos atrás. Ainda em 2014, foi contratada pelo Clermont Foot 63, da França, e seria a primeira técnica de um time masculino nas duas primeiras divisões de uma liga europeia. Mas Helena sequer chegou a dar um treinamento para os atletas. Pediu para deixar o clube depois que a diretoria tomou decisões sem o seu consentimento, incluindo a contratação de jogadores e organização de amistosos.
Florence Hardouin – Membro executivo da UEFA
É a primeira mulher na história eleita para o cargo. Aos 49 anos, Hardouin já cuidava dos assuntos executivos da Federação Francesa de Futebol (FFF). Na UEFA, é encarregada pelo intercâmbio entre federações e entidade até 2019. A francesa venceu a norueguesa Karen Espelund por 33 votos a 21 na disputa pela cadeira.
Série A*
Corinthians – 4 diretores
(presidente, 1º vice-presidente da diretoria, 2º vice-presidente da diretoria e 1 diretor de futebol)
Palmeiras – 5 diretores
(presidente e 4 vice-presidentes)
Grêmio – 7 diretores
(presidente e 6 diretores)
Santos – 9 diretores
(presidente e um vice-presidente eleitos pela Assembleia Geral e 7 diretores
Cruzeiro – 3 diretores
(presidente, vice-presidente e vice-presidente administrativo)
Flamengo – 4 diretores
(presidente, vice-presidente geral, vice-presidente de administração e vice-presidente de futebol)
Vasco – 5 diretores
(presidente, vice-presidente geral e 3 assessores especiais da presidência)
Botafogo – 5 diretores
(presidente, vice-presidente geral, vice-presidente de futebol, vice-presidente executivo, vice-presidente administrativo)
Chapecoense – 3 diretores
(presidente, vice-presidente administrativo e vice-presidente de futebol)
Atlético-MG – 2 diretores
(presidente e vice-presidente)
Bahia – 4 diretores
(presidente, vice-presidente, diretor administrativo e diretor de futebol)
São Paulo – 4 diretores
(presidente, vice-presidente, diretor executivo administrativo e diretor executivo de futebol)
Atlético-PR – 7 diretores
(conselho administrativo: presidente, 2 vice-presidentes e outros 4 membros)
Fluminense – 2 diretores
(presidente e gerente de futebol)
Vitória – 2 diretores
(presidente e vice-presidente)
Coritiba – 5 diretores
(presidente e 4 vice-presidentes)
Sport – 7 diretores
(presidente, vice-presidente executivo e vice-presidente de futebol, 3 diretores de futebol, 1 gerente de futebol e 1 diretor executivo de futebol)
Avaí – 4 diretores
(presidente, vice-presidente, diretor de esportes e gerente de futebol)
Ponte Preta – 6 diretores
(presidente, 2 vice-presidentes, 2 secretários e diretor de futebol)
Atlético-GO – 2 diretores
(presidente executivo e vice-presidente)
Série B *
América-MG – 2 diretores
(presidente e diretor executivo de futebol)
Internacional – 6 diretores
(presidente, 4 vice presidentes no Conselho de Gestão e um vice-presidente de futebol)
Ceará – 5 diretores
(presidente, 2 vice-presidentes, um diretor de futebol e um gerente de futebol)
Paraná – 3 diretores
(presidente, primeiro vice-presidente e segundo vice-presidente)
Londrina – 6 diretores
(presidente, vice-presidente, diretor de esportes e 3 integrantes na comissão de esportes)
Oeste – 3 diretores
(presidente, diretor executivo de futebol e gerente de futebol)
Vila Nova – 4 diretores
(presidente, dois vice-presidentes e diretor de futebol)
Brasil de Pelotas **
Juventude – 5 diretores
(presidente e quatro vice-presidentes)
Boa Esporte **
Paysandu – 2 diretores
(presidente e vice-presidente)
Figueirense – 4 diretores
(presidente e 3 vice-presidentes)
Criciúma – 1 diretor
(presidente)
Goiás – 2 diretores
(presidente e vice-presidente)
CRB – 4 diretores
(presidente, vice-presidente e 2 diretores integrantes do Comitê Gestor)
Guarani – 2 diretores
(presidente e vice-presidente)
Luverdense **
Santa Cruz – 2 diretores
(presidente e vice-presidente)
ABC – 3 diretores
(presidente, vice-presidente e vice-presidente de futebol)
Náutico – 2 diretores
(presidente e vice-presidente de futebol)
* As informações sobre o comando da diretoria de futebol foram obtidas nos sites oficiais dos clubes.
** Quadro da diretoria não consta no site oficial